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Cessão/Empréstimo de atleta profissional de futebol. Necessidade de formalização de novo contrato de trabalho com o clube cessionário. Efeitos Trabalhistas.

Por Fabrício Trindade de Sousa, advogado do Amorim, Trindade, Kanitz e Russomano Advogados

21 de October de 2020 16h49

Resumo: O presente estudo analisará o negócio jurídico consubstanciado na cessão temporária do atleta profissional de futebol entre entidades de prática desportiva nacionais, sob a ótica do Direito do Trabalho, mais precisamente quanto à eficácia da obrigação de formalização de contratos de trabalhos especiais desportivos distintos (o contrato "original" é suspenso e o clube cessionário formaliza um novo contrato de trabalho) e os efeitos de tal prática para os envolvidos.

Abstract: The present study lends itself to analyze the legal business embodied in the temporary assignment of the professional soccer athlete among national sports practice entities, from the point of view of Labor Law, specifically the effectiveness of the obligation to formalize special sports contracts (the contract "original" is suspended and the transferee club formalizes a new contract of employment) and the effects of such practice for those involved.

Palavras-Chave: Desporto. Contratos Especiais de Trabalho Desportivo. Cessão Temporária. Responsabilidade dos Clubes Cedente e Cessionário.

Sumário: 1.Introdução. 2. Síntese da Evolução Legislativa 3. Principais Aspectos Conflituosos 4. Conclusão. 5. Referências bibliográficas.

1. INTRODUÇÃO

Em 2018, conforme divulgado pela Confederação Brasileira de Futebol - CBF[1], foram realizadas duas mil trezentas e setenta e três (2373) transferências nacionais, na modalidade empréstimo.

Em todas essas negociações é exigido do clube cessionário formalização de contrato especial de trabalho desportivo com o atleta, permanecendo suspenso o contrato especial de trabalho desportivo com o clube vigente[2].

Ocorre que não há previsão legal que exija tal procedimento, tampouco os parâmetros legais que norteiam o negócio jurídico revelam a necessidade de formalização de contratos distintos, autônomos. No mesmo diapasão, doutrina e jurisprudência não oferecem elementos satisfatórios para que se possa definir os efeitos jurídicos da mudança temporária do beneficiário direto dos serviços prestados pelo empregado.

A exigência de um novo contrato entre o clube cessionário e o atleta em nada tem amenizado os conflitos jurídicos entre clube cedente, clube cessionário e atleta, sendo que, em verdade, tal iniciativa gera mais dúvidas do que certezas quando o Judiciário precisa dirimir tais conflitos.

Nas hipóteses de transferências internacionais, mormente considerando as distintas legislações nacionais, é evidente que um contrato de trabalho deve ser realizado conforme as diretrizes legais do país sede do clube cessionário. Entretanto, no âmbito nacional, tal exigência carece e maior reflexão

O presente estudo visa analisar o negócio jurídico consubstanciado na cessão/empréstimo nacional de atleta de futebol profissional, ofertando reflexões e alternativas para acabar com a prática de formalização de contratos distintos, visando, sobremaneira, apontar ferramentas que mantenham a licitude do negócio e ofereçam maior segurança jurídica para todos os envolvidos.

2. SÍNTESE DA EVOLUÇÃO LEGISLATIVA

A Lei n.º 6.354/76 não disciplinou a hipótese de empréstimo de atleta profissional, limitando-se em conceituar o empregado e o empregador, espelhando a disciplina dos artigos 2º e 3º da CLT[3].

Somente com o Decreto n.º 2.574/98 (revogado pelo Decreto 5.000/2004) houve efetiva regulamentação do empréstimo, já com o indicativo da necessidade de um novo contrato de trabalho[4].

Cogitar-se-ia especular que o preceito legal em análise, em interpretação não restritiva, não fixava, expressamente, a necessidade de formalização de novo contrato, mas apenas a existência de nova relação jurídica, com outro clube de futebol que não o empregador cedente. Ocorre que tal especulação encontra óbice na expressa previsão de celebração de novo contrato.

Portanto, entre a edição do Decreto n.º 2.574/98 e a sua revogação pelo Decreto n.º 5.000/04, vigia obrigação de formalização de contratos autônomos, permanecendo suspenso o contrato de trabalho com o clube cedente.

Subsiste, portanto, a disciplina da Lei Pelé (Lei 9.615/98), que não regulamenta a forma de operacionalização do empréstimo, mas apenas fixa as hipóteses de rescisão contratual, por parte do atleta, e os efeitos de tal ato.

