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Análise

A busca da igualdade na disputa eleitoral no financiamento político, à luz do direito comparado

Por Por Rodrigo de Sá Queiroga, sócio do Queiroga, Vieira, Queiroz & Ramos Advocacia (QVQR)

8 de October de 2020 8h59

RODRIGO DE SÁ QUEIROGA

A BUSCA DA IGUALDADE NA DISPUTA ELEITORAL NO FINANCIAMENTO POLÍTICO, À LUZ DO DIREITO COMPARADO

O presente trabalho servirá como avaliação para a disciplina "Jurisdição Constitucional", do Mestrado Acadêmico em Direito Constitucional, ministrada pelo Professor Doutor Ilton Norberto Robl Filho.

IDP - Instituto Brasiliense de Direito Público

Brasília/DF

2018

SUMÁRIO

1. ANÁLISE DO DIREITO COMPARADO 03

1.1 Financiamento na França 03

1.2 Financiamento na Espanha 06

1.3 Financiamento em Portugal 11

1.4 Financiamento na Alemanha 13

1.5 Financiamento nos Estados Unidos 17

2. CONCLUSÃO 23

3. BIBLIOGRAFIA 23

O financiamento de campanha eleitoral é um dos temas centrais da agenda política, não só no Brasil, mas em muitos outros países, uma vez que os candidatos e partidos políticos necessitam de recursos para exporem os seus projetos e, consequentemente, se aproximarem do seu eleitorado e o conquistarem.

Assim, toda despesa que tem o objetivo precípuo de convencer os eleitores de que um ou outro partido político ou candidato tem os melhores projetos de governo é considerada gasto de campanha.

1. ANÁLISE DO DIREITO COMPARADO

Neste trabalho analisa-se o financiamento de campanhas eleitorais no direito comparado. Nesse contexto, busca-se conhecer os modelos de financiamento adotados pela França, Espanha, Portugal, Alemanha e Estados Unidos.

1.1 Financiamento na França

Na França, no período que antecedeu o ano de 1988, o financiamento das campanhas eleitorais não era regulamentado por códigos e os partidos se mantinham somente com as contribuições de seus integrantes. Essa ausência de regulamentação viabilizou que os partidos adotassem mecanismos espúrios de financiamento ilegal, ou seja, recebiam doações de empresas e em troca ofereciam-lhes benefícios (MEIRIM, 1994).

Nas semanas finais da primeira coabitação[1], foram votadas duas leis: a Lei Orgânica 88/226 e a Lei Ordinária 88/227, de 11 de março de 1988, que instituíram as primeiras normas para o financiamento das campanhas e partidos, adotando o modelo de financiamento público, porém incidindo somente nos partidos que possuíam representação na Assembleia e no Senado. Os principais preceitos oriundos desses diplomas legais foram:

[...] fixar um teto para os gastos de campanhas eleitorais presidenciais; obrigar a manutenção de uma conta corrente específica com os gastos de campanhas; fixar o financiamento público como sendo exclusivo dos partidos políticos; e exigir dos parlamantares e candidatos à presidência que apresentassem uma declaração de bens (MEIRIM, 1994, p. 44).

No período compreendido entre janeiro de 1987 e fevereiro de 1989, ocasião em que ocorreu o caso Urba[2], houve elevado índice de sonegação por parte do governo nas contratações públicas.

No ano de 1990, em razão desse escândalo, foi publicada a Lei Rocard[3]que concedeu anistia a todos os crimes eleitorais praticados antes de 15 de junho de 1989. Essa lei passou a ser amplamente utilizada e estendeu o financiamento público àqueles partidos que não possuíam representação no parlamento francês. Outras alterações relevantes foram:

[...] o teto fixado para gastos eleitorais passou também a ser obrigatório em eleições estatais e locais; o alto custo decorrente de propagandas eleitorais, como, por exemplo, veiculação por meios de comunicação e outdoors passaram a ser proibidos; as partes passam a poder beneficiarem-se de fundos privados, desde que respeitem os limites estabelecidos em lei (JACOB, 2016, p.63).

Essa lei foi também responsável pela criação de uma comissão de despesas de campanhas e financiamento político, tendo em vista ter se tornado obrigatória a fundação de uma associação de financiamento eleitoral ou a designação de um procurador financeiro responsável por captar fundos para financiar as campanhas políticas.

Em janeiro de 1993, entrou em vigor a Lei 93/122, originária de um projeto de lei de iniciativa do governo socialista (1988-1993). Esta lei foi responsável por um crescimento significativo do financiamento público para as campanhas eleitorais e pela redução do teto máximo para os gastos com as campanhas eleitorais (MEIRIM, 1994).

Logrando maior transparência, as contas de campanha deveriam conter uma lista de pessoas jurídicas que fizessem doações aos candidatos bem como o valor doado e, também, um serviço central atuando na prevenção à corrupção.

Em 1995, devido ao aumento dos custos referentes às campanhas e em razão da crescente descentralização nacional a que a França se submeteu, foi elaborada a Lei 95/1965, que trouxe diversas alterações, sendo as principais:

[...] proibição de contribuições (ainda que indiretas) por empresas a partidos políticos franceses. Esta proibição aplica-se a todas as pessoas jurídicas que não sejam os partidos políticos, sejam eles empresas, associações, fundações, sindicatos e comunidades locais; paralelamente à proibição do financiamento privado, exceto a contribuição individual, o reembolso das despesas de campanha do Estado é aumentado para 50% do limite de gastos; redução (em média de 30%) do teto das despesas com as eleições, para todos os cargos; incentivo às contribuições das pessoas físicas mediante vantagens fiscais, igualando as contribuições para os partidos políticos às instituições de utilidade pública; aumento do financiamento público, podendo chegar a 100% do valor das despesas, desde que vinculado ao número de votos obtidos; aumento dos créditos públicos para os partidos políticos, sendo uma parte para todos os partidos em função do número de votos obtidos, e a outra, em função do número de candidatos eleitos (MEIRIM, 1994, p. 44).

