Setembro é um mês representativo no que tange as relações de consumo: marca os 33 anos do Código de Defesa do Consumidor (11) e o Dia do Cliente (15) - e isso não é à toa. Há mais de três décadas, nosso bom e velho CDC mudou a dinâmica de como as empresas atuam no mercado de consumo. Elas se adaptaram, aprenderam e encontraram caminhos importantes para se relacionar com seus consumidores valendo-se das melhores práticas.
Por outro lado, o consumidor também foi se engajando mais e compreendendo todo o ecossistema legal no qual estava inserido. Ele passou a ter voz e, mais que isso, a sua voz passou a ser ouvida e respeitada. São mais de três décadas em vigor que geraram mais consciência aos consumidores sobre seus direitos básicos, e o conhecimento é uma importante ferramenta para o aprimoramento da cidadania, a garantia de direitos, o cumprimento de deveres e, acima de tudo, a evolução da sociedade.
A norma é arrojada e vanguardista, isso porque tutela satisfatoriamente, e sem muitas alterações legislativas, boa parte do comércio eletrônico que era quase inexistente quando entrou em vigor, em 1990. Contudo, na era digital, o uso constante da tecnologia e a crescente coleta de dados pessoais tornaram essencial a integração de leis que protejam nossos direitos. Nesse contexto, a interseção entre CDC e a Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD), que completou meia década neste ano, assume papel crucial na defesa dos interesses dos cidadãos, mas não apenas isso: torna-se ferramenta fundamental para garantir a harmonização das relações de consumo de uma maneira cada vez mais transparente e eficaz, quando as companhias também são beneficiadas.
Há cinco anos, quando a LGPD passou a ser foco central de nossa legislação, havia muitos questionamentos sobre a necessidade de o CDC ser revisto. Mas muitos princípios do CDC e da LGPD são convergentes: consentimento informado, transparência, segurança e proteção de dados, direito à privacidade, acesso aos dados pessoais, retificação e exclusão de dados são temas tratados nas duas legislações de forma muito semelhante.
No que diz respeito à privacidade, o CDC já previa aos consumidores o direito de terem acesso as informações existentes em cadastros, fichas, registros e dados pessoais bem como suas respectivas fontes, podendo exigir no caso de inexatidão sua imediata correção. No entanto, com o advento da era digital, a proteção dessas informações tornou-se mais complexa, exigindo estabelecer diretrizes específicas sobre como precisamos conduzi-la enquanto sociedade.
Inspirada no Regulamento Geral de Proteção de Dados (GDPR), da União Europeia, a LGPD veio para modernizar a regulamentação de privacidade no Brasil, impondo regras mais rigorosas sobre a coleta, o tratamento e o armazenamento de dados pessoais. Tal lei não apenas estabelece parâmetros claros sobre como as empresas devem lidar com os dados dos consumidores, mas também fortalece os direitos individuais, como os de acesso, retificação, exclusão e portabilidade dos dados pessoais.
Neste contexto, a relação entre o CDC e a LGPD é direta e evidente: enquanto o CDC aborda aspectos gerais dos direitos do consumidor, a LGPD aprofunda as questões relacionadas à privacidade e à segurança de dados. Ou seja: caminham de mão dadas, lado a lado, para melhorar a dinâmica do mercado.
Contudo, a interseção entre o CDC e a LGPD não está isenta de desafios. As empresas ainda precisam entender melhor a segunda e cumprir ambas as leis, garantindo que os direitos dos consumidores sejam respeitados em todas as áreas. Mais do que isso, evidencia a necessidade de aculturamento sobre proteção de dados em nosso país. Embora a legislação estabeleça regras claras para o uso de dados pessoais e de um verdadeiro ecossistema de direitos e obrigações, é esperado que ainda haja uma série de dúvidas sobre a matéria. Estamos falando de cinco anos de existência, e ainda há muito o que avançar nesse sentido, tanto por parte das organizações - públicas e privadas -, quanto pelos cidadãos.
O que precisamos ter em mente é que o consumidor está cada vez mais conectado, engajado e interessado em conhecer a cadeia produtiva e econômica dos produtos que escolhem para seu consumo. Já para as empresas é um desafio proteger os dados do cliente para atender à LGPD. Para o equilíbrio entre a proteção e a experiência do cliente, esse desafio passa a ser maior ainda.
Proporcionar uma jornada fluida para o cliente evita atritos. Tudo começa com informação precisa e transparente. E sempre digo que quando olhamos a causa-raiz de qualquer conflito ou litígio, certamente ocorreu alguma questão relacionada a problemas de informação, a forma com que é feita a comunicação ou, ainda, com a omissão de algum ponto relevante.
Os dados mostram que grande parte dos clientes procuram a empresa primeiro para resolver as questões. Só depois é que vão adiante. Então, as corporações têm essa oportunidade e não podem deixar passar. É usar o encantamento, a proatividade e o atendimento para oferecer solução efetiva. Respeitar o arcabouço legal de nosso país é o primeiro passo para chegar lá.
O que a cultura da empresa deve buscar? Colocar o atendimento ao cliente como um tema estratégico dentro da companhia, permeando todos os times. Essa integração traz benefícios significativos para a harmonia das relações de consumo, na qual consumidores e empresas sairão ganhando, sempre.
Nossas leis trabalham em conjunto para garantir que os cidadãos brasileiros desfrutem de produtos e serviços de qualidade, ao mesmo tempo em que têm a privacidade e a segurança de seus dados pessoais protegidas. E companhias comprometidas com o seu negócio enxergam o atendimento ao nosso arcabouço legal como um diferencial competitivo, criando modelos de negócios cada vez mais sustentáveis, estratégicos e transparentes.
É fundamental que os consumidores estejam cientes de seus direitos sob essas leis e que as empresas cumpram suas obrigações, promovendo um ambiente mais justo e seguro para todos.
Ellen Gonçalves é advogada, vice-presidente da Comissão Permanente de Defesa do Consumidor da OAB, CEO e sócia-fundadora do PG Advogados. É especialista em Direito do Consumidor e referência em Resolução de Conflitos e em Contencioso de Alta Complexidade. Mestre em Direito Político e Econômico, LLM em Direito Empresarial com ênfase em Direito do Consumidor. É autora de "O direito do consumidor e os juizados especiais cíveis (IOB Thomson, 2006)" e "Uma lei para todos- A história dos 30 anos do Código de Defesa do Consumidor (Atelier de Conteúdo, 2020)".
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