A advocacia corporativa atual e alguns de seus desafios mais imediatos | Análise
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A advocacia corporativa atual e alguns de seus desafios mais imediatos

Por Leonardo Barém Leite, sócio sênior do Almeida Advogados

28 de November de 2024 16h31

O tema da Inteligência Artificial, e de seus impactos - na sociedade e no mundo em geral - já não é tão novo e precisa ser enfrentado, mas entendo que existam muito mais pontos a considerar, a conhecer, e a "amadurecer", no que se refere à advocacia contemporânea, do que já nos demos conta. E no caso específico da Advocacia Corporativa vejo realmente muitos; e mais perguntas do que respostas.

Nessa linha, quero colaborar com o debate, e apresentar ainda mais questões para a reflexão de toda a nossa classe, para que o tema "avance" com o devido cuidado - pois é realmente muito complexo, e com muitas situações ainda "não respondidas".

As "mudanças" são tantas e tão desafiadoras, com tantos pontos a avaliar, e com tantos impactos que não se pode ser simplista, sendo necessário que nos debrucemos com atenção e seriedade sobre o contexto todo, em busca de "caminhos".

Dentre muitos outros pontos da atualidade, destaco de início alguns deles: O que vem mudando na advocacia corporativa, tanto brasileira quanto mundial, e o que tende a chegar com mais força? Como se constrói confiança e relacionamentos atualmente? O que é o preço justo? Como se cuida melhor das pessoas? Qual é a carga de trabalho mais adequada? Como se "escolhe’ parceiros e colaboradores? O que se faz internamente e o que se delega, e como essa questão se liga à tecnologia?

São tantos aspectos, e com tantas visões e impactos, que precisamos avaliar a questão de maneira um pouco mais profunda do que temos observado "na mídia", e mesmo em encontros e eventos juridico-corporativos nos últimos anos. E sem a pretensão de termos todas as respostas (agora), e de haver uma "verdade absoluta".

Proponho com este artigo diversas questões, em forma de perguntas mesmo, para com elas "provocar" os colegas, e o mercado (escritórios, empresas, instituições etc.), a refletir sobre pontos ainda pouco explorados do nosso contexto atual.

Periodicamente surgem movimentos, teorias, tendências, e por vezes há quem defenda que "tudo mudou ou mudará", ou que a profissão vai morrer, ou que agora teremos mais tempo - dentre outras análises rápidas. E sempre surja quem acredite ter respostas e soluções "para tudo", e que consiga indicar "caminhos" certeiros.

A experiência vem mostrando, ao longo das décadas, que muitas das "novidades" somente são percebidas com o tempo, e que quando delas nos

damos conta, já nem são tão novas. E em paralelo, que várias das "mágicas" defendidas por alguns não mudam tanta coisa, que "passam rapidamente" e/ou que depois se mostram muito equivocadas.

Na fase mais difícil da "pandemia de 2019", por exemplo, muita gente acreditou que a atuação presencial de forma geral (e na maioria das profissões - inclusive na nossa) tivesse sido substituída pelo remoto-digital, de maneira total e permanente, mas a realidade atual (posterior), comprovou que surgiram muitos impactos e ajustes sim, mas que o equilíbrio precisou ser encontrado. E que o mundo "não mudou por completo", como muitos defendiam.

Ainda com relação á tecnologia "vir para mudar tudo", registro que assembleias e assinaturas de documentos, bem como fechamentos de operações, reuniões, auditorias, investigações, audiências etc., por exemplo, evoluíram bastante, e muitas vezes podem ocorrer de forma digital, mas nem sempre. E a experiência, a responsabilidade e o aprendizado vem mostrando o melhor formato e modelo em cada caso, pois existe muitos e muitos exemplos de situações e de casos em que a atuação presencial é fundamental.

E, de outro lado, vemos que em geral não percebemos toda a extensão do impacto que a advocacia recebe da sociedade em geral, da tecnologia, da geopolítica, da economia, do universo corporativo, e mesmo de transformações das pessoas e das gerações. E como se pode, ou deve, lidar com esses impactos e mudanças.

Defendo que temos que estar sempre atualizados, e bem próximos de todos os movimentos e tendências que pudermos, para tentarmos conhecer um pouco mais de cada questão e tema, e para nos ajustarmos e adaptarmos; mas de forma cuidados, responsável e crítica.