Em 2003, com a Lei 327, vários dispositivos presentes na legislação anterior e no código eleitoral foram alterados, dentre eles os que se referiam ao auxílio com natureza de verba pública aos partidos. O financiamento público passa a ser concedido somente aos partidos cujos candidatos foram agraciados, cada um, com pelo menos, 1% dos votos em no mínimo 50 círculos eleitorais. As modalidades de financiamento passaram a funcionar da seguinte maneira: a) financiamento público dividido em duas etapas: a primeira proporcional aos resultados atingidos pelo partido na legislação anterior e a segunda proporcional ao número de integrantes inscritos que se declarassem interessados; b) financiamento privado, sujeito às seguintes condições: doações por cabeça; proibição de recebimento de doações de outros países; submissão a fiscalização dependendo do valor recebido (JACOB, 2016).

A doação individual foi limitada a quatro mil e quinhentos euros por pessoa/ano, com um imposto por parcela dedutível. Porém, a Lei 1.719, de 30 de dezembro de 2005 (Lei de Finanças), subiu o limite, quase dobrando as doações feitas por pessoas físicas, alterando-o para sete mil e quinhentos euros por pessoa/ano (JACOB, 2016).

Em setembro de 2010, o partido socialista francês redigiu um projeto de lei com o objetivo de aumentar as exigências por transparência financeira na política, restringindo o limite de doações feitas a uma mesma pessoa para sete mil e quinhentos euros. Também passou-se a exigir que as associações de financiamento e agentes financeiros tornassem a lista pública divulgando em ordem alfabética os nomes dos doadores (JACOB, 2016).

1.2 Financiamento na Espanha

Em razão do longo período da ditadura franquista[4], a Espanha, em seu período de redemocratização, também buscou estruturar e empoderar os partidos políticos, como modo de reforçar sua estabilidade democrática. Desta forma, o modelo de financiamento das eleições espanhola consolidou-se com tendências publicistas, embora integre o grupo de países adeptos do modelo misto de financiamento (BACKES, 2013).

O Estado restitui aos partidos os valores gastos com as campanhas eleitorais valendo-se dos seguintes critérios: para ter acesso às subvenções é preciso que o partido consiga eleger no mínimo um membro do Congresso de Deputados e o volume de recursos eleva de forma progressiva de acordo com a quantidade de votos conferida às listagens de candidatos que extrapolaram essa cláusula de desempenho[5](SANTANO, 2014).

Backes (2013, p.15) esclarece sobre os valores (em euros) das subvenções concedidas pelo Estado a partir da conjugação destas duas normas, que constam no artigo 175 da Lei 5/1985, conhecida como Ley Orgánica del Régimen Electoral General-LOREG:

Para o Congresso de Deputados as subvenções se dão da seguinte forma: a. 21.167,64 por cada cadeira obtida no Congresso dos Deputados. b. 0,81 euros por cada um dos votos conseguidos por cada lista que tenha conseguido pelo menos uma cadeira

Diferentemente do modelo adotado na Alemanha, existe a imposição de uma cláusula de barreira, devendo o partido ter no mínimo um deputado eleito para ter acesso aos recursos oriundos das subvenções públicas. Existe também um teto absoluto variável para o gasto das eleições proporcionais, que oscila conforme o número de habitantes das províncias onde os candidatos concorrem. Define-se esse valor, em euros, multiplicando-se a população circunscricional por 0.37, conforme dispõe o artigo 175, item 2[6]da LOREG (BACKES, 2013).

Uma característica importante da legislação da Espanha é a proibição de doações feitas por pessoas jurídicas que tenham contratos firmados com a Administração Pública[7], podendo as demais pessoas jurídicas doar, desde que respeitado o teto pessoal de dez mil euros por partido político ou coalizão (BACKES, 2013).

Se existem restrições importantes no modelo de financiamento de campanhas espanhol que poderiam servir de exemplo para o Brasil, também há, por outro lado, tal como ocorre aqui, o problema crônico da elevação do gasto público em razão da oferta de subvenções aos partidos políticos. Na medida em que se garantiu saúde financeira invejável aos partidos, teve-se por externalidade o engessamento das forças políticas, tornando os partidos extremamente dependentes do Estado e com pouca comunicação com os cidadãos. Os partidos políticos são compreensivelmente adversos a mudanças nessas normas e isso impede que novas forças políticas floresçam e, consequentemente, majora a distância entre as necessidades dos cidadãos e a disposição das agremiações, criando um desagradável arranjo de cartelização dos partidos políticos (SANTANO, 2014).

Segundo Santano (2014, p.160), este modelo de financiamento, apoiado essencialmente em subvenções estatais, atua "coadjuvando para a imobilidade das forças políticas no sistema de partidos", e essa disfunção reduz a legitimidade dos partidos frente aos cidadãos espanhóis, principalmente em tempos de crise econômica. Segundo esta autora:

Se o Estado de Partidos é fruto de um desvio a sua dinâmica no Estado, não existem razões para descartar a hipótese de existência de um comportamento que tende a um "cartel" e que absolutamente atende aos ditames democráticos. Não se trata somente da petrificação do sistema de partidos, mas que afeta a imagem que os cidadãos têm dessas organizações partidárias (SANTANO, 2014, p. 165)

No que tange às doações feitas por pessoas físicas, estas são permitidas desde que respeitado o mesmo teto pessoal que se aplica às pessoas jurídicas, ou seja, 10 mil euros para partido ou coalizão. Apesar de serem permitidas, essas doações não são recorrentes, em razão do distanciamento que existe entre os partidos políticos e as bases eleitorais, no entanto foi decisiva para o surgimento de um partido esquerdista, o PODEMOS[8], que faz uso de plataformas digitais[9]para captar fundos utilizando de modernas técnicas de captação via crowdfunding[10]e poderá insurgir como uma alternativa para romper o cartel dos "partidos de Estado" bem como suas usuais polarizações (BACKES, 2013).