Corolário de tais omissões legais, os clubes empregadores, também inseguros em face da omissão legislativa, mesmo com a revogação do Decreto nº 2.574/98, continuaram a firmar contratos de cessão temporária com as cláusulas até então previstas no referido Decreto regulamentador.

Diante da omissão legislativa, subsiste o questionamento que motiva o presente estudo: a cessão exige a assinatura /formalização de um segundo contrato especial de trabalho desportivo ou pode ser instrumentalizada por um contrato de empréstimo subscrito pelo clube cedente, clube cessionário e o atleta profissional?

3. PRINCIPAIS ASPECTOS CONFLITUOSOS.

Denota-se, de imediato, que o arcabouço normativo vigente, omisso no que tange às cessões de contrato de trabalho temporárias, seja no âmbito da CLT, seja na legislação trabalhista desportiva (Lei Pelé), tem gerado inúmeros conflitos e manifesto prejuízo aos envolvidos.

O Ministro do Tribunal Superior do Trabalho, Guilherme Caputo Bastos[5], exalta as particularidades do contrato de trabalho desportivo, chancelando os ensinamentos de João Leal Amado, para quem a relação de trabalho do praticante desportivo é uma relação eivada de especificidades, dotada de assinaláveis particularidades, é uma relação especial, peculiar, atípica, singular...

O juiz do trabalho Marcos Ulhoa Dani[6], também se valendo do magistério de João Leal Amado, destaca que o regime jurídico do contrato de trabalho desportivo deve equilibrar a tutela do trabalho e a tutela do jogo, para que haja a promoção dos interesses do trabalhador e a preservação do interesse da competição, sendo esta particularidade a "causa mista" do contrato desportivo.

Neste particular, inicialmente, cabe destacar os efeitos do caput do artigo 39, da Lei n.º 9.615/98, que concede prazo para a entidade de prática desportiva cedente purgar a mora da entidade de prática desportiva cessionária, mediante notificação do atleta.

Em que pese louvável a intenção do legislador em oferta segurança financeira ao jogador profissional, garantindo sua subsistência ao longo da cessão temporária, a implementação de tal proteção conflita com a suspensão do contrato de trabalho entre o jogador e o clube cedente.

Para melhor compreensão do que aqui se coloca, passa-se à análise das duas situações possíveis para purgar a mora. A primeira mediante pagamento dos salários e consectários legais pelo clube cedente. Para tal, a suspensão do contrato deveria ser interrompida e gerada a folha de pagamento em atraso, com os ônus de tal iniciativa. Ocorre que para efetivação de tal hipótese, teríamos dois contratos ativos, mormente considerando que a purgação da mora acarreta em manutenção do contrato de empréstimo com o clube cessionário.

A segunda opção, de maior risco, envolveria a transferência de valores do clube cedente ao clube cessionário, com a necessária fiscalização no sentido de garantir que os valores transferidos fossem destinados a purgar a mora.

Nenhuma das opções, data vênia, parecem razoáveis.

A ausência de razoabilidade se confirma no mesmo artigo 39, que em seu parágrafo primeiro menciona contrato de empréstimo, enquanto no parágrafo segundo, cita o antigo contrato especial de trabalho desportivo[7], gerando outro questionamento: Qual a relação jurídica o legislador quis atingir, o empréstimo ou cessão do contrato de trabalho de um atleta, com a anuência deste, entre clubes ou o novo contrato especial de trabalho desportivo do atleta profissional com o clube cessionário?

A falta de clareza da norma, associada à ausência de previsão expressa quanto à responsabilidade dos clubes cedente e cessionário, tem gerado conflitos desnecessários, entre eles, ilustrativamente, o inerente à responsabilidade pelo pagamento dos salários do período da cessão quando o clube cedente opta por não purgar a mora. A jurisprudência é vacilante no particular, ora isentando o clube cedente de qualquer responsabilidade inerente ao período em que vigorar o empréstimo[8] ora fixando o entendimento de que o clube cedente permanece solidariamente responsável pelas obrigações decorrentes do contrato de trabalho[9]

A Confederação Brasileira de Futebol, por certo ciente da omissão legal, buscou regulamentar a cessão temporária, conforme se afere da Seção VI do seu Regulamento de Registro e Transferência de Atletas.

Referido regulamento [10]disciplina a faculdade dos clubes em promover ajustes que impeçam o atleta cedido de participar de partidas contra o clube cedente, equipara a cessão temporária à transferência definitiva para os fins de indenização por formação e mecanismo de solidariedade, fixa o prazo mínimo e máximo para a cessão temporária (observando os parâmetros legais), permite a prorrogação da cessão, desde que observado o limite temporal fixado no contrato original, impede que o clube cessionário ajuste salário inferior ao vigente no clube cedente, impede a transferência de atleta não profissional e fixa a suspensão do contrato de trabalho com o clube cedente.

