O tema da responsabilidade tributária empresarial tem ganhado relevância no âmbito da relação fisco-contribuinte, especialmente se considerarmos que novas formas de constituição e parcerias de empresas têm surgido, bem como novos modelos de negócios que tem se consolidado por força dos recentes avanços tecnológicos. Dentre eles, destacam-se os conglomerados empresariais, comumente denominados grupos econômicos.
As consideráveis mudanças no plano fático, no que diz respeito a organização e atuação das empresas no mercado, especialmente com relação aos grupos econômicos, tem incentivado o Fisco brasileiro a utilizar de estratégias jurídicas que afrontam diretamente os princípios constitucionais tributários e as disposições contidas no código tributário nacional, referentes à responsabilidade tributária do contribuinte, para lograr atingir o patrimônio de pessoas jurídicas que não participam diretamente da relação jurídico-tributária, mas que acabam sendo enquadradas como responsáveis tributárias pela autoridade fiscal, especialmente por meio de redirecionamento de execuções fiscais e de incidente de desconsideração da personalidade jurídica.
Antes de adentrar propriamente na questão do interesse comum, é preciso ressaltar que a mera existência de um grupo econômico, seja ele de fato ou de direito, não autoriza a aplicação indiscriminada das normas de solidariedade passiva (artigo 124, do CTN) ou de responsabilização tributária (artigo 128 até 135, do CTN), ainda que haja a união de esforços para o atingimento de seus fins empresariais. Daí a necessidade de se analisar com cautela em quais situações a lei permite o seu enquadramento e quais os requisitos para tanto.
1.1 A NECESSIDADE DA COMPROVAÇÃO DO INTERESSE COMUM
O fisco tem apresentado nova hermenêutica com o objetivo de incluir no polo passivo da obrigação tributária pessoa jurídica diversa daquela que consta como contribuinte. Trata-se da tentativa de reconhecimento da solidariedade prevista no artigo 124, inciso I, do Código Tributário Nacional:
São solidariamente obrigadas:
I - as pessoas que tenham interesse comum na situação que constitua o fato gerador da obrigação principal;
II - as pessoas expressamente designadas por lei.
As autoridades fiscais insistem na configuração do interesse comum pelo simples fato da existência do conglomerado econômico. Faz-se necessário, portanto, compreender bem o sentido e o alcance da expressão legal "interesse comum" na dinâmica dos grupos econômicos para então se averiguar a possibilidade, ou não, de se atribuir a determinadas empresas a solidariedade pelas obrigações tributárias de terceiros.
Pode-se afirmar, de antemão, que não se está a falar de qualquer interesse comum. É claro que, em se tratando de empresas pertencentes a grupos econômicos, coexistem diversos propósitos compartilhados para a consecução de seus objetivos sociais, sejam eles econômicos, jurídicos, políticos e sociais.
A par da existência dos mais variados interesses comuns que possam existir entre sociedades empresariais, é preciso destacar que, para fins tributários, o único interesse comum que importa é aquele que diz respeito ao fato gerador da obrigação tributária, isto é, o proveito ou benefício que se obtém pela prática conjunta da ação descrita no aspecto material da hipótese de incidência. Portanto, o referido interesse comum, que define a solidariedade tributária, tem natureza apenas jurídica.
Analisando essa questão, Fabiana Del Padre Tomé[1] esclarece o que é o interesse econômico das empresas:
Tem-se grupo econômico de empresas quando as sociedades, mediante acordo firmado entre elas, se comprometam a envidar esforços para a concretização de seus objetivos sociais (art. 265 da Lei 6.404/1976). Há, nesse caso, interesse comum quanto aos aspectos econômicos: são empresas distintas, com personalidades jurídicas autônomas, mas que são economicamente afetadas umas pelas ações das outras. Assim é que o resultado econômico de uma, benéfico ou prejudicial, conforme haja lucro ou prejuízo, pode trazer implicações financeiras para as demais (controlada/controladora).