Em síntese, o sistema atual de financiamento de campanhas e partidos políticos espanhol encontra-se regulamentado principalmente pela Lei Orgânica 8/2007[11], embora ainda sofra influência da legislação anterior.

O financiamento público é a característica predominante no sistema de financiamento dos partidos e manteve-se em textos legais até os dias de hoje. Isto ocorre, principalmente, para tentar impedir que os elementos-chave presentes na nova organização institucional criada após a ditadura, sirvam de instrumentos para atender a determinados interesses privados. Especificamente, poderia-se pensar que os partidos conservadores, com o apoio das classes economicamente mais abastadas, poderiam se sobressair aos partidos progressistas, gerando um desequilíbrio entre as forças políticas, o que não refletiria a realidade social atual deste país. Esta falta de confiança em um sistema baseado no financiamento manifestamente privado foi um dos principais argumentos para o estabelecimento de um modelo de financiamento público, com o qual acreditava-se que a independência dos partidos políticos estaria assegurada (SANCHEZ MUNHOZ, 2007).

Ao longo do tempo, especificamente, foram estabelecidas quatro vias de financiamento através de subsídios públicos. São eles: 1) subsídios ordinários para o funcionamento dos partidos, atribuídos à função de representação obtida. Aqui, as subvenções concedidas pelo Ministério do Interior para os diversos partidos políticos para cobrir as despesas relacionadas com a segurança dos funcionários da sede e do partido orgânica também estão incluídas; 2) Subsídios para despesas eleitorais, para financiar campanhas eleitorais. Estes recursos integram uma categoria de financiamento que pode ser referido como indireto em comparação com outras vias relacionadas ao financiamento direto dos partidos; 3) Subvenções a grupos parlamentares, que se destinam a cobrir custos, mas às vezes são utilizados para financiar a própria estrutura partidária; e 4) Subsídios para associações e fundações ligadas organicamente a partidos políticos (SANSEVERINO, 2012).

Por outro lado, as partes do sistema de financiamento espanhol respondem ao esquema de um modelo fechado que domina a dupla concordância do sistema eleitoral e o sistema de financiamento. Ou seja, o sistema de financiamento dos partidos premia os partidos que ganharam representação, deixando de lado aqueles partidos que, mesmo concorrendo às eleições, tiveram menor sucesso eleitoral ou simplesmente não o fizeram. Este é um importante limite à igualdade de oportunidades política, porque apenas aqueles que obtiveram representação em pleitos eleitorais anteriores, conseguem manter um nível de receitas públicas suficientes para cobrir os custos de uma campanha no futuro e, consequentemente, obter um resultado suficiente para manter o desempenho (SANCHEZ MUNHOZ, 2007).

A principal crítica feita a este modelo de financiamento fechado é que este reduz substancialmente as oportunidades e possibilidades de pequenos partidos participarem de uma eleição em razão da inferioridade orçamentária no que tange ao recebimento de recursos públicos. No entanto, atualmente, há exemplos de partidos que, com poucos recursos ou apenas com pequenas contribuições privadas foram capazes de obter significativa representação pública. Dentre os partidos políticos que obtiveram resultados eleitorais positivos recentemente fazendo uso de fórmulas próprias de financiamento, sem contar com o financiamento público, destaca-se o UPyD, que articulou um sistema de contribuições monetárias através de títulos, com o compromisso de retornar o montante pago, se o resultado da eleição foi satisfatório; e o PODEMOS, que recentemente ganhou representação a partir de pequenas doações feitas por particulares com base no crowdfunding[12]e fazendo uso das redes sociais (SANSEVERINO, 2012).

A legislação de financiamento eleitoral e partidário também responde a uma espécie de "auto-compensação" por aqueles que elaboraram as regras. A configuração do modelo de financiamento com inúmeros obstáculos para os novos partidos se tornarem parte do jogo da representação ocorre precisamente porque as leis são elaboradas e aprovadas por aqueles que já integram o sistema tendo, a seu turno, o objetivo de beneficiá-los. A autorregulação ou auto-compensação é, talvez, uma das questões que carrega a imagem mais negativa sobre o sistema público de financiamento dos partidos, demandando que a legislação seja revista a fim de que incorpore critérios defendidos pela doutrina para promover a igualdade de participação entre os diferentes partidos políticos (SANZ MORENO, 2012).

Como parte da lei aplicável aos partidos, a legislação sobre o financiamento sofre das mesmas deficiências que impedem a abertura do sistema, criando uma barreira de entrada para novos partidos políticos e causando em última análise, uma concentração da representação institucional. A imagem transmitida pela legislação vigente é o objetivo de legitimar os interesses de algumas elites políticas, o que contribui para a legitimação do próprio sistema. Além disso, o sistema de financiamento dos partidos na Espanha é caracterizada pela fragmentação entre o financiamento eleitoral e financiamento regular; e, ao mesmo tempo, entre o financiamento direto e financiamento indireto. Mas não é só isso, há também diferenças de financiamento, dependendo da área geográfica, uma vez que os partidos recebem subsídios de representação pública obtidos pelos parlamentos autônomos nos conselhos provinciais e municípios. Esta fragmentação do sistema faz com que seja difícil o controle pelo Tribunal de Contas (LULA, 2012).

Por fim, ressalte-se a falta de transparência dos partidos políticos ao publicar as suas contas. Não é fácil saber como um partido político foi financiado e o financiamento ilegal ocorre com grande frequência. Também não é fácil para os órgãos que controlam as finanças dos partidos identificar se os subsídios recebidos estão sendo destinados para a finalidade para a qual foram concebidos ou se estão sendo utilizados para outros fins; e, é muito difícil detectar movimentações de dinheiro alheias ao financiamento regular, sendo possível encontrar um grande índice de partidos financiados prioritariamente com recursos ilegais (SILVA e XAVIER, 2014).