Alguns deles serão oportunidades, outros serão desafios, e vários serão fatos com os quais teremos que lidar. Mas poucos serão "mágicos" ou efetivamente "disruptivos".

Nossa profissão não vai acabar, mas vem mudando muito nas últimas décadas (como a maioria das demais, e como a vida das pessoas em geral), pelos movimentos da sociedade, por questões e tensões que se ampliam e nos impactam, por restrições e desafios, pelo encurtamento das gerações etc. E temos que conhecer muito bem esses "movimentos e novidades", para que participemos ativamente dos processos de implantação das "novas práticas".

Algumas das principais premissas da advocacia "tradicional" já não se sustentam, e quem não se adaptou já está fora do mercado, mas esse ajuste é permanente e contínuo, pois novos desafios e questões surgem o tempo todo. E, assim, cabe a pergunta sobre quais pressupostos da advocacia e da relação desta com os clientes são permanentes e fundamentais, devendo ser mantidos (ou até resgatados - como a pessoalidade) e quais já não devem mesmo existir.

A automação de muitas das tarefas da advocacia gerou, dentre outras, a alocação de ações "às máquinas" (sistemas, softwares etc.) desde os anos 1990, e esse movimento vem crescendo com a chegada de mais tecnologia, e da

Inteligência Artificial - com a qual temos que aprender a conviver, e da qual temos que nos socorrer (com muito cuidado e responsabilidade).

Há algumas décadas havia muita esperança de que a computação na advocacia permitisse que fossemos mais eficientes e rápidos, e que com isso tivéssemos mais tempo, pudéssemos ganhar mais dinheiro, e ter mais qualidade de vida.

A realidade posterior mostrou o que era verdade e o que era sonho, mas que a prática e o dia da profissão mudaram (e agora somos muito mais cobrados por maior rapidez e menor remuneração) é inegável. E é igualmente real que a "terceirização" de atividades mais operacionais para os sistemas e o crescente foco na atuação mais estratégica dos profissionais mais preparados, atualizados e experientes; sendo fundamental que toda a nossa categoria profissional se atualize e "reinvente".

De outro lado, as chamadas "novas gerações" chegam ao mercado com novos estilos, gostos, necessidades, estilo de trabalho, características, visão de vida e de carreira, sonhos e receios, que demandam ajustes de todos, "exigindo" mudanças cada vez mais rápidas nas relações, nas tarefas e no trabalho. E algumas delas "talvez não fechem".

A "pressa" pela progressão na carreira e no "enriquecimento" em geral não ajudam, e não levam ao que as pessoas gostariam, mas vem mudando a realidade em empresas e em escritórios de advocacia, que precisam entender, conhecer, incluir e acolher, mas também orientar e implementar ajustes que sejam viáveis e sustentáveis. Ou seja, se não podemos ignorar as demandas e as "novidades", também não podemos apenas aceitar "tudo" sem análises profundas prévias.

Assim como os livros físicos, as reuniões, os cursos e os eventos presenciais não "acabaram", e há (felizmente) quem deles goste muito (e até prefira, em detrimento do "mundo totalmente digital"), a atuação humana experiente, bem-preparada e de alta qualidade não acabou, e nem acredito que venha a acabar, mas vem mudando muito se assim continuará a evoluir.

Como estamos nos preparando para a nova realidade da advocacia corporativa brasileira, e mundial? Temos conversado sobre o contexto todo com os profissionais juniores e os seniores, a academia, as escolas e as faculdades, os clientes e as instituições, para tentarmos incluir "todos os lados e aspectos"?

Entendo que aqueles que acreditem que o futuro está distante, e que tentem "adivinhar" o que virá "daqui a bastante tempo" tendam a ser frustrados, pois se em muitos aspectos o citado futuro já chegou e é agora, em outros ele está sendo construído (e em tantos aspectos e sujeito a tantas influências - muitas delas que nem entendemos ainda que não se poderá estimar com precisão). Sem contar que o futuro (de fato) sempre estará no futuro, e costuma ser diferente do que prevemos.

Proponho que nada seja ignorado, mas que também não aceitemos "tudo" sem avaliação detalhada e crítica, e sem reflexão sobre o impacto na realidade de cada organização e mesmo de cada equipe e pessoa.

