Falar de ética atualmente não é fácil, especialmente quando a sociedade possui relações baseadas no individualismo, com relações fluídas ou líquidas. Segundo Zygmunt Bauman, "a vida líquida está relacionada a uma sociedade fundamentada no individualismo. Ou seja, uma sociedade que se converteu em algo temporal e instável que carece de aspectos sólidos. Em outras palavras, as relações interpessoais se tornaram cada vez mais efêmeras e voláteis".
Nessa perspectiva, o entendimento sobre a definição da ética também se tornou líquido, modificou, principalmente sob a justificativa de o que foi ético numa época nem sempre o é na época seguinte, da mesma forma que os costumes também mudam com o passar do tempo numa determinada sociedade.
Inobstante, resgatar o conceito original da ética, dos gregos, é indispensável, razão pela qual se se faz uma breve digressão sobre a origem etimológica da palavra, antes de se apresentar a importância da sua observância diária nos escritórios de Advocacia.
A palavra ética tem origem etimológica no grego antigo. Ela deriva da palavra grega "ethiké" (ἠθική), que é o feminino de "ethikos" (ἠθικός), que por sua vez vem de "êthos" (ἦθος).
"Êthos" originalmente significava "costume" ou "caráter", e estava relacionado aos hábitos ou modos de ser de uma pessoa ou de uma sociedade. Assim, o termo "ética" no contexto grego antigo referia-se ao estudo dos costumes e da natureza do caráter humano, especialmente em relação ao comportamento moral.
Com o tempo, o conceito de ética evoluiu para se tornar o campo da filosofia que estuda os princípios que orientam o comportamento humano em relação ao que é considerado bom, justo, e moralmente correto.
A palavra "ética" lida com os princípios morais que governam o comportamento de indivíduos e grupos. Em essência, ética é o estudo do que é considerado certo ou errado, bom ou mau, em termos de conduta humana.
A ética envolve a análise e a aplicação de conceitos como justiça, virtude, dever, responsabilidade e direitos, e busca compreender e orientar as escolhas e ações humanas de maneira a promover o bem-estar e a justiça na sociedade.
De forma geral, a ética não só se preocupa com as regras e normas que determinam como as pessoas devem agir, mas também com os princípios subjacentes a essas regras e as razões para segui-las.
Segundo Norberto Bobbio, renomado filósofo e teórico político italiano, a "ética é um campo normativo que trata dos princípios de comportamento que os indivíduos devem seguir, independentemente das leis ou das normas impostas externamente".
De Plácido e Silva, define a ética como "a soma de deveres, que estabelece a norma de conduta do profissional no desempenho de suas atividades e em suas relações com o cliente e todas as demais pessoas com quem possa ter trato".
Ética é a investigação geral sobre aquilo que é bom. A vida humana se caracteriza por ser fundamentalmente ética. Como profissionais especializados, qualificados e considerados como os mais cultos no seio da sociedade temos que qualificar cada um de nossos atos eticamente. Estes atos sempre servem para a expansão ou limitação do ser humano. A eficiência técnica segue regras técnicas, relativas aos meios, e não normas éticas, relativas aos fins.
O plano ético permeia todas as ações humanas. Isto ocorre porque o homem é um ser livre, vocacionado para o exercício da liberdade, de modo consciente. Sem liberdade não há ética. A liberdade supõe a operação sobre alternativas; ela se concretiza mediante a escolha, a decisão, a consciência do que se faz. Tanto a Moral como o Direito baseiam-se em regras que visam estabelecer uma certa previsibilidade para as ações humanas.
As ações éticas brilham justamente quando se opõem às tendências "naturais" do homem. Se as ações seguissem apenas as tendências naturais do homem, não haveria lugar para o mundo ético. Não há liberdade sem necessidade. Não há ética sem impulsão, sem desejo. O mundo ético só é possível no meio social, no bojo das determinações sociais. O fenômeno ético não é um acontecimento individual, existente apenas no plano da consciência pessoal. Esse fenômeno é resultante das relações sociais e históricas, compreendendo também o mundo das necessidades, da natureza.
A ética só existe no seio da comunidade humana; é uma expressão da vida social e histórica dos homens situados, dos homens em suas relações vitais, produtivas, concretas e comunicativas.
Pois bem.
A ética nos Escritórios de Advocacia reveste-se de fundamental importância no contexto do exercício da profissão jurídica no Brasil. A Advocacia, enquanto função essencial à administração da justiça, conforme preceitua o artigo 133 da Constituição Federal de 19888, requer de seus profissionais uma conduta irrepreensível, pautada por princípios éticos que garantam a integridade, a confiança e a credibilidade necessárias ao pleno funcionamento do Estado Democrático de Direito.
