A VACINAÇÃO DAS CRIANÇAS CONTRA A COVID-19 É OBRIGATÓRIA? | Análise
Análise

A VACINAÇÃO DAS CRIANÇAS CONTRA A COVID-19 É OBRIGATÓRIA?

Por GREYCE CAROLINE SUENDRECKI DOS SANTOS JACOMASSI

15 de June de 2022 17h22

Ao tempo em que o país completou um ano do início da vacinação contra a COVID 19, iniciou se a vacinação das crianças de faixa etária entre 5 a 11 anos. Da mesma forma como os demais temas que envolvem a pandemia, a questão referente à vacinação das crianças está cercada de polêmicas e de questões jurídicas a serem, ao menos, debatidas e, quiçá, resolvidas.

A obrigatoriedade dos pais vacinarem os seus filhos tornou se uma questão que levantou inúmeras dúvidas em todos, sendo que a discussão acerca do papel dos pais na imunização das crianças passa, necessariamente, pelos direitos fundamentais previstos em nossa Constituição, pelo Estatuto da Criança e do Adolescente e, principalmente, pelo princípio do melhor interesse da criança.

O artigo 14 do Estatuto da Criança e do Adolescente prevê que o SUS promoverá programas de assistência médica e odontológica para prevenir enfermidades que afetem as crianças, bem como promoverá campanhas de educação sanitária para pais, educadores e alunos.. Partindo destas disposições, o parágrafo 1º do mencionado artigo determina que é obrigatória a vacinação das crianças nos casos recomendados pelas autoridades sanitárias.. Em tese, o descumprimento desta determinação legal caracterizar se ia como o descumprimento dos deveres inerentes ao poder familiar, o que poderia levar a aplicação da multa prevista no artigo 249 do mencionado Estatuto.

O Supremo Tribunal Federal, no acórdão do Recurso Extraordinário com Agravo nº 1.267.879, de lavra do Ministro Barroso, de 17 de dezembro de 2020 fixou, por unanimidade, a seguinte tese: É constitucional a obrigatoriedade de imunização por meio de vacina que, registrada em órgão de vigilância sanitária, (i) tenha sido incluída no Programa Nacional de Imunizações, ou (ii) tenha sua aplicação obrigatória determinada em lei ou (iii) seja objeto de determinação da União, Estado, Distrito Federal ou Município, com base em consenso médico científico. Em tais casos, não se caracteriza violação à liberdade de consciência e de convicção filosófica dos pais ou responsáveis, nem tampouco ao poder familiar.

Veja se que essa decisão da Suprema Corte é anterior à discussão, atualmente vigente, quanto à obrigatoriedade dos pais vacinarem os filhos contra a COVID 19. Entretanto, a tese acima fixada, no regime de repercussão geral, certamente será utilizada para nortear os debates com relação ao tema, na medida em que o posicionamento quanto à constitucionalidade do caráter compulsório das vacinas que tenha registro em órgão de vigilância sanitária e em relação à qual exista consenso médico científico. está consolidado.

Especificamente sobre a vacina da COVID 19, o Ministério da Saúde incluiu as crianças no Plano Nacional de Operacionalização da Vacinação contra a Covid 19 (PNO) e apontou que as vacinas estariam disponíveis para os pais que queiram vacinar os seus filhos. É nessa disposição de vontade dos pais que existe o atual debate, o qual também possui um aspecto jurídico, acerca do tema. Frise se, quanto ao aspecto jurídico, que há efetivo ineditismo nesta discussão, sendo certo que apenas com o aprofundamento do tema e das decisões acerca dele, encontraremos a sedimentação de uma linha a ser defendida por todos.

Por ora, com base na doutrina da proteção integral, no Estatuto da Criança e do Adolescente e na tese fixada Recurso Extraordinário com Agravo nº 1.267.879, é plenamente possível defender que os pais que não vacinarem os seus filhos poderão sofrer sanções previstas em lei que é, em regra, a aplicação de multa pelo descumprimento dos deveres do poder familiar. No tocante a eventual perda da guarda, entendo que esta situação está relegada a casos mais raros e com aspectos a serem analisados para além da simples não vacinação das crianças.

É possível, ainda, imaginar que a responsabilização dos pais poderá ser mais ampla caso a criança, que não recebeu a imunização, contraia a doença e evolua para casos mais graves. Neste cenário, há quem defenda que poderá haver a responsabilização criminal dos pais, que não vacinarem os seus filhos, nos casos em que as crianças contraiam formas graves da COVID 19 e, até mesmo, evoluam para óbito por complicações decorrentes da mencionada enfermidade. Quem defende essa linha, aponta que os pais poderiam ser responsabilizados por lesão corporal; lesão corporal seguida de morte e, até mesmo, homicídio culposo.

Todavia, não se pode olvidar que há matéria de defesa para aqueles que optarem por não vacinar os seus filhos, a começar pela não inclusão, por ora, da mencionada vacina no Plano Nacional de Imunização (PNI). Ademais, o próprio Ministério da Saúde destacou que a vacinação não era obrigatória e dependeria do consentimento dos pais.