1.3 Financiamento em Portugal

Em Portugal, o modelo financiamento passou por uma série de alterações ao longo da história. Assim, no período compreendido entre 1974 e 1993, no que tange às fontes de financiamento, os dispositivos legais previam apenas que:

I - as despesas de candidatura e campanha eram suportadas pelos respectivos partidos políticos;

II - eram proibidas as contribuições de pessoas coletivas (nacionais e estrangeiras);

III - eram proibidas as contribuições pecuniárias de pessoas singulares estrangeiras;

IV - no caso de eleições presidenciais e autárquicas eram permitidas, respectivamente, as contribuições de pessoas singulares que fossem subscritoras das candidaturas presidenciais ou das candidaturas apresentadas por grupos de cidadãos (RODRIGUES, 2007, s.p).

Em 1993, dentre as novas fontes de custeio, passou-se a permitir as doações feitas por pessoas coletivas e a prever a subvenção por parte do Estado (RODRIGUES, 2007).

Em relação às doações feitas por pessoas coletivas, no caso de partidos políticos, requeria-se uma certificação emitida por órgão competente. O teto máximo de contribuições oriundas de pessoas físicas não podia exceder a cem salários mínimos nacionais mensais por pessoa, e quando excediam quinze salários mínimos nacionais mensais deveriam ser feitas obrigatoriamente em cheque. Para as pessoas coletivas, o teto por pessoa também era de cem salários mínimos nacionais mensais, no entanto, no montante geral, não poderia ultrapassar 1/3 do limite legal de despesas (RODRIGUES, 2007).

A legislação também proibia empréstimos e doações feitas por empresas públicas, sociedades de capitais exclusiva ou majoritariamente públicos, empresas que detinham a concessão de serviços públicos, sindicatos e doações de pessoas coletivas estrangeiras (JACOB, 2016).

Em 1993 surgiu um regime exclusivo para as despesas, o qual instituiu a obrigatoriedade de discriminação por categorias e de junção às contas de um documento de certificação relacionado a cada despesa cujo valor excedesse a cinco salários mínimos nacionais mensais (RODRIGUES, 2007).

Em 1998, preservou-se o regime anterior acrescendo-se a proibição de receber contribuições indiretas que fossem objeto de pagamento feito por terceiro de despesas que aqueles usufruam, fora do teto consentido para as doações (RODRIGUES, 2007).

No ano de 2001, com o advento da Lei 23/2000 foi acrescida a seguinte ressalva, no que tange à proibição de doações por pessoas coletivas: exceto a possibilidade de obter empréstimos junto a instituições financeiras. Quanto às doações feitas por pessoas físicas, o limite foi reduzido, passando de cem para oitenta salários mínimos nacionais mensais e as doações anônimas foram limitadas a quinhentos salários mínimos nacionais mensais (RODRIGUES, 2007).

No entanto, o conceito de despesas de campanha só foi definido no ano de 2001: as que, possuindo esse fim, sejam efetuadas a partir da publicação do decreto que define a data do pleito eleitoral até a efetiva realização das eleições. Passou também a exigir que o pagamento de despesas superiores a dois salários mínimos nacionais mensais seja feito em cheque ou através de outras operações bancárias que viabilizem identificar o montante e a entidade beneficiária; e, por fim, determinou que os partidos políticos não poderiam adquirir bens ou serviços de pessoas físicas e coletivas, nacionais ou estrangeiras, por valores menores que os praticados no mercado (RODRIGUES, 2007).

Atualmente, é a Lei 19, de 20 de junho de 2003 que rege o financiamento de campanhas eleitorais em Portugal, que prevê as seguintes fontes:

[...] subvenção estatal; contribuição dos partidos políticos que apresentem ou apoiem candidatos, donativos de pessoas singulares apoiantes de candidatos a Presidente da República e apoiantes de grupos de cidadãos eleitores; produto de atividades de angariação de fundos durante as campanhas (JACOB, 2016, p.43).

No que diz respeito à repartição da subvenção estatal, o artigo 18 dispõe sobre o percentual que deve ser atribuído aos partidos políticos e aos candidatos que atendam os requisitos mínimos nos resultados das eleições (MIRANDA, 2007).

O artigo 19 dispõe sobre a transparência das despesas e aponta a necessidade de anexar documentos certificando cada gasto e pagamento realizado que, a princípio, deverá ser feito junto à instituição bancária. Para fins de financiamentos considera-se despesas eleitorais todas aquelas efetuadas por candidatos e partidos políticos, visando um benefício eleitoral em um lapso temporal de seis meses e que tenha cada ato de despesa documentado (RODRIGUES, 2007).

Também o artigo 20 do mesmo diploma legal dispõe sobre os limites de despesas da campanha eleitoral, a necessidade de abrir conta bancária específica e de constituir um mandatário financeiro para ficar responsável por cada conta de campanha[13].

1.4 Financiamento na Alemanha

No período pós-1945 a Alemanha se mostrou alheia a um debate sério sobre o financiamento de campanhas eleitorais, apesar da experiência bem documentada de outras democracias parlamentares sobre a limitação de gastos de campanha. Isto pode ser atribuído, em parte, ao artigo 5 da Constituição, que garante a liberdade de expressão reforçada pela Seção 10 da Convenção Europeia dos Direitos Humanos. Embora estas disposições não proíbam explicitamente o controle dos gastos ou doações, o viés de laissez-faire encontra-se implícito. Além disso, os legisladores e os partidos políticos mostraram-se relutantes em impor restrições (ZÍLIO, 2012).

De 1968 a 1992 a Alemanha fez uso predominantemente do financiamento público direto mas até mesmo em países onde predominou o financiamento exclusivamente público, a legislação mudou. A Alemanha em 1994 reformou a legislação sobre o assunto e permitiu o aporte privado em um sistema denominado de matching funds, que os aportes públicos não podem superar os privados arrecadados.

