A Importância da Preservação da Cadeia de Custódia das provas digitais | Análise
Análise

A Importância da Preservação da Cadeia de Custódia das provas digitais

Por Alexandre Atheniense, sócio-fundador do Alexandre Atheniense Advogados

12 de December de 2023 19h10

Falhas na preservação da cadeia de custódia podem comprometer a integridade das evidências digitais.

Em linhas gerais, a cadeia de custódia em provas digitais é uma garantia de que a evidência permaneceu íntegra e não adulterada desde sua coleta até sua apresentação em tribunal. Cada etapa, desde a identificação, coleta, preservação e análise, é meticulosamente documentada.

As falhas na preservação da cadeia de custódia, como falta de transparência ou documentação inadequada, podem comprometer a integridade das evidências digitais. Isso, por sua vez, pode diminuir o peso da evidência no convencimento do magistrado.

No ano de 2019, a legislação brasileira testemunhou a implementação do Pacote Anticrime (Lei 13.964), que introduziu uma série de modificações normativas significativas, dentre elas, a normatização expressa da cadeia de custódia no âmbito do Código de Processo Penal (CPP). A legislação passou a conceituar a cadeia de custódia como o compilado sistemático de protocolos e procedimentos empregados para assegurar e registrar a trajetória cronológica dos vestígios colhidos em cenários de crime ou diretamente de vítimas, monitorando a posse e manipulação dos mesmos desde o momento de sua identificação até o procedimento de descarte.

Esta inserção legislativa trouxe luz à explicitação jurídica da cadeia de custódia, marcando um ponto de inflexão na jurisprudência relativa à gestão e manuseio de evidências no contexto penal. O Pacote Anticrime catalisou a codificação jurídica de medidas e precauções fundamentais para a integridade da evidência criminal, um elemento central na averiguação fidedigna dos fatos subjacentes.

Em essência, a custódia adequada dos vestígios de um delito é um pilar intrínseco à eficácia do processo penal bem como na fase instrutória do processo civil. A ausência de um manejo apropriado e sistemático das evidências, desde a fase inicial de coleta subsequente ao delito, passando pela etapa investigativa e judicial, e se estendendo até a conservação das mesmas durante o julgamento, pode resultar na quebra da cadeia de custódia. Tal ocorrência pode, por sua vez, comprometer gravemente a integridade do processo, afetando a capacidade do sistema judicial de apurar a verdade material dos fatos, minando a confiabilidade das evidências e, consequentemente, a justiça da decisão final.

Assim, a implementação deste dispositivo normativo denota um avanço significativo na juridicidade do manejo de evidências, reforçando a importância de protocolos rigorosos e sistematizados para assegurar a intangibilidade e credibilidade das provas no decorrer do intricado trajeto processual.

A preservação da cadeia de custódia é fundamental para estabelecer a integridade e autoria das provas digitais. Este processo meticuloso envolve a documentação cronológica do manuseio da evidência, desde sua coleta até sua apresentação em tribunal. O Art. 158-A do Código de Processo Penal e as perspectivas doutrinárias consolidam a importância desse processo.

A integridade da cadeia de custódia é crítica para assegurar que as provas não foram contaminadas, manipuladas ou alteradas. Uma cadeia de custódia intacta sustenta a confiabilidade e admissibilidade das provas digitais, proporcionando uma base sólida para a defesa ou acusação.

Análise jurisprudencial sobre a jurisprudência recente do STF sobre a Cadeia de Custódia das provas digitais

A preservação da cadeia de custódia das provas, nos anos mais recentes, tem se consolidado, como um tema de grande relevância na jurisprudência brasileira. As recentes decisões do Supremo Tribunal Federal (STF) marcaram um divisor de águas, evidenciando uma postura rigorosa e exigente na admissão e valoração das provas digitais em processos judiciais. Passamos a seguir a sintetizar algumas decisões que merecem destaque sobre o tema

A decisão do Ministro Dias Toffoli no processo STF Pet 11446 é emblemática. Ao anular provas do acordo de leniência da Odebrecht, obtidas dos sistemas Drousys e My Web Day B, por considerá-las imprestáveis, Toffoli não apenas evidenciou a rigorosidade técnica e ética necessária na obtenção e manejo das provas, mas também colocou em destaque a responsabilidade do Estado e do Ministério Público nessa equação.

No mesmo diapasão, o Ministro Lewandowski, ao apontar falhas na cadeia de custódia e a imprestabilidade de provas em processo contra Geraldo Alckmin, reforçou a posição do STF na exigência de integridade e confiabilidade das evidências apresentadas em juízo.

As decisões supracitadas firmam dois aspectos cruciais na jurisprudência: o reconhecimento da imprestabilidade da prova contaminada e a necessidade de perícia técnica adequada quando possível. Nestes julgados, o STF sempre buscou identificar a origem da possível contaminação probatória, evidenciando o dever do Estado na preservação incólume da cadeia de custódia.

O efeito erga omnes dessas decisões é inegável. Provas ilegais ou contaminadas não encontram espaço em nenhum processo, resguardando, assim, os princípios do contraditório, da ampla defesa e do devido processo legal.