Denota-se, de imediato, que houve efetiva normatização em matéria inerente a Direito Material do Trabalho, encerrando, desde já, manifesta inconstitucionalidade de tal iniciativa, não sendo porém tal aspecto objeto do presente estudo, tampouco impactando nas conclusões adotadas.

Feita a ressalva acima, imperioso concluir que a normatização vigente não apenas falhou em propiciar soluções, como potencializou os principais conflitos decorrentes da transferência temporária de atletas profissionais.

Para tal constatação, inicialmente, avaliemos a hipótese em que há transferência com aumento de salário. A majoração salarial, obviamente, não encontra óbice legal ou administrativo (leia-se: regulamento CBF), entretanto, considerando a impossibilidade de redução salarial, o clube cedente, quando do retorno do atleta, teria a obrigação de manter o aumento salarial implementado pelo clube cessionário.[11]

Nem se diga que o clube cedente poderia impedir o aumento salarial eventualmente implementado pelo clube cessionário. Isso porque, ainda que subsistisse tal impedimento em contrato acessório, formulado entre as entidades de prática desportiva, o clube cedente não participa do novo contrato especial de trabalho formalizado entre o clube cessionário e o atleta. Logo, sem adentrar em eventual obrigação reparatória do clube cessionário ao clube cedente, sob a ótica trabalhista, o clube cedente, quando do retorno do atleta, tem a obrigação de manter o reajuste concedido pelo clube cessionário.

É certo que o clube cedente poderia argumentar que o contrato de trabalho firmado com o atleta estava suspenso, não se cogitando da responsabilidade por ato produzido por outro empregador. Ocorre que a relação jurídica consubstanciada no empréstimo do jogador só se efetiva com a anuência do atleta e do clube cedente, bem como há diversas limitações no ajuste contratual com o clube cessionário que decorrem do contrato de trabalho com o clube cedente, entre elas a impossibilidade de ajuste salarial inferior ao do contrato original, de modo que não parece forçoso concluir que há efetivo risco jurídico, ao clube cedente, quanto a obrigação de honrar eventual reajuste salarial praticado pelo clube cessionário.

Mesmo na hipótese de se concluir pela impossibilidade de exigir do clube cedente a manutenção do reajuste salarial concedido pelo clube cessionário, subsistem obrigações ao clube cedente que são de impossível desvinculação, tais como os impactos do reajuste salarial concedido em eventual multa rescisória do FGTS e, principalmente, nos cálculos das férias, 13º salário e demais parcelas cuja base de cálculo seja o salário do atleta, inclusive parcelas previdenciárias e fiscais.

Já o cenário de eventual redução salarial é de impossível implementação. Isso porque, além do óbice jurídico imediato, consubstanciado na proibição de redução de salário (468 CLT + 7º, VI/CF), o atleta não conseguiria ser registrado e/ou estar em condição de jogo, já que a redução salarial conflitaria com o regulamento de registros e transferências da CBF.

Há, porém, permissivo jurídico também aplicável ao atleta que sequer é cogitado pela Confederação Brasileira de Futebol, consubstanciado nas exceções de redução salarial oriundo de norma coletiva e, principalmente, na incidência do artigo 444 da CLT[12], que autoriza a  livre estipulação, entre empregado e empregador, de matérias cuja implementação pressupõem negociação coletiva, com a mesma eficácia legal e preponderância sobre os instrumentos coletivos, no caso de empregado portador de diploma de nível superior e que perceba salário mensal igual ou superior a duas vezes o limite máximo dos benefícios do Regime Geral de Previdência Social.

É fato público e notório que é pequeno o universo de atletas profissionais com nível superior e percepção de salário mensal igual ou superior a duas vezes o limite máximo dos benefícios do Regime Geral de Previdência Social, entretanto, tal aspecto não pode impedir que os atletas que detenham tais condições sejam privados de formalizarem contratos de empréstimos com redução de salário[13].  O atleta profissional almeja jogar, disputar competições, estar em evidência, não sendo raras as situações em que deseja ser emprestado, independente de eventual redução salarial, quando não encontra espaço ou não está sendo aproveitado pelo treinador.