Apesar de ser o mais evidente dos interesses que compõem as relações empresariais, não é ele que justifica o reconhecimento da solidariedade tributária, e sim, o interesse jurídico. Maria Rita Ferragut ressalta que o interesse econômico advindo da prática conjunta do fato gerador não se confunde com o interesse jurídico, este sim, apto a ensejar a solidariedade passiva entre empresas de grupos econômicos:
Deve haver interesse jurídico comum, que surge a partir da existência de direitos e deveres idênticos, entre pessoas situadas no mesmo polo da relação jurídica de direito privado, tomada pelo legislador como suporte factual da incidência do tributo. Em outras palavras, há interesse jurídico quando as pessoas realizam conjuntamente o fato gerador.
O interesse comum não pode ser confundido com o interesse econômico, pois somente o primeiro diz respeito às consequências advindas da realização do fato gerador. Somente o interesse jurídico interessa, e ele ocorre tão somente quando as pessoas realizam conjuntamente o fato gerador. [2]
E continua a mesma autora[3], ao definir a configuração do interesse comum como sendo "a ausência de interesses jurídicos opostos na situação que constitua o fato jurídico tributário, somada ao proveito conjunto dessa situação."
Portanto, é pacífico na doutrina que não haverá solidariedade tributária quando apenas sobressaia o interesse econômico da relação que deu origem ao tributo. Para que isso ocorra, é indispensável que se apresente aspecto jurídico relevante que possa sustentar o vínculo solidário que obrigue a todos os que praticaram atos conjuntos na operação que originou o crédito tributário.
Em suma, quando houver mais de um devedor que possa praticar o fato gerador, qualquer um deles poderá ser obrigado ao pagamento do tributo, ainda que não tenha efetivamente praticado a totalidade do ato que enseja a solidariedade, pois todos figuram como contribuintes na relação jurídico tributária.
Com relação à jurisprudência, o tema tem-se pacificado em favor dos contribuintes, uma vez que os tribunais têm entendido que o interesse comum, previsto no artigo 124, inciso I, do CTN, deve ser provado no caso concreto, não bastando a mera alegação de que as empresas pertencem ao mesmo grupo econômico, para justificar a aplicação da solidariedade tributária[4].
Dessa forma, considerando que a matéria aqui abordada tem natureza tributária, a solidariedade prevista no artigo 124, do Código Tributário Nacional, exige que o fato gerador da obrigação tributária tenha sido praticando em conjunto pelos contribuintes que se pretenda responsabilizar, conforme vem decidindo a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça.
1.2 SOLIDARIEDADE DECORRENTE DE PREVISÃO LEGAL
Outro ponto que tem merecido atenção é a possibilidade de se atribuir a responsabilidade pelo pagamento do tributo por meio de solidariedade prevista em lei. Aqui, a previsão do artigo 124, inciso II, do Código Tributário Nacional, autoriza a lei ordinária a prever outras hipóteses de solidariedade passiva que não estejam discriminadas no CTN. No entanto, essa faculdade não é irrestrita, como já foi demonstrado no capítulo 1.
O artigo 128, do Código Tributário Nacional, é claro ao estabelecer quais as condições exigidas para se imputar a responsabilidade tributária a terceiro que não pratique o fato gerador: a necessária vinculação do agente com o fato gerador do tributo. Dessa forma, não é qualquer terceiro que pode ser eleito pelo fisco para responder pelos débitos de outrem, mas somente aquele cuja vinculação com a materialidade da conduta descrita esteja claramente constatada diante das circunstâncias fáticas que envolvem cada operação que enseja a incidência de tributos.
Além disso, o legislador ordinário não pode contrariar os demais dispositivos contidos no Código Tributário Nacional, referentes à responsabilidade por sucessão, pessoal e por infrações, buscando alargar as hipóteses nele previstas, com o fim de atingir determinado grupo de pessoas ou sociedades de fato, sob pena de caracterizar verdadeira burla ao conteúdo do CTN e violação dos direitos e garantias dos contribuintes, justamente porque a Constituição Federal exige que as normas gerais de direito tributário sejam estabelecidas por lei complementar, que não podem ser condicionadas por preceitos contidos em lei ordinária.
