A natureza jurídica do prêmio pago pelo empregador e as controvérsias ocorridas após a Reforma Trabalhista | Análise
Análise

A natureza jurídica do prêmio pago pelo empregador e as controvérsias ocorridas após a Reforma Trabalhista

Por Arthur Cahen, sócio do Cahen & Mingrone Advogados Associados

26 de March de 2020 8h

A chamada reforma trabalhista, trazida pela lei nº 13.467/2017, alterou a redação de uma série de dispositivos legais, fixando de forma clara a natureza jurídica de algumas parcelas que antes eram consideradas como componentes da remuneração, por ausência de um regramento claro, como era o caso do prêmio.

Para o juiz Valentin Carrion, o prêmio consistia "na promessa de vantagem", em dinheiro ou não, caso certo empregado atingisse certo nível de produção ou observasse determinada conduta. Para ele, o prêmio esporádico não se integrava na remuneração, "o habitual sim".

Tal fato se dava, uma vez que a antiga redação do artigo 457 da Norma Consolidada não era taxativa acerca da natureza jurídica do prêmio, interpretando a doutrina que o prêmio habitual teria feição salarial, enquanto o esporádico e pago espontaneamente pelo empregador seria indenizatório. Esse posicionamento, apesar de não unânime, era o que se aplicava de forma mais usual.

Porém, pela nova redação conferida ao artigo 457, § 2º da CLT (trazida pela lei nº 13.467/2017), as "importâncias, ainda que habituais, pagas a título de ajuda de custo, auxílio-alimentação, vedado seu pagamento em dinheiro, diárias para viagem, prêmios e abonos não integram a remuneração do empregado, não se incorporam ao contrato de trabalho e não constituem base de incidência de qualquer encargo trabalhista e previdenciário."

Com isso, o legislador tentou diminuir a celeuma em torno do tema e retirou do prêmio, de forma expressa, a natureza salarial, quando fixado e pago na forma da lei. Frisa-se, inclusive, que a discussão acerca da habitualidade ou não do pagamento do prêmio, para fins de caracterização como salário, também foi afastada pelo legislador, pois consignou categoricamente que as verbas insertas no § 2o do artigo 457 da CLT (dentre elas o prêmio), mesmo que habitualmente pagas ao empregado, não se incorporam ao contrato de trabalho, bem como não constituem base de incidência para encargos trabalhistas ou previdenciários.

Além do texto consolidado, o artigo 28, § 9º, item "z", da Lei nº 8.212/1991 (que dispõe sobre a organização da Seguridade Social), também passou a pregar explicitamente que o prêmio não integra o salário de contribuição.

Destarte, com a reforma, os empregadores passaram a ter segurança para poder pagar um prêmio sem encargos previdenciários e trabalhistas, desde que observem os requisitos que a nova redação da Norma Consolidada estabeleceu. Ou seja, o prêmio pago por "liberalidade" da empresa ou em virtude de um "desempenho superior ao ordinariamente esperado" incontestavelmente passou a ser considerado como uma parcela com feição indenizatória.

A despeito disso, a mudança legal em comento trouxe dúvidas sobre como os órgãos de fiscalização iriam interpretar e aplicar o novo regramento. Analisando esses novos conceitos legais, foi publicada, em 14 maio de 2019, a Solução de Consulta nº 151, pela Coordenação-Geral de Tributação (COSIT), dispondo, resumidamente, que no entendimento da Receita Federal do Brasil, os prêmios excluídos da incidência das contribuições previdenciárias: seriam aqueles pagos, exclusivamente, a segurados empregados, de forma individual ou coletiva, não alcançando os valores pagos aos segurados contribuintes individuais; não se restringiriam a valores em dinheiro, podendo ser pagos em forma de bens ou de serviços; não poderiam decorrer de obrigação legal ou de ajuste expresso, hipótese em que restaria descaracterizada a liberalidade do empregador; e deveriam decorrer de desempenho superior ao ordinariamente esperado, de forma que o empregador teria que comprovar, objetivamente, qual o desempenho esperado e o quanto esse desempenho foi superado.

Todavia, recentemente esse assunto ganhou novo contorno, que interfere na conclusão acima e cuja aplicabilidade tende a gerar intenso debate. Em 11 de novembro de 2019, foi promulgada a Medida Provisória (MP) nº 905/2019, que estabeleceu em seu artigo 48, alterações na Lei nº 10.101/2000. O texto da MP complementou o artigo 457 da CLT e estabeleceu de forma clara e objetiva novos requisitos de validade do prêmio, com natureza indenizatória.

Ocorre que, um dos principais requisitos instituídos foi a possibilidade de o prêmio ser ajustado previamente, o que, segue em sentido diametralmente inverso ao posicionamento da Receita Federal na Solução de Consulta supracitada.

Com isso, na vigência da MP, se preenchidos os requisitos nela estabelecidos, a empresa pode ajustar e pagar o prêmio aos seus empregados, sem a incidência dos encargos sociais e fiscais correspondentes. De acordo com o Governo, o objetivo dessa nova mudança no conceito do prêmio criada pela MP foi deixar mais explícita a forma de caracterização do prêmio com feição indenizatória.

Note que em relação à reforma trabalhista, a maior modificação trazida pelo texto acima foi a possibilidade de se convencionar o prêmio por meio de um documento escrito, via ato bilateral (contrato, acordo ou convenção) ou unilateral do empregador (política interna ou comunicado).

Desse modo, caso as empresas pretendam hoje aplicar um prêmio aos seus empregados (por contrato ou regulamento), prevendo o resultado ordinariamente esperado dos trabalhadores e a contrapartida em caso de desempenho acima do esperado, deverá fixar as regras para percepção do prêmio antes do pagamento, observando os valores limites e arquivando o instrumento, a fim de paga-lo de forma líquida (sem encargos).

No entanto, se a empresa não tiver como assinar um acordo, instituir um regulamento ou demonstrar objetivamente, por outro meio, qual foi o desempenho ordinário esperado de cada trabalhador e quanto esse desempenho foi superado (por parte ou todos eles), será arriscado instituir o pagamento de um prêmio, eis que em caso de fiscalização por parte da Receita Federal, ou até mesmo pelo Ministério da Economia, o enquadramento desse prêmio pode ser questionado, sendo considerado como salário.

Importante ressaltar, por fim, que a Medida Provisória nº 905/2019 possui vigência até o dia 20/04/2020, caso a MP não seja convertida em lei pelo Congresso Nacional, antes disso. Após esse período ela perde seus efeitos. Desta feita, a criação de um prêmio ajustado só será possível dentro do período de vigência da MP, não estando garantido que essa regra permanecerá válida, no futuro.

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