Há uma terceira hipótese, talvez a mais comum, que envolve a cessão temporária do atleta com ônus integral ou majoritário para o clube cedente, com interesse que seu atleta se desenvolva em outro clube, seja para retornar em melhores condições, seja para potencializar as chances de venda futura.

Em tais circunstâncias, respeitando àqueles que chancelam o modelo vigente, ainda mais controvertida é a eficácia pretendida com a exigência de dois contratos de trabalho especiais desportivos autônomos. Isso porque, se o clube cedente ficará integralmente responsável pelas obrigações trabalhistas do atleta, na prática, obrigará o clube cessionário a inserir o atleta em folha de pagamento, observadas toda a burocracia inerente a tal conduta, sendo indenizado não apenas pelos custos legais, trabalhistas e fiscais, mas, muito provavelmente, também arcará com os ônus operacionais do clube cessionário.

Revela-se ainda mais frágil tal exigência quando nos deparamos com a doutrina portuguesa sobre o tema. O jurista português Lúcio Miguel Correia[14] destaca o conceito legal de cessão temporária naquele país, tendo como base os artigos 288º e seguintes do Código de Trabalho, destacando que a cedência ocasional consiste na disponibilização temporária de trabalhador, pelo empregador, para prestar trabalho a outra entidade, a cujo poder de direção aquele fica sujeito, mantendo-se o vínculo contratual inicial" (grifo nosso).

Conclui o Professor que face ao exposto, para que haja cedência ocasional de trabalhadores, é necessário que se verifiquem três elementos: em primeiro lugar que o trabalhador seja cedido de uma entidade empregadora para outra entidade que, sobre aquele passará a exercer seu poder de direção;, em segundo lugar, que a cedência seja temporária; e por fim, que se mantenha vínculo laboral entre o trabalhador e a entidade empregadora cedente.[...] Assim, a cedência ocasional de trabalhadores constitui uma modificação dos sujeitos do vínculo laboral inicial, implicando por consequência, uma cisão dos poderes do empregador cedente relativamente aos poderes de direção, ainda que este mantenha o poder disciplinar e o estatuto de empregador do trabalhador cedido.

Albino Mendes Batista[15], professor português, conceitua a cessão do contrato de trabalho especial desportivo como a cedência temporária de praticantes desportivos consiste na disponibilização por tempo determinado, a título oneroso ou gratuito, dos serviços do praticante desportivo (cedido) para a prática da mesma atividade da entidade empregadora (clube cedente) para outra entidade (clube cessionário), a cujo poder de direção o trabalhador fica sujeito, sem prejuízo da manutenção do vínculo contratual inicial.

Não há dúvida, portanto, que o efeito da cessão temporária do contrato de trabalho especial desportivo é a migração do poder diretivo, por força da alteração do beneficiário direto dos serviços prestados pelo atleta. Destaca Lúcio Miguel Correia[16], que a manutenção do vínculo original redunda na impossibilidade de rescisão contratual por parte do clube cessionário. Isso porque o vínculo laboral desportivo entre o clube cedente e o praticante não desaparece ou se extingue com a celebração de um contrato de cedência de praticante desportivo, de modo que, por corolário lógico, parece-nos óbvio que a entidade empregadora cessionária no exercício da titularidade do poder disciplinar sobre o atleta cedido, apenas pode aplicar sanções não resolutivas do vínculo desportivo, ficando naturalmente reservadas, apenas para a entidade empregadora desportiva cedente, a possibilidade de aplicar sanções extintivas do mesmo, pois é apenas sobre esta que o aludido poder é conferido por lei e pelo vínculo laboral que se estabelece pelo contrato de trabalho desportivo originário" (grifo nosso).

Denota-se, portanto, sob o enfoque das relações entre empregados e empregadores, que a cessão temporária deve abranger todas as cláusulas e condições do contrato individual de trabalho.

Corolário lógico, a entidade de prática desportiva cessionária age apenas como representante legal do empregador originário, da entidade de prática desportiva cedente, capitaneando a relação com o atleta profissional, gerindo-a, enquanto perdurar o empréstimo, beneficiando-se dos serviços prestados pelo atleta[17].

Curioso notar que a própria Lei Pelé oferece uma alternativa viável, entretanto, só aplicável às hipóteses de cessão temporária do atleta profissional para seleções. Neste particular o artigo 41[18] fixa a obrigação da entidade convocadora de indenizar a cedente dos encargos previstos no contrato de trabalho, pelo período em que durar a convocação do atleta, sem prejuízo de eventuais ajustes celebrados entre este e a entidade convocadora.

