Em um cenário globalizado e competitivo, a responsabilidade social das empresas assume um papel de destaque. No âmbito do Direito do Trabalho, o combate ao social washing e a mitigação de riscos trabalhistas exigem um olhar atento à gestão da cadeia produtiva.
Podemos definir o social washing como uma prática enganosa que envolve a divulgação de ações e políticas sociais por empresas, quando na realidade estas não correspondem à prática nas relações de trabalho. Em outras palavras, empresas se apresentam como engajadas em causas sociais, enquanto seus colaboradores enfrentam condições precárias e violações de direitos.
Um exemplo disso seria uma empresa de vestuário que publica em suas redes sociais e website campanhas sobre a utilização de materiais reciclados e algodão orgânico em seus produtos. No entanto, os terceiros que fornecem parte destes materiais são submetidos a jornadas exaustivas, condições precárias e trabalham sem registro.
Essa é uma situação típica de social washing, onde a empresa se promove como responsável socialmente, enquanto esconde a realidade precária de seus trabalhadores e terceiros, ou ainda adota um comportamento que pode ser categorizado como o da "cegueira deliberada", situação em que o sujeito, com vista a evitar sua responsabilidade ou a obter algum benefício pela prática de um ato ilícito, coloca-se, intencionalmente, em estado de ignorância.
A gestão da cadeia produtiva surge como ferramenta essencial para garantir o cumprimento das normas trabalhistas e sociais ao longo de toda a cadeia de produção, sendo um mecanismo necessários e eficaz em especial para coibir situações irregulares dentro de uma terceirização, quarteirização e contratos de facção.
Através de mecanismos de controle e monitoramento, as empresas podem assegurar condições dignas de trabalho e prevenir violações de direitos, o que é chamado de responsabilidade social empresarial.
Importante expor que a responsabilidade social empresarial não deve ser confundida com filantropia, mas sim à adoção de práticas que conciliam o sucesso econômico com o bem-estar social e ambiental. No âmbito do Direito do Trabalho, essa responsabilidade se traduz no dever de garantir condições dignas de trabalho a todos os envolvidos na cadeia produtiva, incluindo fornecedores e terceirizados.
Como exemplo positivo de tal prática, cito o case da Dengo, veiculado em recente reportagem da revista Exame (https://exame.com/negocios/os-planos-da-dengo-para-ter-o-melhor-chocolate-esg-do-mundo/). A empresa, como um diferencial competitivo e para alcançar seu objetivo estratégico de produzir o melhor chocolate ESG do mundo, adota uma gestão próxima de seus produtores locais de cacau. Quanto mais sustentável for a matéria-prima, maior será o prêmio pago aos mais de 160 produtores locais de zonas próximos a Trancoso, no sul da Bahia.
Note-se que não se trata de filantropia, mas sim de ações de responsabilidade social empresarial que estão conectadas aos objetivos estratégicos e que são essenciais inclusive para alavancar o seu lucro, sem comprometer ou precarizar os atores que estão na ponta desta operação.
Como contraponto, cabe citar um case negativo, em que uma multinacional de origem americana foi condenada em setembro de 2023 ao pagamento de indenização por dano moral coletivo em R$ 600 mil e a diversas outras obrigações, mediante Ação Civil Pública movida pelo Ministério Público do Trabalho, em trâmite pela 39ª Vara do Trabalho de Salvador/BA. Neste caso, a empresa foi condenada por prática de trabalho análogo à escravidão e uso de mão de obra infantil por seus fornecedores de cacau.
Diante desses casos, fica evidente a importância da gestão da cadeia produtiva como prática para evitar o social washing e mitigar riscos trabalhistas.
Como então podemos adotar medidas que podem apoiar a responsabilidade social empresarial? A seguir, elencamos cinco ações que podem contribuir para um melhor controle da cadeia produtiva:
1. Definição de Política de Responsabilidade Social Empresarial · Definir uma política de responsabilidade social empresarial que esteja alinhada com a missão, a visão e os valores da empresa, e que seja comunicada a todos os stakeholders.
2. Mapeamento e due diligence
· Mapear fornecedores diretos e indiretos, priorizando empresas com alto risco social e ambiental;
· Eleger e qualificar somente fornecedores que possuem certidões negativas de dívidas trabalhistas, de débitos estaduais e federais, e que não figurem em "lista suja" de trabalho escravo;
· Não contratar fornecedores que não apresentem capital social compatível com o número de empregados e com o valor envolvido da prestação de serviços;
· Realizar due diligence para avaliar práticas trabalhistas, saúde e segurança, impactos ambientais e pagamento de salários justos.
3. Monitoramento e avaliação
· Monitorar continuamente o desempenho dos fornecedores em relação aos critérios de responsabilidade trabalhista, social e ambiental;
· Realizar auditorias regulares para verificar o cumprimento das normas e padrões;
· Criar mecanismos de controle no âmbito dos departamentos de compras.
4. Contrato robusto
· Elaborar contrato claro e detalhado com os fornecedores, incluindo cláusulas sobre responsabilidade social e ambiental, combate à informalidade, trabalho infantil e análogo à escravidão;
· Assegurar mecanismos de acompanhamento e fiscalização do cumprimento das normas;
· Prever sanções e rescisão contratual para casos de descumprimento.
5. Transparência e comunicação
· Publicar Código de Conduta para fornecedores, estabelecendo princípios e valores da empresa;
· Divulgar informações sobre a cadeia produtiva e as medidas de responsabilidade social;
· Comunicar-se de forma transparente com stakeholders.
Agindo desta maneira, não há dúvidas quanto aos benefícios que as empresas obterão, inclusive de natureza de econômica, ao evitar passivos trabalhistas e ao mesmo tempo se posicionar como atuante em práticas de ESG.
No entanto, a gestão da cadeia produtiva não é uma tarefa simples, pois envolve diversos desafios e obstáculos, tais como a complexidade e a diversidade das cadeias produtivas, a dificuldade de acesso e de verificação das informações sobre as condições de trabalho, a resistência e a falta de cooperação de alguns atores da cadeia produtiva, que podem não ter interesse ou incentivo para adotar práticas responsáveis ou transparentes, e a concorrência e pressão do mercado, que podem levar as empresas a priorizar a redução de custos em detrimento da qualidade e da sustentabilidade.
Entretanto, diante da magnitude dos desafios, a inação não é uma opção.
Fato é que empresas que se preocupam com a responsabilidade social devem implementar mecanismos de controle e monitoramento em toda a cadeia de produção. E aquelas que que se recusam a assumir essa responsabilidade, correm o risco de sofrer com passivos trabalhistas severos, perda de competitividade no mercado e dano à sua reputação, em especial se configurar a prática do social washing.
Portamos, conclui-se que a gestão da cadeia produtiva é um investimento que vale a pena para todos. Ela protege os trabalhadores, beneficia as empresas e contribui para o desenvolvimento de toda a sociedade.
Guilherm Gut é sócio da área trabalhista do Claudio Zalaf Advogados Associados, especialista em Direito Trabalhista, pós-graduado em Direito e Processo do Trabalho pela ESAMC.
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