Outro caso de destaque, envolveu a ordem do Ministro Gilmar Mendes para o desentranhamento da prova digital no caso da ex-subprefeita da Lapa, em São Paulo, por conta da impossibilidade de realização de perícia técnica adequada e a não disponibilidade integral do vídeo apresentado como prova. Tal fato reitera a importância de uma cadeia de custódia inconteste e irrefutável.

Portanto, é notório que as decisões do STF demonstram a imperatividade da garantia de uma cadeia de custódia íntegra e confiável, sob pena de desconsideração da prova e eventual comprometimento da ação penal. A responsabilidade do Estado e do Ministério Público é absoluta e a perspectiva da chance perdida - quando a prova é contaminada ou comprometida - ressoa de forma contundente na busca pela verdade real e na concretização da justiça.

A anulação de provas no contexto dos casos citados não apenas ressalta a importância da integridade e validade das provas, mas também sinaliza, de forma inequívoca, que a preservação da cadeia de custódia é um imperativo jurídico, ético e social, sem o qual o processo penal se vê esvaziado de seu propósito e legitimidade. A garantia dos direitos fundamentais e o respeito ao devido processo legal estão intrinsecamente atrelados à garantia de uma atividade probatória íntegra, transparente e confiável.

Portanto, em uma análise conclusiva, a postura adotada pelo STF nesses julgados solidifica o entendimento de que a integridade da cadeia de custódia não é apenas um requisito técnico, mas um pilar fundamental para a realização da justiça e para a garantia dos princípios constitucionais que norteiam a instrução processual brasileira.

Como obter êxito com a Investigação Defensiva com as provas digitais

A implementação do Provimento 188/2018 pelo Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (CFOAB), marca uma etapa significativa na evolução da prática jurídica, principalmente no que se refere à atuação proativa dos advogados na gestão e produção de provas. Este instrumento normativo não cria novas prerrogativas, mas formaliza e regulamenta práticas já enraizadas na advocacia, proporcionando maior segurança e eficiência na realização de diligências investigatórias. A regulamentação da investigação, reforçou a liberdade da advocacia para operar em defesa dos interesses dos clientes, tanto acusados quanto vítimas.

A investigação defensiva no contexto penal, conforme delineada pelo Provimento, consiste em um complexo de diligências investigatórias sob a responsabilidade e supervisão direta de advogados. Este instrumento permite ao profissional, autenticado e autorizado pela norma, operacionalizar e coordenar uma série de atividades investigativas, direcionadas à produção de provas, sejam digitais ou não, em benefício do acusado e zelo pelos interesses do cliente.

Uma equipe multidisciplinar pode ser convocada e coordenada pelo advogado, para complementar as atividades investigativas, ampliando o escopo e a qualidade das provas obtidas, garantindo assim, a efetivação dos princípios constitucionais da ampla defesa e do contraditório.

Na seara cível, a investigação defensiva assume uma importância peculiar, especialmente em casos envolvendo disputas contratuais, responsabilidade civil, questões de propriedade, entre outros. Assim como no âmbito penal, a possibilidade de contar com uma equipe multidisciplinar é vital para reunir informações relevantes, preparar uma defesa sólida e, por conseguinte, minimizar riscos legais e maximizar as chances de sucesso no litígio.

No contexto penal, a norma proporciona aos advogados um fundamento formal para a realização de investigações defensivas, consolidando a prática como uma ferramenta legítima e necessária para o exercício da advocacia.

Na esfera cível, a investigação defensiva se apresenta como um instrumento imprescindível para a coleta de evidências e fortalecimento da capacidade de defesa, contribuindo para um processo judicial justo e equitativo.

Não há dúvidas que o advento do Provimento 188/2018 é um marco na advocacia brasileira. No campo penal, assegura os direitos do acusado, otimiza a produção de provas e fortalece a defesa no sistema de justiça criminal. Na área cível, desempenha um papel crucial para proteger os interesses do cliente, permitindo a coleta de evidências pertinentes e robustecendo a defesa, sobretudo quando se trata de provas digitais,

A formalização desta prática contribui significativamente para a busca da verdade, reforçando os princípios fundamentais do processo penal e civil, e realçando o papel vital dos advogados como pilares de sustentação do Estado Democrático de Direito. A operacionalização de atividades para a gestão da prova digital tornou-se, assim, mais pragmática, segura e eficiente, promovendo a justiça e a equidade em todos os quadrantes do sistema judiciário brasileiro.

Alexandre Atheniense é advogado especialista em provas digitais e enfrentamento de golpes na internet, formado pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), especializado em Internet Law na Berkman Center - Harvard Law School e sócio-fundador do Alexandre Atheniense Advogados.

Os artigos e reportagens assinadas não refletem necessariamente a opinião da editora, sendo de responsabilidade exclusiva dos respectivos autores.

Alexandre AthenienseAlexandre Atheniense AdvogadosArtigoArtigos de OpiniãoCadeia de Custódia