Trata-se de preceito legal que encontra amparo analógico na legislação que disciplina a cessão de empregados e servidores públicos, com destaque para a Lei 9.007/95 que, entre outros aspectos, assegura todos os direitos e vantagens a que faça jus no órgão ou entidade de origem, considerando-se o período de requisição para todos os efeitos da vida funcional, como efetivo exercício no cargo ou emprego que ocupe no órgão ou entidade de origem.

Em síntese, a cessão temporária, inclusive sob a ótica da CBF, deve observar: a) anuência do profissional; b) manutenção dos direitos e benefícios fixados no contrato de trabalho, bem como observância da legislação constitucional e infraconstitucional vigente; c) a livre estipulação de obrigações entre o clube cedente e o clube cessionário, observados os aspectos técnicos ou de competição e aspectos negociais, com as limitações da legislação vigente;

A manutenção do contrato especial de trabalho desportivo com o clube cedente não impede, em absoluto, o alcance dos efeitos inerentes à cessão temporária do atleta profissional, bem como resguarda a integralidade dos direitos do jogador, em quaisquer das hipóteses ajustadas entre os clubes (ônus parcial, integral ou gratuito).

A subordinação do atleta ao clube cessionário, temporariamente, não demanda a necessidade de formalização de novo contrato, seja em razão dos direitos trabalhistas estarem resguardados no contrato original, seja em razão da anuência do atleta em transferir sua prestação de serviços, por um período determinado, para outro beneficiário (clube cessionário), com a também anuência de seu empregador.

Subsistindo o contrato especial de trabalho desportivo original, sequer seria preciso permitir ao clube cedente purgar a mora, conforme disciplinado pela Lei Pelé, uma vez que o clube cedente permanece com a integralidade das obrigações trabalhistas, sem prejuízo de buscar reparação por eventual inadimplência do clube cessionário[19].

Também afasta-se o risco de eventuais conflitos oriundos de iniciativas do clube cessionário perante o atleta, uma vez que mantido o contrato especial de trabalho desportivo original, toda e qualquer iniciativa deverá ser submetida ao clube cedente, minimizando o ônus de eventuais fraudes ou atos ilícitos. Minimizando e não extinguindo, por força da possibilidade de eventual ajuste direto entre atleta e clube cessionário, ajuste este porém, às margens da cessão temporária avençada, motivando, no mínimo, intenso debate sobre a eventual responsabilidade do clube cedente.

Ademais, os clubes podem e devem ajustar seus interesses em face do contrato de empréstimo efetivado, sendo este o objeto do contrato de empréstimo. Podem inclusive, fixar a responsabilidade de cada um quanto as obrigações trabalhistas do atleta, entretanto, tal ajuste terá eficácia limitada entre as entidades de prática desportiva, sem se cogitar de efeitos perante o atleta ou para isenção de responsabilidade em sede de eventual ação trabalhista.

Por fim, mas não menos relevante, indispensável reconhecer a responsabilidade solidária entre as entidades de prática desportiva quanto as obrigações trabalhistas do atleta, enquanto perdurar a cessão temporária, sem necessidade de alteração legislativa (ainda que salutar o advento de comando normativo expresso), decorrendo tal conclusão da incidência do artigo do 932 do CC.

Face ao exposto, no período em que o atleta profissional estiver cedido, o clube cedente permanece como responsável primário, imediato, pelo cumprimento das obrigações trabalhistas, ficando também responsável por eventuais prejuízos ou atos ilícitos gerados pelo clube cessionário.

Já o clube cessionário, enquanto beneficiário direto da prestação de serviços do atleta, também fica responsável pelas obrigações oriundas do contrato de trabalho com o clube cedente, enquanto durar a cessão, sem prejuízo de eventual ajuste em sentido diverso com o clube cedente, avença que pode e deve ser exigida em eventual pretensão reparatória, perante a Justiça Comum.

4. CONCLUSÃO

O volume de transferências temporárias de atletas profissionais de futebol é crescente e demanda uma reavaliação da sistemática vigente que exige a formalização de um novo contrato de trabalho especial desportivo com o clube cessionário, mormente considerando que o modelo atual tem gerado mais insegurança do que certezas aos clubes envolvidos.

As preocupações extraídas das exigências feitas pela CBF, para fins de registro do atleta, em sua integralidade são atendidas com a manutenção de apenas um vínculo empregatício, consubstanciado no contrato especial de trabalho desportivo firmado com o clube cedente.

A manutenção do contrato especial de trabalho desportivo com o clube cedente, sem a necessidade de formalização de um novo contrato, em nada impacta no ajuste de interesses dos clubes, que podem e devem faze-lo em instrumento próprio.