Já não se vai física e presencialmente (ou é cada vez mais raro e até pontual) a repartições públicas e a cartórios ou fóruns, assim como (infelizmente) pouco se frequenta bibliotecas e arquivos físicos de jornais e revistas, da mesma forma em que pouco se elabora documentos, peças processuais, relatórios e memoranda sem o apoio de alguma "tecnologia" e de sistemas, e muitas tarefas são total ou parcialmente digitais. Mas será mesmo que tudo o que antes existia e fazíamos estava errado e era pior? E será mesmo que atualmente tudo é melhor?

Cada pessoa e cada organização tende a ter a sua visão (e a sua própria experiência) dessa "realidade", e sabe como lhe impacta, mas é inegável que conciliar esses temas com a formação e o treinamento de estudantes/estagiários e de jovens advogados é um desafio crescente. E que prestarmos nossos serviços às empresas também é crescentemente desafiador.

Ressalto, por exemplo, que diversas das "novidades" demandam investimentos enormes e custos maiores, que nem sempre o mercado percebe e absorve, gerando conflitos e distorções que estão bem longe de serem resolvidos.

A questão do treinamento, e da transmissão de conceitos, cultura, experiência, e pontos fundamentais para a profissão aos mais jovens, de maneira mais "atualizada", são temas presentes em quase todos os encontros da advocacia atual, assim como a relação com a tecnologia em geral, e a inteligência artificial, a distância da advocacia estratégica das empresas, o "aperto" constante pela eficiência e tantos outros, como o ‘choque de gerações", o custo da tecnologia, a saúde mental, a carga de trabalho, a expectativa de carreira, o papel e o espaço da dedicação na vida das pessoas etc. Mas pouco se consegue avançar em termos de consenso.

Também vem mudando (e igualmente com pros e contras) a relação das empresas com os departamentos jurídicos, e desses com os escritórios de advocacia, com impactos dos mais diversos, como já destacado acima - e todos demandando muita atenção e cuidado.

Se antes havia um cuidado com a construção de relações pessoais, de confiança, de conhecimento e de relacionamentos sólidos e longos, agora temos diversos exemplos de "jurídicos" que já nem escolhem seus parceiros, que são definidos de forma frequente por áreas como "compras e suprimentos", e até mesmo por sistemas e inteligência artificial - sem contar os "bids" e as "concorrências" que se busca a chamada eficiência financeira, afastam diversos outros aspectos que são fundamentais para a segurança jurídica.

Ao contrário do que se via há três ou quatro décadas (e se há quem veja como evolução, há também quem fique muito preocupado com esse movimento) poucas são as situações em que ainda se vê relações profundas, longas, estáveis e pautadas em confiança pessoal e admiração, em efetivo conhecimento das pessoas, e no acompanhamento (e na valorização) da experiência de carreira e de vida - tanto de seus profissionais internos quanto "externos".

Se esse quadro não se mantiver, alguém pode sustentar que seja uma evolução e um avanço?

Talvez a advocacia corporativa atual viva alguns dilemas sérios e profundos, sem perceber, como por exemplo o desafio de conciliar qualidade, confiança, experiência, conhecimento profundo e efetivo dos negócios e da relação desses com o direito corporativo, além de remuneração e prazos justos, com a chamada eficiência financeira, por todos sabemos que não há mágica, e que o acelerado "turn over" de profissionais internos e de escritórios de advocacia por vezes destrói memória e histórico, e gera diversos problemas. E, na mesma linha, com o "esfriamento e o distanciamento" dos relacionamentos, com vários aspectos sendo atualmente definidos por outras áreas das empresas, e com bases em outros critérios, além do uso de sistemas, tecnologia e até mesmo a Inteligência Artificial, como se manterá a necessária confiança, a pessoalidade e a justa medida da responsabilidade (por escolhas, contratações e decisões, inclusive)?

A cada dia temos que trabalhar mais, conhecer mais, utilizar mais tecnologia, e faturar menos, sendo mais rápidos, com equipes menores e mais enxutas, investindo mais em tecnologia e em sistemas, conhecer mais áreas e temas, estando sempre atualizados, mas tendo menos tempo para treinar colegas mais jovens, conhecer melhor os negócios, as realidades e as demandas das empresas, o que gera cada vez mais necessidades, desafios, frustrações e abalos à saúde - inclusive mental.

