A Lei 14.437, publicada em 2022 para atender às necessidades da pandemia, tornou-se permanente para casos de calamidade pública, em nível nacional e estatual. Recentemente, o Rio Grande do Sul enfrentou intensas chuvas, resultando na maior tragédia climática do Brasil.
As enchentes causaram mortes, desalojaram pessoas e afetaram empresas em diversas cidades gaúchas. Segundo a prefeitura de Porto Alegre, mais de 45 mil atividades econômicas foram impactadas, especialmente no setor de serviços. Ainda, cerca de 91% das fábricas e 87% dos empregados foram afetados.
Apesar do estado de calamidade ser reconhecido no início de maio de 2024, por meio da Portaria nº 1.354/2024, o Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) só emitiu orientações em 12 de maio de 2024. Essas orientações recomendavam a adoção de medidas emergenciais previstas na Lei 14.437/2022, mas todas sujeitas à negociação coletiva. Isso significou que medidas como teletrabalho, férias coletivas, antecipação de férias, redução da jornada e suspensão de contratos de trabalho dependiam exclusivamente de negociações com os sindicatos.
Ou seja, o que o Ministério do Trabalho e Emprego fez, não foi a regulamentação das disposições da Lei 14.437/2022, mas o repasse às entidades sindicais a tarefa de negociação, para a possibilidade de adoção de qualquer das medidas de flexibilização para manutenção do emprego e renda.
Evidente, assim, que desde o ano de 2022, há a Lei destinada ao atendimento de situações decorrentes de períodos de calamidade pública, mas não existe a regulamentação necessária por parte do Ministério do Trabalho e Emprego para o caso específico do Rio Grande do Sul. Assim, a submissão de todas as possibilidades à negociação sindical foi a solução encontrada pelas empresas neste momento.
Ainda que o Ministério do Trabalho tenha autorizado a flexibilização de condições de trabalho através de negociação coletiva, no final de maio/2024 - quando já ultrapassado quase um mês do início das enchentes -, foi publicada a primeira Portaria, nº 838, com o intuito de regulamentar as medidas trabalhistas para o enfrentamento do estado de calamidade pública. No entanto, referida Portaria trata apenas de questões administrativas, relativas à saúde e segurança no trabalho, nada dispondo a respeito de condições de trabalho.
Assim, em se tratando de estado de calamidade, as medidas e respostas por parte do Governo e dos órgãos do Poder Executivo deveriam ter sido urgentes e diretas, bastando a realização da regulamentação das disposições da Lei já existente, nº 14.437/2022, o que não ocorreu em momento oportuno.
Ou seja, com a inércia dos órgãos governamentais na regulamentação, empresas que necessitavam de soluções urgentes, tiveram que adotar medidas considerando os riscos de suas decisões, sem a segurança jurídica necessária.
Apenas em 07 de junho de 2024 foi publicada a Medida Provisória nº 1.230, prevendo o pagamento de duas parcelas de salário-mínimo aos trabalhadores formais de cidades atingidas pelas enchentes, com a redução da folha de pagamento, mediante a fixação de condições de garantia de emprego, após a retomada das atividades e encerramento do apoio financeiro aos trabalhadores.
No entanto, o ato do Ministério do Trabalho que regulamenta os procedimentos e critérios operacionais ao pagamento do Apoio Financeiro, Portaria nº 991, somente foi publicado em 20 de junho de 2024, sendo que a partir de agora é que as empresas poderão aderir ao programa e proceder com a entrega das declarações necessárias via Portal Emprega Brasil.
De todo modo, é importante referir que, além disso, a Portaria do Ministério do Trabalho condiciona o auxílio à localização dos estabelecimentos dos empregadores em área efetivamente atingida, devendo ser considerada a "mancha de inundação delimitada por georrefenciamento", em municípios em situação de calamidade ou de emergência reconhecido pelo governo federal. Disso se conclui, que em um mesmo município, duas empresas poderão ter tratamento diferenciado, em razão de suposta divergência de impacto de duas atividades que será delimitada pela chamada "mancha de inundação".
Desta forma, não é difícil perceber que somente mais de um mês após o início das enchentes e do fechamento de diversas empresas, o Legislativo trouxe uma única medida que pode ser considerada como de aplicação imediata e que ainda assim, mostra-se complexa e cheia de entraves conceituais e procedimentais.
Fica assim, a reflexão a respeito da falta de regulamentação necessária por parte do Governo e do Poder Executivo para o enfrentamento da maior catástrofe climática do País. Já não bastando os prejuízos diretos da população, desabrigados ou não, os prejuízos financeiros das empresas ainda estão longe de deixar de surtir seus efeitos. E, ainda, aquelas empresas que necessitavam adotar medidas emergenciais estão fazendo sem a segurança jurídica necessária.
Natalia Serro Mies é advogada do Souto Correa, graduada em Direito, pós-graduada em Direito e Processo do Trabalho e mestre em Direito pela PUC-RS além de um MBA em Gestão Empresarial pela Fundação Getúlio Vargas.
Clara Cavalheiro é advogada do Souto Correa e graduada em Direito pela Universidade Presbiteriana Mackenzie.
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