No mesmo diapasão, subsistindo o contrato especial de trabalho desportivo com o clube cedente, o atleta profissional terá maior segurança, tanto no âmbito trabalhista, quanto no âmbito fiscal, não se preocupando com eventual receio de inadimplemento do clube cessionário.

Não se pode cogitar de cessão de direitos trabalhistas do atleta profissional, circunstância inevitável do modelo atual, mas apenas da transferência do beneficiário da prestação de serviços do atleta, com ampla possibilidade de sucesso para todos os envolvidos, mas sem que tal aposta acarrete em descumprimento de obrigações oriundas do contrato especial de trabalho desportivo.

5. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

- BAPTISTA, ALBINO MENDES. Estudos sobre o Contrato de Trabalho Desportivo, Lisboa, Coimbra Editora, 2006,

- BASTOS, Guilherme Augusto Caputo. Direito Desportivo. 1. Ed. Brasília: Alumnus, 2014.

- DANI, Marco Ulhoa. Transferências e registros de atletas profissionais de futebol : responsabilidade e direitos. - São Paulo : LTr, 2016.

- FILHO, Fábio Menezes de Sá/Luis Guilherme Krenek Zainaghi. Relações de trabalho no desporto: estudos em homenagem ao prof. Domingos Sávio Zainaghi. - São Paulo : LTr, 2018.

- Revista da Academia Nacional de Direito Desportivo (ANDD) - Correia, Lúcio Miguel - O Contrato de cedência do praticante desportivo - breves notas. - 2017.

[1]"Raio-X do mercado 2019: números gerais de registro." - https://www.cbf.com.br/a-cbf/informes/index/raio-x-do-mercado-2019-numeros-gerais-de-registro" acesso em 27/03/2019;

[2] Art. 36 - A cessão temporária importa na suspensão dos efeitos do contrato especial de trabalho desportivo celebrado com o cedente.

[3]Art . 1º Considera-se empregador a associação desportiva que, mediante qualquer modalidade de  remuneração, se utilize dos serviços de atletas profissionais de futebol, na forma definida nesta Lei.

Art . 2º Considera-se empregado, para os efeitos desta Lei, o atleta que praticar o futebol, sob a  subordinação de empregador, como tal definido no artigo 1º mediante remuneração e contrato, na forma do artigo seguinte.

[4]Art. 38. A Transferência do atleta profissional de uma entidade de prática desportiva para outra do mesmo gênero poderá ser temporária (contrato de empréstimo) e o novo contrato celebrado deverá ser por período igual ou menor que o anterior, ficando o atleta sujeito à cláusula de retorno à entidade de prática desportiva cedente, vigorando no retorno o antigo contrato, quando for o caso.

[5]BASTOS, Guilherme Augusto Caputo. Direito Desportivo. 1. Ed. Brasília: Alumnus, 2014. Página 111.

[6]DANI, Marco Ulhoa. Transferências e registros de atletas profissionais de futebol : responsabilidade e direitos. - São Paulo : LTr, 2016 - página 44.

[7]§ 1º O não pagamento ao atleta de salário e contribuições previstas em lei por parte da entidade de prática desportiva cessionária, por 2 (dois) meses, implicará a rescisão do contrato de empréstimo e a incidência da cláusula compensatória desportiva nele prevista, a ser paga ao atleta pela entidade de prática desportiva cessionária.

§ 2º Ocorrendo a rescisão mencionada no § 1º deste artigo, o atleta deverá retornar à entidade de prática desportiva cedente para cumprir o antigo contrato especial de trabalho desportivo.

[8] Precedentes no sentido da isenção de responsabilidade do clube cedente:

EMENTA: ATLETA PROFISSIONAL. VÍNCULO DE EMPREGO COM O CLUBE CECESSIONÁRIO NO PERÍODO DA CESSÃO. Como bem salientou o juízo de origem, conjugando-se os artigos 1º e 2º da Lei 6.354/76, não revogados pela Lei 9.615/98, e os artigos 38 e 39 desta última, conclui-se que o clube cessionário é o único responsável pelas verbas trabalhistas do jogador emprestado que se encontra a seu serviço quando rescindido o contrato de cessão pelo seu inadimplemento. O cessionário é quem se enquadra na qualidade de empregador, segundo conceituação legal sendo que o atleta se encontra na condição de empregado também na forma disposta na lei. Se existe na lei, que regulamenta a matéria, diferenciação entre os contratos mantidos entre o atleta e os clubes cedentes e cessionários, como novo e antigo, tem-se a existência de dois vínculos empregatícios diferentes, com empregadores e responsabilidades distintas pelos créditos inadimplidos que não se comunicam, não havendo que se falar em solidariedade.