É certo, ainda, que o momento em que vivemos é bastante peculiar, sendo que o processo de aprovação das mencionadas vacinas pelas autoridades sanitárias mundiais foi, realmente, mais rápido do que em relação a outras vacinas.

Nesse cenário, bastante conturbado, o Ministro Ricardo Lewandowski proferiu decisão na ADPF 754, promovida pela Rede Sustentabilidade, determinando que o Ministério Público adote as medidas necessárias quanto a vacinação de menores contra a COVID 19. Ora, inobstante o caráter político de todo esse debate, diante da posição da Presidência da República acerca do tema, é inegável que o Ministro apenas lembrou ao Ministério Público acerca de suas competências previstas em lei. Assim, independentemente desta decisão, os membros do Ministério Público e até mesmo do Conselho Tutelar, já poderiam adotar medidas quanto a vacinação contra a COVID 19 em crianças.

Vale ressaltar, ainda, que, sob o prisma da hierarquia das normas dentro do nosso ordenamento jurídico, indubitavelmente, a previsão do artigo 14 do Estatuto da Criança e do Adolescente é hierarquicamente superior a qualquer decreto, portaria ou orientação do Ministério da Saúde.

Como não há unanimidade acerca do assunto, é certo que a comunidade jurídica, irá debater a questão no bojo de diversas ações judiciais que devem surgir pelo país e, eventualmente, o tema, devidamente debatido e amadurecido, retornará ao Supremo para definição pela maior Corte do país. Até lá, a vacinação terá avançado e certamente teremos mais dados e estudos, tanto quanto ao vírus da COVID 19, a nova variante Ômicron e, até mesmo, acerca do próprio imunizante.

Na própria decisão proferida pelo Ministro Barroso, foi ponderado que, inobstante a liberdade de consciência tenha proteção constitucional, nenhum direito é absoluto e seus limites estão nos demais direitos e valores constitucionais. Sob essa premissa, naquele caso, o Ministro considerou que a liberdade de consciência precisava ser considerada em conjunto com o direito à vida e à saúde de todos, bem como com a doutrina da proteção integral, prevalecendo o melhor interesse da criança e seus direito à vida e à saúde. É partindo dessa análise de ponderações de direitos fundamentais que precisa ser analisada a questão da vacinação e, até mesmo, a obrigatoriedade dela para o retorno presencial das aulas ou, se eventualmente, será feita, ao menos, uma verificação pelas escolas daquelas crianças e adolescentes que foram ou não imunizados. Aqui, o debate será extremamente intenso, na medida em que há confronto entre o direito de liberdade de consciência, o direito à vida, o direito à saúde, o direito à educação e, tudo isso, analisando se sob a premissa tanto do direito individual quanto do direito coletivo.

É preciso avançar e amadurecer a discussão, tanto quanto sociedade acerca da pandemia e da vacinação, mas também como juristas acerca das normas que regem essa questão.

Assim, por ora, não é possível, dar uma palavra final acerca da obrigatoriedade da vacinação diante do ineditismo do debate do tema e das teses que podem ser defendidas tanto para defender a obrigatoriedade da vacinação quanto a liberdade de decisão pelos pais. Por outro lado, há que se considerar que, indubitavelmente, o surgimento de novas variantes e as mais diversas ondas do vírus fazem com que a sociedade viva a novela interminável dos movimentos de aberturas e fechamentos do comércio, de atividades e eventos coletivos, da possibilidade de maior ou menor convívio social de forma presencial, seja essa convívio a título profissional ou por lazer. É nesse contexto que a vacinação ampla e irrestrita ganha uma indiscutível relevância.

Particularmente, entendemos que a vacinação contra a COVID 19, tanto de adultos quanto de crianças, é um pacto coletivo que todos devemos aderir a fim de assegurar o efetivo combate à pandemia. Nesse passo, em que pese apontarmos que, em termos jurídicos, há defesa para os pais que optarem por não vacinarem os seus filhos, precisamos pontuar que, no nosso entendimento, a vacinação de toda a população é o caminho para superarmos esse momento difícil que vivemos. Vacina sim!

Greyce Caroline Suendrecki dos Santos Jacomassi, associada ao Pereira Gionédis Advogados, Especialista em Direito Aplicado pela Escola da Magistratura do Estado do Paraná, Especialista em Desenvolvimento Gerencial pelo Centro Universitário FAE Business School, Membro do IBDFAM   Instituto Brasileiro de Direito de Família, Membro da Comissão da Advocacia Colaborativa da OAB PR, gestão 2019/2021, Autora dos capítulos A Família Contemporânea   O Poder Familiar   Alienação Parental   Responsabilidade Civil e as Ações de Família in O Direito da Família Contemporânea, sob a coordenação de Louise Rainer Pereira Gionédis e Maria Amélia Cassiana Mastrorosa Vianna (Editora Instituto Memória   2019) Louise Rainer Pereira Gionédis, sócia fundadora do Pereira Gionédis Advogados, é advogada certificada na nova Lei Geral de Proteção de Dados, especialista em Direito Societário, mestre em Direito Econômico e Empresarial e em Cooperação Internacional.