Prosseguindo, como já comentamos acima, são tantas questões que defendemos uma análise mais profunda e uma reflexão com mais cuidados, para que se encontre o "meio termo ideal", que permita ao menos que se consiga responder questões como: a) Qual é o papel, o espaço, e o valor da atuação humana na escolha dos profissionais, no treinamento , nas decisões e escolhas? b) como se passará a avaliar e também "precificar e remunerar" o tempo, a dedicação, a qualidade e a responsabilidade (de cada profissional e do escritório)? c) como já se nota empresas que gostam e fomentam o uso de tecnologia e da inteligência artificial, e igualmente empresas que ainda não confiam, não gostam e até que não permitem, haverá formas diferentes de faturamento? D) quem demanda mais tecnologia está disposto a pagar por ela?

Já se nota que muitos jovens que pretendem atuar no mercado jurídico corporativo apresentam dúvidas até mesmo sobre estudar direito ou tecnologia, numa demonstração evidente da seriedade do tema, e de sua complexidade. E não se pode negar que a "dúvida" tenha uma certa razão, pois se "tudo migrar para a tecnologia", quais serão o peso e o valor do efetivo estudo e conhecimento humanos do direito?

A depender do que a advocacia e as empresas que a contratam venham a escolher, e a definir, como "caminho", em pouco tempo teremos dúvidas até mesmo sobre o papel da advocacia na sociedade, pois a tendência é que fique cada vez mais "nebuloso" o efetivo papel de humanos nessa equação, uma vez que a terceirização de mais e mais atividades jurídicas para a tecnologia, descola

também as relações humanas e as responsabilidades - mas também a própria base da advocacia.

Mais e mais temos ouvido de "empresas" que quem seleciona e escolhe advogados (internos e externos) e escritórios de advocacia (que ainda chamam de parceiros) são áreas como compras e suprimentos, por vezes "globais", e em muitos casos algoritmos, sistemas e softwares (chegarão a pensar em usar IA?). E o que isso significa e provoca? Ausência total de pessoalidade, de valorização humana, do conhecimento e da experiência... e como ficará a responsabilidade por escolhas "erradas"?

A sua organização está de fato percebendo todas essas questões, refletindo com profundidade e buscando formas de escolher caminhos melhores para os seus desafios? Ou está apenas considerando as chamadas eficiências financeiras de curto prazo e ignorando o contexto mais amplo? Quem e como define o que deve ser analisado "para valer" por humanos (e por vezes por pessoas de fato experientes, e bem preparadas)? Sem treinamento (humano e pessoal) nas empresas e nos escritórios, com menos contato pessoal, menos resiliência e menos tempo, e delegando "quase tudo à tecnologia", como se construíra relações e se treinará os mais jovens? E mais, se apenas o novo, o "rápido", o tecnológico e o "moderno" for valorizado que espaço existirá para a experiência (especialmente de vida)? No limite, quem seguirá contratando e treinando jovens talentos (humanos) se o mercado caminhar em outra direção?

Caminhando, assim para a conclusão desta provocação, mas mantendo perguntas: Se a lógica "do momento" é a chamada eficiência financeira, como encontrar o equilíbrio entre investir em pessoas e em Ti, em treinamento ou em relacionamento, em estudo ou em habilidades emocionais, e socioambientais?

Certamente "um pouco de tudo", mas que critério usar para encontrar o equilíbrio? E quem deve definir os parâmetros? A própria inteligência artificial?

Se em nome da tecnologia e da rapidez nem mesmo estudarmos, nem lermos documentos, e nem artigos/livros, e nem ouvirmos com atenção quem sabe mais e é mais experiente e tudo delegarmos aos sistemas, como seremos de fato bem formados e sermos bem preparados, experientes, e estratégicos?

A Advocacia mudou, e continuará mudando, mas é preciso que estejamos atentos e atualizados, para que "sigamos no jogo".

Leonardo Barém Leite é sócio sênior do escritório Almeida Advogados em SP, especialista em Direito Societário e Contratos, Fusões e Aquisições, Governança Corporativa, Sustentabilidade e ESG, Compliance, Projetos e Operações Empresariais, e Direito Corporativo; também é árbitro, professor, conselheiro, e autor de diversas obras. Presidente da Comissão de Direito Societário, Governança Corporativa e ESG da OAB-SP/Pinheiros.

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