(TRT da 3.ª Região; Processo: 0145700-41.2008.5.03.0091 RO; Data de Publicação: 03/08/2010; Órgão Julgador: Decima Turma; Relator: Deoclecia Amorelli Dias; Revisor: Convocado Jesse Claudio Franco de Alencar)

JOGADOR DE FUTEBOL. CONTRATO DE EMPRÉSTIMO PARA OUTRO CLUBE. AUSÊNCIA DE RESPONSABILIDADE DO CEDENTE PELOS CRÉDITOS TRABALHISTAS DECORRENTES DO PACTO FIRMADO COM O CESSIONÁRIO. O art. 39 da Lei nº 9.615/98 não estabelece responsabilidade do clube de futebol cedente pelos créditos trabalhistas oriundos do pacto laboral firmado com o clube cessionário. Assim, ausente também qualquer previsão contratual nesse sentido, indevida a responsabilização solidária ou subsidiária entre os clubes contratantes. (TRT18, RO - 0001553-04.2010.5.18.0003, Rel. KATHIA MARIA BOMTEMPO DE ALBUQUERQUE, 1ª TURMA, 16/11/2011)

(TRT-18 - RO: 00015530420105180003 GO 0001553-04.2010.5.18.0003, Relator: KATHIA MARIA BOMTEMPO DE ALBUQUERQUE, Data de Julgamento: 16/11/2011, 1ª TURMA)

[9] Precedente no sentido da responsabilidade solidária do clube cedente:

Ementa Atleta de futebol. Empréstimo a outra agremiação. A transferência do atleta profissional de uma entidade de prática desportiva para outra do mesmo gênero poder ser temporária, firmada por contrato de empréstimo, e o novo ajuste deverá ser por período igual ou inferior a duração do contrato anterior, assegurando-se ao atleta o retorno à entidade cedente, nas condições anteriormente ajustadas, conforme prevê o art. 39 da Lei 9.615/1998. Mas o contrato de trabalho com o cedente conserva-se íntegro e o empregador anterior continua responsável por todos os direitos trabalhistas do atleta cedido, conforme reza o art. 38, § 4.º, do Decreto 2.574/1998, que na época estava em plena vigência.

(TRT-8.ª R.); RO 00988-2004-004-08-00-0; Recte.: Clube do Remo; Advs.: Antônio Soares de Azevedo Neto e outros; Recdo.: Juraci dos Anjos; Advs.: Brunno Garcia de Castro e outros; Rel.: Juíza Elizabeth Fátima Martins Newman; DJ de 26-11-2004

[10]Art. 35 - Nas transferências por cessão temporária de atleta profissional, incumbe, privativamente, aos clubes cedente e cessionário ajustar as condições para participar o jogador nas partidas em que se enfrentem.

§ 1º - A cessão temporária sujeita-se às mesmas regras aplicáveis às transferências definitivas de atletas, inclusive às disposições referentes à indenização por formação e mecanismo de solidariedade.

§ 2º - O prazo de cessão temporária não pode ser inferior a 3 (três) meses, nem superior ao prazo restante do contrato de trabalho desportivo profissional do atleta com o clube cedente

§ 3º - O salário do atleta profissional com o clube cessionário não pode ser inferior ao que consta do contrato firmado com o clube cedente, salvo expressa previsão em acordo ou convenção coletiva de trabalho.

§4º - É lícita a prorrogação do prazo da cessão temporária desde que limitada ao prazo do contrato especial de trabalho desportivo firmado com o clube cedente e por este expressamente autorizada.

§5º - É vedada a transferência temporária de atleta não profissional.

Art. 36 - A cessão temporária importa na suspensão dos efeitos do contrato especial de trabalho desportivo celebrado com o cedente.

[11]Corolário dos artigos 7º, VI da CF e 468 da CLT.

[12]Art. 444 - As relações contratuais de trabalho podem ser objeto de livre estipulação das partes interessadas em tudo quanto não contravenha às disposições de proteção ao trabalho, aos contratos coletivos que lhes sejam aplicáveis e às decisões das autoridades competentes.

Parágrafo único. A livre estipulação a que se refere o caput deste artigo aplica-se às hipóteses previstas no art. 611-A desta Consolidação, com a mesma eficácia legal e preponderância sobre os instrumentos coletivos, no caso de empregado portador de diploma de nível superior e que perceba salário mensal igual ou superior a duas vezes o limite máximo dos benefícios do Regime Geral de Previdência Social.