O financiamento de campanhas eleitorais na Alemanha é realizado com grande participação de recursos do Estado aliada ao incentivo às doações de particulares. Os recursos públicos são repassados às agremiações na proporção do valor que o partido arrecadou na esfera privada.

Explicando o sistema de financiamento alemão, Lima (2008, p. 86) preleciona:

[...] em vigor prevê o direito dos partidos políticos a serem restituídos pelo Estado pelos gastos realizados nas campanhas eleitorais, em função do número de votos obtidos. Também limita o financiamento estatal ao mesmo montante do aporte privado obtido pelo partido naquele ano (limite relativo), e um valor máximo estabelecido para todos os partidos (limite absoluto).

O Relative Obergrenze[14] regulamenta a subvenção estatal, de forma que o montante de recursos públicos não pode superar os recursos recebidos pelo partido de fontes próprias. É denominado limite relativo por duas razões: a primeira é que seu teto é condicionado aos valores recebidos no cenário privado e, a segunda, em razão de haver um limite global ou absoluto (BACKES, 2013).

No que tange ao Absolute Obergrenze, teto absoluto de recursos públicos, Backes (2013) estatui, com fundamento na legislação alemã, que este limite refere-se à soma dos recursos recebidos do Estado por todos os partidos e não pode transcender o teto fixado por lei para os gastos estatais com os partidos, como forma de garantir que a divisão dos recursos não alcance avultadas diferenças de um partido para outro, assim como também não onere os cofres públicos.

Esse formato de financiamento misto adotado pelo ordenamento jurídico da Alemanha é reconhecido como exemplo de transparência e equilíbrio na distribuição dos recursos de campanhas eleitorais. Sobre essa questão Kanaan (2012, p. 278) afirma que:

O sistema alemão, [...] apesar de adotar um sistema de financiamento estatal para os partidos políticos, apontado como exemplo de transparência e de maior controle financeiro do mundo, também se destaca por ter uma legislação que incentiva ao máximo o financiamento privado para campanhas eleitorais.

Igualmente tecendo elogios ao modelo alemão, Lima (2008), ao traçar um panorama com fundamento nas opiniões de especialistas alemães e de outros países, ressalta que este sistema parece ser o mais transparente e o que torna possível o maior controle financeiro em todo o mundo, no que tange à atividade financeira das agremiações políticas. Desta feita percebe-se que, o sistema alemão funciona de uma forma que viabiliza o equilíbrio entre as doações privadas e as subvenções concedidas pelo Estado.

No que diz respeito ao financiamento público, a Alemanha foi precursora da implantação deste sistema na Europa, como bem demonstra Backes (2013, p. 6-7):

A Alemanha foi um dos primeiros países a adotar o financiamento público para os partidos políticos, já no final da década de 1950. Em 1967 tomou a forma de Lei federal, a Lei de Partidos, de 24/7/1967, [...]. Inicialmente, o financiamento se direcionava apenas à reposição dos custos de campanha, acontecendo apenas nos anos de eleições; posteriormente, em 1994, a lei foi alterada, e o financiamento deixou de ser apenas eleitoral. Os recursos públicos são distribuídos anualmente, e não existe previsão de uma quantia extra destinada aos gastos eleitorais [...].

Assim, além dos tetos relativo e absoluto, a legislação alemã estabelece que as subvenções estatais sejam distribuídas em conformidade com os votos que as agremiações tenham recebido em suas listas, em âmbito nacional, ou no número de candidatos eleitos no distrito, bem como, consoante mencionado alhures, com fulcro no percentual de doações feitas por particulares, o que contribuir para erradicar a prática dos "caixas-dois" de campanha, pois os recursos privados não declarados elide o direito ao correspondente financiamento estatal.

Também, qualquer violação às normas estabelecidas implica na perda do direito de receber a restituição parcial de despesas, limitada ao dobro do valor de doações recebido ilegalmente, o que colabora para corrigir as distorções no que se refere à transparência e omissão na declaração das subvenções recebidas (SCHLINCKMAN, 2010).

Os recursos são distribuídos aos partidos conforme se constata dos valores a seguir elencados por Backes (2013, p.7):

a) 0,70 euros para cada voto que o partido tenha recebido em sua lista para as eleições nacionais ou europeias;

b) 0,70 euros para cada voto que o partido receba em distrito de um estado em que o partido não tenha apresentado lista;

c) 0,38 euros para cada euro que o partido tenha recebido por doação de filiados, de portadores de mandato ou doações regulares, até o limite de 3.300 euros por pessoa física.

Recebem as doações referidas nos itens a) e c) aqueles partidos que tenham recebido para suas listas 0,5% dos votos nacionais ou 1% dos votos no estado; as doações do item b) são distribuídas aos partidos que façam 10% ou mais dos votos do distrito.

As entidades privadas que fazem doações aos partidos e campanhas eleitorais da Alemanha variam muito em seus objetivos e estatuto legal, não sendo fácil fazer generalizações. O financiamento privado advém de: empresas comerciais, associações sociais, profissionais e culturais, igrejas, sindicatos, grupos de lobby, agremiações sociais e profissionais (ZÍLIO, 2012).

Lado outro, o atual cenário dos financiamentos de campanhas eleitorais na Alemanha não institui limites para as doações feitas por particulares, pessoas físicas e jurídicas, no entanto, sobre esse aspecto Lima (2008, p. 86) explica que:

Como forma de incentivo às doações dos particulares aos partidos, a legislação alemã prevê um sistema de isenção fiscal, em percentual decrescente em função do valor do valor da doação, com a finalidade de desestimular a doação de quantias vultosas, ao mesmo tempo em que incentiva pequenas doações, como forma de minimizar os a influência dos mais abastados nos resultados eleitorais.

Ressalte-se que para que o contribuinte particular faça jus à isenção fiscal, sua contribuição precisa estar contabilizada nos apontamentos pertinentes, o que estimula o doador privado a exigir que sua doação seja registrada.

