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As Quebras Contratuais na Safra de Soja 2021 - Os Contratos de Venda Antecipada como uma Forma de Hedge

Por Olavo Barcellos Guarnieri

13 de October de 2021 13h40

As Quebras Contratuais na Safra de Soja 2021 - Os Contratos de Venda Antecipada como uma Forma de Hedge*

A safra 2021 da soja brasileira começou com notícias de que os produtores estão descumprindo os contratos de venda que tiveram os preços negociados no ano passado. Sabemos que o motivo para estas quebras contratuais é econômico. Neste ano, houve um grande aumento nos preços da soja se comparados com a média de preços de 2020, quando tais contratos foram firmados. Tal situação tornou-se um forte atrativo para certos vendedores não cumprirem com os compromissos assumidos em 2020, buscando alcançar lucros maiores com a venda da soja com os preços de 2021.

Algo que tem impressionado os profissionais do agronegócio que estão na ponta compradora é que tais iniciativas de quebra contratual refletem o pouco apreço que tais produtores têm para o mecanismo de precificação antecipada.

A possibilidade de definir o valor de venda de um produto que ainda não foi sequer plantado é uma forma de proteção contra o risco de redução do preço no momento da colheita. Ao viabilizar esta proteção, a prévia negociação de preços configura uma das formas de hedge, como chamamos no agronegócio.

Todo aquele que se dedica à atividade agrícola estará sujeito a pelo menos dois riscos fundamentais: aos riscos climáticos que afetam a produção (geadas, secas, excessos de chuva ou chuva no momento errado etc.), e aos riscos econômicos, relacionados a desequilíbrios entre oferta e demanda e que afetam, de modo especial, o preço que poderá ser obtido quando da venda. Uma vez que entre a fase do plantio e da colheita se passa um tempo razoável e, sendo assim, dado que o produtor estará sujeito ao risco de queda do preço da soja no momento da colheita (preço este que pode não cobrir os custos incorridos para o plantio), este produtor tem a possibilidade de proteger sua margem de lucro mediante a negociação do preço em momento anterior ao do início da safra. Essa proteção contra a queda do valor de venda no momento da entrega é uma forma simples e eficaz de hedge.

Este racional é bem conhecido de todos que operam no agronegócio. E, para o Poder Judiciário, o que está acontecendo neste ano também não é uma situação nova, dado que este movimento já foi observado em outros anos.

No Superior Tribunal de Justiça (STJ) as decisões são no sentido de que tais contratos não podem ser revisados, a não ser excepcionalmente (conforme consta expressamente na lei). Assim, nos precedentes do STJ, os motivos alegados pelos produtores para revisão ou resolução contratual, oscilações de preços em razão da variação cambial ou a ocorrência de pragas e doenças têm sido rechaçados.

De forma complementar, a Lei da Liberdade Econômica (Lei 13.784/2019) atualizou os princípios de interpretação contratual, deixando mais evidente a impossibilidade de tais manobras. Entre tais princípios, destacam-se o princípio da boa-fé (artigo 113, § 1º, inciso III do Código Civil), ou seja, do inafastável dever de lealdade que comprador e vendedor devem ter entre si na relação contratual e, ainda, o princípio que determina a necessidade de se interpretar o contrato em conformidade "com a racionalidade econômica das partes" (artigo 113, § 1º, inciso V do Código Civil). É significativa a existência deste trecho que trata da "racionalidade econômica das partes". Ele cai como uma luva para os contratos de venda antecipada de soja com preço pré-estabelecido, pois é precisamente através do exercício da razão que o produtor busca fixar o preço do produto que vai ser vendido no futuro, se protegendo contra as oscilações de preço e garantindo sua margem de lucro por meio de um hedge.

No entanto, mesmo com todo este cenário na jurisprudência e nas leis federais, as discussões desta natureza se repetem, mais uma vez, e muitos se perguntam: além das tradicionais e custosas batalhas judiciais haveria algo de novo e efetivo que poderia ser feito pelos compradores para afastar de vez esse "fantasma da quebra contratual", que aparece de tempos em tempos bastando uma oscilação um pouco maior no preço da soja? A princípio, são duas as respostas para lidar com este problema.

A primeira resposta é aquela que já vem sendo capitaneada pelas trading companies (em especial pelas empresas membros da Abiove - Associação Brasileira das Indústrias de Óleos Vegetais), qual seja, a sensibilização do mercado e do mundo jurídico quanto aos impactos econômicos de ações judiciais que tenham como objetivo o desrespeito aos contratos futuros de soja. Através do enfoque da "Análise Econômica do Direito" (AED) almejam que os profissionais das áreas jurídicas (em especial os juízes) tenham como norte para suas decisões as finalidades econômicas das normas e do respeito aos contratos assinados.

Sem renunciar à sensibilização do mercado, outra estratégia para lidar com o problema é a criação de regras de conduta contratuais para que os vendedores não tenham espaço para buscar na Justiça a quebra contratual de vendas antecipadas, quando diante de fortes oscilações nos preços.

Por meio dos contratos com os produtores rurais é possível tanto chamar a atenção para a importância da precificação antecipada, como sendo uma ferramenta de hedge, quanto impedir discussões judiciais que não levem em conta "a racionalidade econômica" que existe em tal ferramenta.

O caminho para essa proteção contratual se dá através da aplicação das inovações previstas no Código Civil, no Código de Processo Civil e na já citada Lei da Liberdade Econômica.

Com base nos dispositivos legais que tratam da interpretação contratual (e que foram reforçados através da Lei da Liberdade Econômica e do Código de Processo Civil, os contratos podem prever de forma cristalina exatamente quais situações admitem e quais não admitem uma eventual revisão ou resolução contratual. Da mesma forma, as partes podem reafirmar a importância da precificação antecipada como uma forma de hedge (o que definiria os contornos da boa-fé), sendo possível, ainda, que pré-estabeleçam a interpretação que deverão dar às cláusulas contratuais, caso o instrumento seja levado a juízo. Essa delimitação antecipada da forma de interpretação poderá impedir discussões como as que estão ocorrendo este ano - admitindo-se, inclusive, que tal interpretação (definida em comum acordo) possa ser contrária à outras normas.

Por fim, se ainda com tais cláusulas, uma das partes não cumprir com suas obrigações e compromissos e ingresse com uma ação judicial desconsiderando tais disposições, tal atitude poderá atrair multas e sanções por litigância de má-fé, por meio da elaboração e aplicação de negócios jurídicos processuais, fechando-se o cerco para uma efetiva proteção contratual.

Olavo Barcellos Guarnieri

Sócio da área de Agronegócios do OLP Advogados

[email protected]

*Artigo publicado originalmente em 22/04/2021.