A responsabilização, em matéria tributária, exige a ocorrência do interesse comum na formação do fato gerador, requisito dispensável nas esferas trabalhista e previdenciária, circunstância que revela a impossibilidade de confundir os conceitos e exigências pertinentes àquelas áreas do direito com os ditames das normas tributárias, que têm critérios diferentes para identificar a responsabilidade do sujeito passivo.
Muito embora haja nas legislações trabalhista e previdenciária previsões de responsabilização de empresas em relação a outras do mesmo grupo econômico, no âmbito estritamente tributário, as únicas previsões legais autorizativas da responsabilização de terceiros estão prescritas nos artigos 129, 130, 131, 132, 133, 134 e 135, do Código Tributário Nacional, que não permitem qualquer responsabilização de outra pessoa jurídica diversa daquela que praticou o fato gerador, sob pena de violação do princípio da legalidade tributária, prevista no artigo 150, I, da Constituição Federal, bem como do artigo 128, do Código Tributário Nacional.
Esta regra, interpretada sistematicamente em conjunto com a do artigo 124, do CTN, impossibilita qualquer direcionamento ou extensão da responsabilidade tributária para alcançar quem não participou da concretização do fato gerador do tributo cobrado, como bem assevera Maria Rita Ferragut[5]sobre esse ponto:
(...) a solidariedade tributária não se presume, deriva sempre de lei, e se não há lei complementar (art.146, III, da Constituição) vigente dispondo que a simples circunstância de empresas estarem reunidas por vínculos de participação social implica solidariedade entre elas, a conclusão é imediata: o Fisco não está autorizado a exigir o pagamento da dívida de empresas associadas que não contribuíram para a realização do fato jurídico tributário.
No entanto, as autoridades fiscais têm trazido ao judiciário o argumento de que a lei requerida pelo artigo 128, do CTN, refere-se a qualquer legislação esparsa, como a Lei nº 8.212/1990, a Consolidação das Leis do Trabalho e o Código Civil, para justificar a solidariedade indevida de contribuinte que não participou da formação do fato gerador.
Está claro que há equívoco grave ao pretender aplicar lei previdenciária, de índole ordinária, para disciplinar matéria de natureza tributária já que, por determinação constitucional, esta só pode ser instituída ou modificada por meio de lei complementar, especialmente quando se esteja diante de norma veiculada pelo Código Tributário Nacional. Hugo Funaro[6], ao analisar esse tema, esclarece:
"...responsabilidade solidária não é uma modalidade autônoma de sujeição passiva indireta, mas um vínculo criado entre dois ou mais sujeitos passivos assim qualificados com amparo nos dispositivos do Código que cuidam da matéria. Admitir possa o legislador tributário atribuir responsabilidade solidária a pessoas diversas daqueles que o Código permite sejam responsabilizadas, ou em hipóteses distintas daquelas em que se admite a responsabilização de certas pessoas, implicaria tornar inócuas e sem sentido as normas gerais que cuidam exaustivamente do tema, configurando ‘delegação em branco’ para a lei ordinária de matéria reserva à lei complementar, em violação ao art. 146, III, da Constituição Federal."
Nesse particular, é preciso ressaltar que ao delegar à legislação ordinária a possibilidade de atribuir a solidariedade tributária a terceira pessoa, é mister que essa atribuição se faça nos limites definidos pelo artigo 128, do Código Tributário Nacional, que delimitou a extensão e alcance dos vínculos de responsabilidade entre os contribuintes, conforme esclarece Frederico Menezes Breyner:
Para que outra pessoa seja eleita como sujeito passivo da obrigação, a quem o CTN chama de responsável (art. 121, parágrafo único, II), deve haver respeito a esta imposição constitucional do encargo tributário decorrente das próprias regras de competência, bem como à legalidade expressa (CF; art. 150, I e CTN; art. 97, III).
(...)