Assim, o sistema de financiamento de campanhas alemão, ao criar um parâmetro de subvenção pública para o partido com fundamento no montante de doações recebido de particulares e ao conceder isenção fiscal aos doadores, motiva um interesse recíproco pela declaração dos valores doados, pois caso contrário, ambos os lados perdem benefícios, o que torna este modelo um importante instrumento para assegurar a lisura e transparência das doações de recursos às campanhas eleitorais.

Críticos do financiamento público na Alemanha argumentam que esta modalidade cria uma dependência dos políticos quanto a estes recursos afastando as agremiações dos eleitores (ZÍLIO, 2012).

O caso alemão contradiz a tese de que os subsídios desencorajam a possibilidade de recrutar um grande número de membros ou a possibilidade de se realizar campanhas intensivas, uma vez que o nível de subsídios recebido por uma das partes é determinado pelo número de militantes que paga a taxa e sua força eleitoral. O elevado número de membros manteve-se inalterada e o número de eleitores aumentou em ambas as eleições para o Bundestag desde as reformas introduzidas em 1992, mas não necessariamente por esse motivo.

1.5 Financiamento nos Estados Unidos

O atual sistema de financiamento de campanhas eleitorais e partidos adotado pelos Estados Unidos é misto, com doações feitas por pessoas físicas na esfera privada e contrapartidas diretas do Estado no custeio das agremiações políticas e para os candidatos à eleição presidencial. No entanto, as campanhas nos Estados Unidos utilizam principalmente o financiamento privado como forma de exercer a liberdade de expressão e discurso político.

Antes de 1970, não havia praticamente nenhuma regulamentação eficaz sobre o financiamento de campanhas nos Estados Unidos, exceto limites de contribuições e gastos aprovados pelo Congresso ocasionalmente, o que não demonstrou eficácia. Com o surgimento da televisão como uma plataforma de massa para as campanhas políticas, a preocupação aumentou, surgindo a necessidade de impedir que candidatos representem os interesses dos seus patrocinadores em detrimento dos interesses dos cidadãos, por isso, em 1971 o Congresso aprovou a Lei de campanhas federais (campanha de eleição federal Act -FECA), alterado em 1974 para estabelecer limites às contribuições de campanha e criar a Comissão Eleitoral Federal (FEC, por sua sigla em Inglês) (TELLES, 2009).

O FECA estabeleceu um modelo de financiamento público parcial para campanhas presidenciais em que os contribuintes norte-americanos podem optar, ao pagar seus impostos federais, em doar três dólares para financiar as campanhas para as eleições presidenciais, enquanto que os candidatos à presidência podem optar por usar ou não os recursos deste fundo. Assim, durante a fase em que os candidatos definem as nomeações de seu partido, o financiamento público é concedido, com algumas limitações, tais como ocorre com os fundos de hedge ou fundos de contrapartida: por exemplo, se o candidato levantou US $ 250.000 em doações, receberá 250.000 dólares de financiamento público. Uma vez que cada parte realiza a sua convenção nacional, o candidato também pode optar por receber o montante do financiamento público reajustado anualmente pela inflação (SPECK, 2012).

Assim, diz-se que o financiamento de campanha nos Estados Unidos é fundamentalmente privado por uma razão prática, porque o financiamento público é limitado e exige que os candidatos limitem seus gastos de campanha a um determinado montante. Por exemplo, em 2008 o limite de financiamento público foi de 84 milhões de dólares e Obama foi o primeiro candidato presidencial nas eleições gerais, que rejeitou o financiamento público. Apesar de que para um cidadão comum 84 milhões pode parecer uma soma muito vultosa, o fato é que na eleição de 2008 Obama gastou cerca de 730 milhões de dólares em sua campanha. Assim, a despesa combinada dos candidatos presidenciais durante as primárias e as eleições gerais de 2008 foi de pouco mais de um bilhão de dólares (SANSEVERINO, 2012).

Em segundo lugar, por uma razão mais ideológica, porque através de vários precedentes legais de 1976 a 2010, o Supremo Tribunal de Justiça esclareceu que a limitação legal de contribuições privadas às campanhas diretas é válida e legítima para enfrentar a corrupção[15].

Assim, o financiamento privado vem de indivíduos ou grupos de interesse. Os indivíduos são livres para doar a um grupo de candidato, partido político ou interesse organizado, desde que sejam cidadãos ou residentes permanentes dos Estados Unidos. Um aspecto peculiar que se destaca é que não há restrições de idade, de modo que os menores podem fazer contribuições, sempre que eles o fizerem com o seu próprio dinheiro de forma voluntária (SANSEVERINO, 2012).

Por outro lado, grupos de interesse organizados, principalmente clubes, empresas e sindicatos[16] podem fazer contribuições para fins políticos, desde que estabeleçam comitês de ação política (PAC) que de forma independente, trabalham para apoiar certos candidatos, promover uma legislação específica ou promover determinada agenda política. É interessante que as corporações e os sindicatos podem ter, inicialmente, uma pequena parcela de sua renda para constituir as comissões, mas uma vez constituídos, são os Comitês que devem buscar pelos seus próprios recursos (TELLES, 2009).

Os assim - chamados Super PACs, surgiram em 2010 como a principal forma de financiamento de campanhas privadas. São comissões de despesas independentes que podem financiar candidatos e partidos, sem limitações. Ao contrário dos PACs, os Super PACS não podem fazer doações diretamente para as campanhas dos candidatos. Os Super PACs também não podem fazer uma chamada direta para que se vote em um candidato, então, normalmente o candidato beneficiário limita-se a aprovar a mensagem que será veiculada pela propaganda patrocinada pelo Super PAC.

Para elucidar o impacto dos Super PACs nas campanhas eleitorais, de acordo com o Center for Responsive Politics, a partir de 16 de Fevereiro, 2016, os Super PACs deverão informar aos fundos equivalentes FEC quando levantarem mais que $ 515.000.000 e no caso de despesas independentes, mais de US $ 208 milhões no processo eleitoral em curso[17].

