Prova digital de geolocalização em processos trabalhistas: como os Tribunais Regionais estão se posicionando sobre o tema? | Análise
Análise

Prova digital de geolocalização em processos trabalhistas: como os Tribunais Regionais estão se posicionando sobre o tema?

Por Debora Paulovich Pittoli Pegoraro

14 de October de 2022 17h48

As tecnologias digitais ocupam um papel significativo na transformação  dos diversos aspectos da sociedade, inclusive no âmbito jurídico. No  contexto trabalhista, a prova digital de geolocalização surge como uma  ferramenta poderosa para averiguar a jornada de trabalho dos empregados,  trazendo maior transparência e eficácia na fiscalização dos direitos  trabalhistas.

A jornada de trabalho é um dos principais pontos  de discussão no campo probatório da reclamação trabalhista, cujo impasse  sempre ficou à mercê principalmente da prova testemunhal. Por sua vez, a  valoração da prova testemunhal é algo extremamente complicado,  considerando as possibilidades da testemunha mentir, omitir ou modificar  fatos, por qualquer intenção que seja.

A correta apuração das horas trabalhadas, muitas vezes, é um desafio para nossos magistrados. Ao mesmo tempo, é um fator essencial para garantir o respeito aos limites legais e assegurar decisões justas,  que protejam tanto os direitos dos trabalhadores, quanto dos  empregadores, que em inúmeros processos são condenados com fundamento em  provas frágeis e depoimentos irreais.

Nesse sentido, a  utilização da geolocalização é um importante instrumento para os dois  lados dessa relação. Para os trabalhadores, que poderão comprovar a real  jornada de trabalho e receber pelas horas extras realizadas; e para os  empregadores, que evitarão reclamações trabalhistas infundadas, e  condenações sem embasamento robusto.

Maria Cristina Peduzzi, ex-presidente do Tribunal Superior do Trabalho (TST),  defende o uso de prova digitais, por serem mais eficazes do que a prova  testemunhal, afirmando que "O CSJT e a Escola Nacional de Formação e  Aperfeiçoamento de Magistrados do Trabalho (Enamat) vêm promovendo a  capacitação de juízes e de servidores no sentido da utilização das  provas digitais. Mecanismos de geolocalização podem trazer informações precisas e mesmo irrefutáveis, se comparadas com as provas testemunhais. Os registros tecnológicos verificados em aparelhos de celular  permitiram esclarecer se um empregado que reclama o pagamento de horas  extras estava realmente no trabalho após o expediente".

Nesse  contexto, a prova digital assume papel central, sendo imprescindível  para a prova da jornada de trabalho a existência de elementos concretos  que possibilitem justa decisão dos processos trabalhistas. Vale  ressaltar que a Lei Geral de Proteção de Dados possibilita o  tratamento de dados pessoais na hipótese de exercício de direitos em  processo judicial (art. 7º, VI; e 11, II, "a").

Mas o  cerne da questão é: a prova digital de geolocalização é meio legítimo,  ou significa afronta ao sigilo telemático e à privacidade? Como os  Tribunais Regionais do Trabalho têm se posicionado acerca do tema, até  que o TST consolide o entendimento? O tema é enfrentado com certa  resistência pelos Tribunais Regionais de modo geral, mas decisões  esparsas em sentido contrário estão surgindo e ganhando força.

Em  recente decisão do TRT do Rio de Janeiro, a  desembargadora relatora Claudia Maria Samy Pereira da Silva explicou que  é conferido ao juiz ampla liberdade de direção do processo, para  determinar a produção de provas que entender necessárias, e indeferir  aquelas que julgar inúteis. Em contrapartida, fez uma observação sobre  essa liberdade: "não cabendo o indeferimento da prova para,  posteriormente, o juízo julgar o feito de forma desfavorável à parte que  pretendia produzi-la".

O TRT de Santa Catarina admitiu o uso da  geolocalização do celular de uma funcionária de banco, que alegou  cumprir horas extras com frequência. No caso, a maioria dos  desembargadores da Seção Especializada 2 seguiu o entendimento de que o  pedido não violava a intimidade da trabalhadora, sobrepondo-se ao  posicionamento de três dos dez desembargadores no sentido de que a  pesquisa só poderia ser autorizada pela Justiça, se não houver outros  meios de prova, como documentos e testemunhas.

Segundo Gracio  Petrone, desembargador da 12ª Região, a medida não ofende a garantia  constitucional de inviolabilidade das comunicações ou a LGPD, desde que  os dados coletados estejam em sigilo, reservada sua análise às partes  envolvidas.

O que se nota é que a prova digital de  geolocalização representa uma importante evolução no direito  trabalhista, permitindo maior precisão e transparência na apuração da  correta jornada de trabalho dos empregados. O uso da tecnologia no Poder Judiciário servirá inclusive para reduzir a insegurança jurídica, até então gerada por outros meios de prova extremamente falíveis, como a prova testemunhal do processo do trabalho.

Ao  mesmo tempo, a privacidade e a proteção de dados são direitos  fundamentais dos indivíduos e devem ser respeitados no contexto da  utilização dos dados de celular como prova, sendo necessário encontrar  um equilíbrio entre a necessidade de obtenção de provas relevantes e a proteção da privacidade dos envolvidos.  É importante adotar cautelas e limitações adequadas, para garantir que a  utilização dessas informações seja justa e equilibrada.

Este  novo meio probatório fornece dados mais consistentes e confiáveis para a  retratação dos fatos, e deferir sua produção promove a busca mais  efetiva da verdade real, além da segurança da prestação jurisdicional,  para que a Justiça do Trabalho cumpra o princípio da primazia da  realidade. O tema segue em debate nos Tribunais Regionais do Trabalho  envolvendo muita controvérsia, enquanto não há um posicionamento do  Tribunal Superior do Trabalho.