São esses os limites impostos ao legislador para que desloque validamente o dever de pagar o tributo do contribuinte para o responsável tributário, e que se encontram especificados no art. 128 do CTN". [7]
De modo semelhante ao artigo 124, inciso II, do CTN, a incorreta aplicação do artigo 135, do mesmo código, para justificar a inclusão, redirecionamento ou extensão da responsabilidade tributária para quem não tenha praticado o fato gerador da obrigação, tem causado sérias preocupações aos juristas porque não é qualquer ilícito que enseja a responsabilidade tributária, mas somente aqueles que tenham vinculação direta com o fato gerador da respectiva obrigação tributária, como bem esclarece Francisco Prehn Zavascki[8]:
Assim, se a obrigação tributária surge como fato gerador e se o crédito tributário decorre da obrigação tributária, parece claro que a responsabilidade tributária prevista no art. 135 do CTN abrange apenas os créditos tributários cujas respectivas obrigações tenham resultado de atos "praticados com excesso de poderes, infração de lei, contrato social ou estatutos". Ou seja, para fins de responsabilização com fundamento no art. 135 do CTN, a ato ilícito deve necessariamente constituir ou ao mesmo estar diretamente relacionado ao fato gerador da obrigação tributária. Por consequência, o ato ilícito deve ser anterior ou concomitante ao fato gerador da obrigação imputável ao responsável. Isto porque a obrigação tributária deve se resultante do ato ilícito.
Quanto à jurisprudência[9], a questão é pacífica no sentido de impedir a aplicação de regras veiculadas por lei ordinária com o intuito de alargar os preceitos contidos no Código Tributário Nacional, em matéria de responsabilização de contribuintes, lançando mão de normas trabalhistas e previdenciárias, estabelecidas por simples leis ordinárias, que não atendem aos pressupostos de validade constitucionalmente exigidos para as normas tributárias (lei complementar).
Dessa forma, não resta dúvida de que o ente tributante não pode se utilizar da figura do grupo econômico, definido pelo direito privado, como meio de aplicar as normas referentes à solidariedade e responsabilidade para fins tributários, com a justificativa da existência presumível de interesse comum na situação que constitua o fato gerador da obrigação tributária, sem a previsão expressa, em lei, sobre o que se considera grupo econômico para a aplicação da responsabilidade tributária, por força do que dispõe o artigo 128, do Código Tributário Nacional.
[1] TOMÉ, Fabiana Del Padre. Considerações sobre responsabilidade tributária de empresas pertencentes a grupo econômico.Revista de direito tributário contemporâneo. Vol. 3, novembro-dezembro de 2016, São Paulo: Revista dos Tribunais, p.26.
[2] FERRAGUT, Maria Rita. Grupos econômicos e solidariedade tributária. Revista Dialética de Direito Tributário. São Paulo: Dialética, n. 229, out. 2014, p.93.
[3] FERRAGUT, Maria Rita. Op.cit..93.
[4] BRASIL.Superior Tribunal de Justiça, Segunda Turma, Recurso Especial no 1.102.894/RS Relator Ministro Castro Meira, julgado em 21/10/2010, publicado no DJe de 5/11/2010.
[5] FERRAGUT, Maria Rita. Grupos econômicos e solidariedade tributária.Revista Dialética de Direito Tributário. São Paulo: Dialética, n. 229, out. 2014, p.95.
[6] FUNARO, Hugo. As hipóteses de responsabilidade pelo crédito tributário previstas no código tributário nacional. In Sujeição passiva indireta no direito tributário brasileiro. Série Doutrina Tributária vol. X. São Paulo: Quartier Latin, 2013, pág. 71-73.
[7] Breyner, Frederico Menezes. A responsabilidade tributária das sociedades integrantes de grupo econômico. Disponível em https://sachacalmon.com.br/publicacoes/artigos/responsabilidade-tributaria-das-sociedades-integrantes-de-grupo-economico - acessado em 26/11/2019.
[8] Zavascki, Francisco Prehn. A Responsabilidade Tributária Prevista no Art. 135 do CTN e o Processo de execução Fiscal. Revista Dialética de Direito Tributário, volume 193, São Paulo: Dialética, 2011, p. 53.
[9] Recurso Especial nº 717.717/SP, Recurso Extraordinário nº 562.276/PR
*Theresa Cristina de Oliveira Alves é advogada tributarista, sócia no Oliveira Alves Advogados, pós graduada em direito tributário pelo Insper.