Esta liberdade irrestrita é o resultado de uma controversa decisão de 2010 no caso Citizens United v. Comissão Eleitoral Federal, em que o Supremo Tribunal dos Estados Unidos decidiu que, embora as corporações e os sindicatos não são, literalmente, pessoas são associação de pessoas que também têm o direito à liberdade de expressão protegida pela Primeira Emenda. Uma vez que, tal como indicado no Buckley v. Valeo, os gastos com processos eleitorais são essenciais para assegurar a liberdade de expressão, restringir o poder de uma despesa do Super PAC é inconstitucional porque restringe severamente a capacidade dos seus membros para associar e expressar-se em questões políticas[18].

Na perspectiva americana, a captação de determinados recursos é proibida. Dentre as fontes que são vedadas, Telles (2009, p. 225)  ensina que:

Nos Estados unidos, são proibidos de fazer qualquer contribuição para campanhas eleitorais - seja no plano federal, estadual ou local - os estrangeiros não titulares de green card (visto permanente). Além das pessoas físicas, são proibidos [...] de fazer contribuições para campanhas eleitorais os governos estrangeiros e os partidos políticos estrangeiros, bem como as sociedades, associações, empresas, organizações ou outra combinação de pessoas constituída sob leis estrangeiras ou com sede de seus negócios em um pais estrangeiro.

Ademais, as vedações às entidades retromencionadas não se aplicam apenas às doações de campanha, mas a todo gasto que possa interferir no deslinde das campanhas eleitorais, inclusive pela via oblíqua, como por exemplo, fazer doação a um cidadão americano para que este a seu turno efetive o donativo à campanha.

Telles (2009) explica também que não são permitidos nos Estados Unidos os recursos advindos de instituições financeiras, empresas[19]e sindicatos. Porém, é importante salientar que a Suprema Corte Americana não obsta as doações diretas feitas por empresas de mídia - jornais, revistas, emissoras de rádio, televisão e Internet -, que podem divulgar matérias, editorais ou tecer comentários a favor de um ou outro candidato sem que isso seja entendido como uma doação ou gasto sujeito às restrições legais. Além do que, precedentes da Suprema Corte Americana acabaram mitigando a proibição de doações feitas por pessoas jurídicas, restando efetiva somente a vedação referente à doação direta.

Nesse contexto, Speck (2012, s.p) apresenta pertinente análise sobre a questão, enfatizando as concepções antagônicas dos Poderes Legislativo e Judiciário americano. Segundo o autor:

O confronto entre o Legislativo reformista e a Suprema Corte conservadora se repetiu em outras ocasiões. Em 2002 o Congresso americano aprovou mudanças, fechando algumas brechas que permitiam que empresas e cidadãos investissem recursos ilimitados nas campanhas. Em 2010 veio a resposta da Suprema Corte com a decisão Citizens United vs. FEC, derrubando as novas regras com base na liberdade de expressão. Pela interpretação da Corte as empresas se igualam aos cidadãos no acesso a este direito, uma interpretação que surpreendeu especialistas. As empresas e cidadãos abastados podem produzir e veicular propaganda eleitoral a favor ou contra candidatos sem limites financeiros. Apenas está vedada a doação direta aos candidatos e a coordenação das atividades com os candidatos.

Outrossim, no sistema ora em análise são legais as doações feitas por pessoas físicas, no limite de dois mil e seiscentos dólares por candidato para cada eleição primária e geral, ficando o limite totalizado em cento e vinte três mil e duzentos dólares a cada dois anos, não sendo considerada a renda, sendo este limite aplicável a todos os doadores.

Esse limite fixo atribuído a cada candidato tem por objetivo, como explica Telles (2009), bloquear o financiamento às eleições como via de acesso dos interesses especiais às decisões governamentais, ou seja, evita-se que aqueles mais abastados financeiramente façam doações para candidatos como forma de, caso sejam eleitos, tomem providências que beneficiem os interesses privados do doador.

Por outro lado, conforme explica Kanaan (2012, p.280), "nos Estados Unidos, o financiamento público é direto, mas parcial, para campanhas e convenções apenas em relação à eleição presidencial" e, desta forma, ocorre o repasse de subvenções públicas diretamente aos candidatos ou agremiações políticas, sendo que esse sistema é restrito às eleições presidenciais.

Outro aspecto relevante é que os valores do financiamento público demonstram quantias variáveis em eleições primárias e fixas nas eleições gerais. As eleições primárias podem ser equiparadas às convenções partidárias, pois servem para indicar os candidatos que irão concorrer às eleições gerais, ou seja, os que vencem as eleições primárias concorrem nas eleições gerais, e são nestas últimas que os cargos políticos em disputa são preenchidos.

Destarte, o formato de financiamento público adotado pelos Estados Unidos nas eleições primárias é similar ao modelo adotado pela Alemanha, já que as subvenções públicas são repassadas aos candidatos na proporção de doações privadas recebidas, que são os chamados matching funds, onde o repasse ocorre, como enfatizado por Telles (2009, p. 248-249).

Tal como ocorre com os candidatos, os partidos políticos norte-americanas também fazem jus aos recursos estatais para financiar as convenções partidárias para eleger os candidatos presidenciáveis (Telles, 2009, p. 251).

Ressalte-se que a percepção dos matching funds, bem como do valor fixo atribuído à eleição geral, é facultativo, assim o candidato que se adequar aos requisitos acima enumerados não estão obrigados a receber os recursos estatais, podendo, se desejar, levantar os recursos para sua campanha junto ao setor privado. Sobre essa particularidade Speck (2012, s.p) explica que:

Os candidatos podem aceitar "matching funds" para as eleições primárias e financiamento público exclusivo para as eleições gerais. Até as eleições de 1996 os candidatos aceitaram estes fundos públicos sem exceção. Depois o sistema começou a entrar em colapso, porque as campanhas se tornaram mais caras e os valores do financiamento público não foram ajustados. Nas eleições de 2012 ambos os candidatos dispensaram os recursos públicos [...]