O Estatuto da Advocacia - Lei n° 8.906/1994, preconiza que o(a) advogado(a) se torne merecedor de respeito e observe, na sua atuação, o Código de Ética e Disciplina da Profissão. É o que se extrai da análise dos artigos 31 a 33, abaixo apresentados:
Art. 31. O advogado deve proceder de forma que o torne merecedor de respeito e que contribua para o prestígio da classe e da advocacia.
§ 1º O advogado, no exercício da profissão, deve manter independência em qualquer circunstância.
§ 2º Nenhum receio de desagradar a magistrado ou a qualquer autoridade, nem de incorrer em impopularidade, deve deter o advogado no exercício da profissão.
Art. 32. O advogado é responsável pelos atos que, no exercício profissional, praticar com dolo ou culpa.
Parágrafo único. Em caso de lide temerária, o advogado será solidariamente responsável com seu cliente, desde que coligado com este para lesar a parte contrária, o que será apurado em ação própria.
Art. 33. O advogado obriga-se a cumprir rigorosamente os deveres consignados no Código de Ética e Disciplina.
Parágrafo único. O Código de Ética e Disciplina regula os deveres do advogado para com a comunidade, o cliente, o outro profissional e, ainda, a publicidade, a recusa do patrocínio, o dever de assistência jurídica, o dever geral de urbanidade e os respectivos procedimentos disciplinares.
O Código de Ética da Advocacia, por sua vez, apresenta os princípios que devem formar a consciência profissional do(a) advogado(a) e representam imperativos de sua conduta. São eles:
- Lutar sem receio pelo primado da Justiça;
- Pugnar pelo cumprimento da Constituição e pelo respeito à Lei, fazendo com que esta seja interpretada com retidão, em perfeita sintonia com os fins sociais a que se dirige e as exigências do bem comum;
- Ser fiel à verdade para poder servir à Justiça como um de seus elementos essenciais;
- Proceder com lealdade e boa-fé em suas relações profissionais e em todos os atos do seu ofício;
- Empenhar-se na defesa das causas confiadas ao seu patrocínio, dando ao constituinte o amparo do Direito, e proporcionando-lhe a realização prática de seus legítimos interesses;
- Comportar-se, nesse mister, com independência e altivez, defendendo com o mesmo denodo humildes e poderosos;
- Exercer a advocacia com o indispensável senso profissional, mas também com desprendimento, jamais permitindo que o anseio de ganho material sobreleve à finalidade social do seu trabalho;
- Aprimorar-se no culto dos princípios éticos e no domínio da ciência jurídica, de modo a tornar-se merecedor da confiança do cliente e da sociedade como um todo, pelos atributos intelectuais e pela probidade pessoal; e,
- Agir, em suma, com a dignidade das pessoas de bem e a correção dos profissionais que honram e engrandecem a sua classe
Percebe-se, assim, que a observância dos preceitos éticos na advocacia é primordial para a preservação da honra, da dignidade e do prestígio da profissão.
Como visto, o Código de Ética da Advocacia regula o comportamento dos advogados no exercício de suas funções, estabelece que a advocacia deve ser exercida com zelo, probidade, dignidade, decoro, veracidade, lealdade e boa-fé. Estes valores são essenciais para que o advogado cumpra seu papel de defensor dos direitos e garantias fundamentais, agindo sempre em prol da justiça e do bem comum.
A ética nos Escritórios de Advocacia não se limita à atuação em juízo ou na relação direta com os clientes, mas se estende a todos os aspectos da prática profissional, incluindo a relação com colegas, magistrados, servidores públicos, e a sociedade em geral.
Segundo o Superior Tribunal de Justiça, "embora o artigo 133 da Constituição Federal disponha que o advogado é inviolável por seus atos e manifestações no exercício da profissão, o ordenamento jurídico e o Estatuto da Advocacia limitam essa inviolabilidade do profissional - que deve agir com ética e respeito diante dos demais atores do processo judicial".
Por esta razão, o dever ético não pode se afastar da essência dos Escritórios de Advocacia.
Deveras, o compromisso de um Escritório de Advocacia com a ética e integridade na prestação dos seus serviços jurídicos recomenda a instituição de um Comitê de Ética, composto pelos seus sócios fundadores, bem assim, a elaboração de um Código de Ética, Conduta e Compliance, com o objetivo de orientar toda a equipe em sua conduta profissional, norteando os princípios éticos e de respeito que devem reger o comportamento de todos, como forma de manter sólidos os valores organizacionais.