[13]Para Rafael Teixeira Ramos: Tal debutante norma pode ser aplicada subsidiariamente ao empregado desportivo, conforme já se afirmou acima, contudo pode se tornar inócua no caso do trabalho esportivo, pois sabe-se que a imensa maioria dos atletas não possui diploma de nível superior, na medida em que a carreira profissional atlética inicia cada vez mais cedo e muitos só conseguem retornar aos estudos almejados após o encerramento da carreira.  - FILHO, Fábio Menezes de Sá/Luis Guilherme Krenek Zainaghi. Relações de trabalho no desporto: estudos em homenagem ao prof. Domingos Sávio Zainaghi. - São Paulo : LTr, 2018.Página: 100.

[14]Revista da Academia Nacional de Direito Desportivo (ANDD) - Correia, Lúcio Miguel - O Contrato de cedência do praticante desportivo - breves notas. - 2017. Página 121

[15]BAPTISTA, ALBINO MENDES. Estudos sobre o Contrato de Trabalho Desportivo, Lisboa, Coimbra Editora, 2006, página 95.

[16]Revista da Academia Nacional de Direito Desportivo (ANDD) - Correia, Lúcio Miguel - O Contrato de cedência do praticante desportivo - breves notas. - 2017. Página 134

[17]Corroborando o entendimento da manutenção do contrato de trabalho junto ao empregador cedente:

A empresa cessionária figura exclusivamente como administradora do contrato existente entre o empregado cedido e a sua empregadora. A responsabilidade pelo pagamento das diferenças salariais, as quais foram geradas no período da cessão contratual, é da real empregadora (cedente). Sendo, entretanto, facultada, se for o caso, ação de regresso contra a empresa cessionária, para reaver os valores pagos judicialmente (Tribunal Regional do Trabalho, 6ª Região, Recife, 2001).

A mudança do local da prestação de trabalho não desfigura o contrato laboral e nem conduz à novação da relação jurídica. É ônus da empresa cedente o adimplemento de verbas trabalhistas havidas no curso do contrato de trabalho, mesmo as oriundas do tempo de cessão, vez que subsiste o contrato de trabalho com a empresa cedente (Tribunal Regional do Trabalho, 6ª Região, Recife, 2006).

A cessão de empregado público não corresponde a novação subjetiva, mantendo-se íntegro o contrato individual de trabalho em relação aos contratantes originários. Ao tentar eximir-se das obrigações trabalhistas que lhe incumbem, máxime quando assume os ônus da cessão, a cendente busca afastar toda e qualquer proteção ao patrimônio jurídico do trabalhador, este a ninguém mais podendo recorrer. Ao absurdo não se dá proteção jurídica (Tribunal Regional do Trabalho, 10ª Região, Brasília, 1997).

Cedido o empregado celetista da municipalidade recorrida para prestar trabalho junto a delegacia de polícia, permanece a primeira como responsável pelos direitos do contrato, inclusive paga de horas extras, porque equiparável ao empregador preconizado pelo ‘caput’ e parágrafos do art. 2º da CLT (Tribunal Regional do Trabalho, 2ª Região, São Paulo, 1993).

[18]Art. 41. A participação de atletas profissionais em seleções será estabelecida na forma como acordarem a entidade de administração convocante e a entidade de prática desportiva cedente.

§ 1o A entidade convocadora indenizará a cedente dos encargos previstos no contrato de trabalho, pelo período em que durar a convocação do atleta, sem prejuízo de eventuais ajustes celebrados entre este e a entidade convocadora.

§ 2o O período de convocação estender-se-á até a reintegração do atleta à entidade que o cedeu, apto a exercer sua atividade.

[19]TRABALHISTA. PROCESSUAL. CESSÃO DE EMPREGADO. VERBAS TRABALHISTAS. RESPONSABILIDADE DA CEDENTE. A CESSÃO DO EMPREGADO NÃO SUSPENDE E NEM ALTERA O CONTRATO DE TRABALHO DO CEDIDO. O CESSIONÁRIO FIGURA EXCLUSIVAMENTE COMO ADMINISTRADOR DO CONTRATO EXISTENTE ENTRE A EMPREGADA CEDIDA E A EMPRESA CEDENTE. RECURSO ORDINÁRIO CONHECIDO E PROVIDO. (RO 57400-14.2009.5.22. 0003, Rel. Desembargador Wellington Jim Boavista, TRT DA 22ª REGIÃO, PRIMEIRA TURMA, julgado em 08/03/2010)