Em suma, estas são as características mais relevantes afetas ao sistema de financiamento de campanhas eleitorais norte-americano, sendo mister observar, também, que neste sistema os dados que referem-se aos recursos captados nas campanhas são divulgados simultaneamente à captação do recurso, o que faz com que a fiscalização destes proventos seja mais fácil. Nesse sentido Sanseverino (2012, p. 267) explicita que:

[...] nos Estados Unidos da América qualquer pessoa pode entrar no site e verificar quem doou recursos, quando, para quem e quanto. Os partidos também têm que prestar constas nesse mesmo site da saída de dinheiro. Por consequência, fica mais difícil que haja recursos não contabilizados, o uso do caixa dois, porque a sociedade pode verificar se o conjunto de atividades é muito discrepante dos seus gastos declarados

Desta feita, as normas que regem o sistema de financiamento de campanhas norte-americano são projetadas com o objetivo de coibir a influência exacerbada do poder econômico nos pleitos eleitorais, apresentando grandes avanços no que tange à transparência dos recursos captados, que, conforme mencionado alhures, se dá ao mesmo tempo em que são arrecadados.

2. CONCLUSÃO

Constata-se que as normas que regulam o financiamento de partidos e campanhas no só no Brasil, como em outros países, tem se dedicado a restringir as fontes doadoras. A questão da igualdade na disputa e participação, através do estabelecimento de limites de receitas e gastos não é preocupação prioritária exclusiva dos legisladores brasileiros.

Assim, resta evidente a necessidade de normas eficazes no controle e na transparência do financiamento político.

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[1] A primeira coabitação refere-se a um momento da política da Cinquième République Francesa, que vai de 1986 a 1988 sob o governo de Jacques Chirac.

[2] L’affaire Urba: nos contratos públicos, as empresas deveriam efetuar o pagamento, através de faturas falsas, no valor de 2% a 4% do valor praticado pelo mercado para um fundo secreto que financiava o Partido Socialista Francês.

[3] Nome dado em homenagem ao primeiro-ministro francês na época, Michel Rocard.

[4] Período da história em que a Espanha foi governada pelo general Francisco Franco Bahamonde.

[5] Os votos conferidos às listas que não elegeram pelo menos um candidato não são considerados para este fim.

[6] Artículo 17, Lei 5/85, Ley Orgánica del Régimen Electoral General-LOREG Subvención de gastos en elecciones al Congreso y Senado 1. El Estado subvenciona los gastos que originen las actividades electorales de acuerdo con las siguientes reglas: [...] 2. Para las elecciones a las Cortes Generales o a cualquiera de sus Cámaras, el limite de los gastos electorales será el que resulte de multiplicar por 0,37 euros el número de habitantes correspondientes a la población de derecho de las circunscripciones donde presente sus candidaturas cada partido, federación, coalición o agrupación.

[7] Artículo 128, Lei 5/85, Ley Orgánica del Régimen Electoral General-LOREG 1. Queda prohibida la aportación a las cuentas electorales de fondos provenientes de cualquier Administración o Corporación Pública, Organismo Autónomo o Entidad Paraestatal, de las empresas del sector público cuya titularidad corresponde al Estado, a las Comunidades Autónomas, a las Provincias o a los Municipios y de las empresas de economía mixta, así como de las empresas que, mediante contrato vigente, prestan servicios o realizan suministros u obras para alguna de las Administraciones Públicas.

[8] Partido de esquerda fundado em 2014. Apesar de ter sido fundado recentemente é o quarto partido que recebe mais votos na Espanha.

[9] Após sua fundação, em menos de uma semana foi o partido político espanhol que angariou mais seguidores nas redes sociais, superando os partidos tradicionais espanhóis.

[10] Financiamento compartilhado.

[11] A Lei Orgânica 8 de 4 de julho de 2007, sobre financiamento de partidos políticos, é a lei atualmente em vigor que regula a matéria do financiamento dos partidos na Espanha. Foi modificada recentemente pela 5 de 22 de outubro de 2012 em alguns de seus aspectos relevantes.

[12] É uma forma de cooperação coletiva para fazer avançar projectos e iniciativas. No campo político, tem sido usado para financiar campanhas eleitorais. Os valores das contribuições são diversos, mas predominam as pequenas contribuições.

[13] Do mesmo modo que é estabelecido pela legislação brasileira - Lei 19/2003, arts. 15 e 21,

[14] Limite relativo

[15] Buckley v. Valeo. Disponível em: <https://translate.googleusercontent.com/translate_c?depth=1&hl=pt-BR&prev=search&rurl=translate.google.com.br&sl=es&u=https://www.law.cornell.edu/supremecourt/text/424/1&usg=ALkJrhh8wnP18yVgf_Fy6gwldZIwBjNWKg>. Acesso: 20 janeiro 2017.

[16] Os grupos de interesse podem fazer contribuições, desde que não sejam beneficiados por isenções fiscais.

[17] CENTER FOR RESPONSIVE POLITICS. SuperPAC’s. Disponível em: <https://translate.googleusercontent.com/translate_c?depth=1&hl=pt-BR&prev=search&rurl=translate.google. com.br&sl=es&u=https://www.opensecrets.org/pacs/superpacs.php&usg=ALkJrhhsi6j880S7kjSulZaMbDQIuRwDvQ>. Acesso: 20 de janeiro 2017.

[18] CENTER FOR RESPONSIVE POLITICS. SuperPAC’s. Disponível em: <https://translate.googleusercontent.com/translate_c?depth=1&hl=pt-BR&prev=search&rurl=translate.google. com.br&sl=es&u=https://www.opensecrets.org/pacs/superpacs.php&usg=ALkJrhhsi6j880S7kjSulZaMbDQIuRwDvQ>. Acesso: 20 de janeiro 2017.

[19] Vedação federal, no entanto alguns Estados Federados admitem estes recursos.