Dentre os valores organizacionais que devem ser observados pelos Escritórios de Advocacia, além dos preconizados pelo Código de Ética e Disciplina da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), têm-se como exemplo:
- Valorização da Equipe - que implica o cuidado com as pessoas que fazem parte do Escritório;
- Aperfeiçoamento Contínuo - pois a vida em sociedade não para e o Direito precisa se adaptar a esta realidade, exigindo aperfeiçoamento dos seus operadores;
- Respeito pelo Cliente; e,
- Compromisso Social - especialmente porque a advocacia é um instrumento para exercício da cidadania.
É recomendável, ainda, que os Escritórios de Advocacia possuam canal de comunicação para formalização de denúncias que violem os valores éticos e institucionais da organização.
O(a) advogado(a) deve atuar com independência, livre de pressões externas, e evitar qualquer comportamento que possa comprometer sua imparcialidade, sendo vedado, por exemplo, a captação indevida de clientela, a mercantilização da profissão e a concorrência desleal.
Além disso, a confidencialidade é um dos pilares éticos mais importantes na Advocacia, protegendo o sigilo profissional que garante a inviolabilidade da comunicação entre advogado(a) e cliente. O respeito a essa confidencialidade é crucial para manter a confiança do cliente e a integridade do processo judicial, sendo um dever intransponível do(a) advogado(a).
Outro aspecto essencial da ética nos Escritórios de Advocacia é a responsabilidade na gestão de recursos financeiros e bens confiados aos advogados. A administração de fundos de clientes e o manejo de processos judiciais devem ser conduzidos com total transparência, evitando qualquer conflito de interesse e assegurando que os honorários advocatícios sejam justos e proporcionais ao trabalho desempenhado.
Ademais, recomenda-se que as doações realizadas pelos Escritórios de Advocacia sejam permitidas com a finalidade de estabelecer relação institucional, seja por meio de cooperação, parceria ou apoio a entidades culturais, científicas, educacionais e públicas, inclusive com a execução de trabalhos pro bono, desde que estejam de acordo com os objetivos estratégicos e valores de cada Escritório de Advocacia.
A falta de ética nos Escritórios de Advocacia pode acarretar graves consequências, não apenas para o(a) advogado(a) individualmente, que pode ser submetido a sanções disciplinares pela OAB, como também para o escritório como um todo, que pode ver sua reputação comprometida perante clientes e a comunidade jurídica. Em um contexto mais amplo, a violação dos preceitos éticos prejudica a própria imagem da advocacia e a confiança da sociedade no sistema de justiça.
O(a) advogado(a) precisa ter consciência de que o Direito é um meio de abrandar as desigualdades para o encontro de soluções justas e que a lei é um instrumento para viabilizar a igualdade de todos.
O(a) advogado(a) vinculado a um cliente deve cuidar pela sua liberdade de atuação e independência jurídica, sendo legítima eventual recusa com o patrocínio de pretensão concernente a lei ou direito que também lhe seja aplicável, ou contrarie expressa orientação sua, manifestada anteriormente em consulta prévia.
O(a) advogado(a) deve informar o cliente, de forma clara e inequívoca, quanto a eventuais riscos da sua pretensão, e das consequências que poderão advir da demanda.
É preciso relembrar que a conclusão ou desistência da causa, por um(a) advogado(a), com ou sem a extinção do mandato, obriga-o(a) a devolver bens, valores e documentos recebidos no exercício da Advocacia, além de implicar no dever de prestação de contas, não excluindo outras prestações solicitadas, pelo cliente, a qualquer momento, sob pena de responsabilização, como vem decidindo alguns Tribunais:
APELAÇÃO CÍVEL - AÇÃO COBRANÇA C/C INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL - CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇO ADVOCATÍCIO - APROPRIAÇÃO INDEVIDA DE VALORES PERTENCENTES AO CLIENTE, RECEBIDOS PELO ADVOGADO EM RAZÃO DO PATROCÍNIO DE AÇÃO JUDICIAL - ATO ILÍCITO - RESPONSABILIDADE CIVIL CARACTERIZADA - QUEBRA DE DEVERES ÉTICO-PROFISSIONAIS - DANO MORAL CONFIGURADO - SENTENÇA REFORMADA - RECURSO PROVIDO. Se não há respaldo legal, tampouco contratual para que o advogado/mandatário retenha valor devido ao cliente/mandante em virtude do patrocínio de ação judicial, a retenção configura ato ilícito que se traduz em apropriação indébita de valores pertencentes ao cliente, e tal conduta, por perpetrar quebra dos deveres ético-profissionais, torna cabível a condenação do advogado ao pagamento de indenização por danos morais em razão da inescusável violação ao dever de confiança. (TJ-MT 10274457420178110041 MT, Relator: JOAO FERREIRA FILHO, Data de Julgamento: 23/03/2021, Primeira Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 31/03/2021).
EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MATERIAIS E MORAIS. PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS DE ADVOCACIA. VALOR DA MULTA DE 10% DO ARTIGO 475-J DO CPC/73. NÃO REPASSADO AOS CLIENTES. RETENÇÃO INDEVIDA PELOS ADVOGADOS. ASSINATURA DO CONTRATO E GRAFISMOS EM DOCUMENTOS. PERÍCIA GRAFOTÉCNICA. CONJUNTO PROBATÓRIO. PRINCÍPIOS DA BOA-FÉ. RELAÇÃO DE CONFIANÇA CLIENTE?ADVOGADO. DANO MORAL CONFIGURADO. LUCROS CESSANTES. NÃO COMPROVADOS. SUCUMBÊNCIA RECÍPROCA. SENTENÇA REFORMADA. 1- O Superior Tribunal de Justiça firmou posicionamento no sentido de que a prática de ato ilícito por parte de advogado contra sua própria clientela, aproveitando-se da relação de confiança para causar prejuízos a quem lhe contratou na expectativa de ser representado com lealdade e boa-fé, importa em séria violação do ordenamento jurídico e dos deveres ético-sociais que regem o exercício da advocacia, a extrapolar o simples descumprimento contratual e impor o dever de reparação dos danos morais causados. 2- A retenção indevida de valores pertencentes aos clientes, levantada por alvará judicial, é atitude censurável e que viola dever ético e jurídico, abusando o advogado dos poderes que lhe foram conferidos em razão do mandato, garantida a relação jurídica, entre advogado de cliente, nos termos dos artigos 667 e 668 do CC. 3- Ainda que se entenda, pela produção da perícia grafotécnica, que os autores/apelantes tinham conhecimento da multa prevista no art. 475-J do CPC/73, mediante esboços de própria grafia, trata-se de prova frágil, se analisada isoladamente, afastados dos princípios da boa-fé e confiança do advogado na relação contratual estabelecida entre as partes. 4- Os lucros cessantes devem ser cabalmente comprovados pela parte interessada, o que não é o caso dos autos. 5- Diante da parcial procedência dos pedidos iniciais, cada litigante é em parte vencedor e vencido, deve ser reconhecida a sucumbência recíproca, sendo proporcionalmente distribuídos entre eles os honorários e as despesas, nos termos do art. 86, caput, do CPC/2015, sendo vedada a compensação (art. 85, § 14, do mesmo Códex). 6- Provido o apelo ainda que parcialmente, não há falar em majoração da verba honorária, nos moldes do § 11 do art. 85 do CPC. APELO CONHECIDO E PARCIALMENTE PROVIDO. (TJ-GO - AC: 04130956720118090051 GOIÂNIA, Relator: Des(a). DESEMBARGADORA NELMA BRANCO FERREIRA PERILO, 4ª Câmara Cível, Data de Publicação: (S/R) DJ).
Ainda no dever ético com o cliente, o(a) advogado(a) não deve aceitar procuração de quem já tenha patrono(a) constituído(a), sem prévio conhecimento deste(a), salvo por motivo justo ou para adoção de medidas judiciais urgentes e inadiáveis.
Em ocorrendo conflitos de interesse entre seus constituintes, e não estando acordes os interessados, com a devida prudência e discernimento, deverá optar o(a) advogado(a) por um dos mandatos, renunciando aos demais, resguardado o sigilo profissional.
O(a) advogado(a) também deve abster-se de atuar em causa contrária à ética, à moral ou à validade de ato jurídico em que tenha colaborado, orientado ou conhecido em consulta; da mesma forma, deve declinar seu impedimento ético quando tenha sido convidado pela outra parte, se esta lhe houver revelado segredos ou obtido seu parecer.
Percebe-se, portanto, que a ética é a pedra angular da prática advocatícia. O compromisso com os padrões éticos mais elevados não só reforça o respeito e a confiança no(a) advogado(a), mas também contribui para a manutenção da justiça e da legalidade, fortalecendo o próprio tecido social e institucional do país.
Somente com uma conduta ética irrepreensível é possível assegurar a efetividade do direito de defesa e o correto funcionamento do Judiciário, pilares inalienáveis do Estado Democrático de Direito.
Ana Carolina Lessa é advogada há mais de 25 anos, com larga experiência em direito empresarial, recuperacional, agronegócio e arbitragem. Mestre em Direito. Professora de cursos de graduação e pós-graduação. Advogada em Coelho & Dalle Advogados.
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