Quando comecei a trabalhar na área, em 1993, o Direito Ambiental ainda não era ensinado nas Faculdades e discutia-se se, um dia, iria se tornar uma disciplina autônoma. Lembro de discussões acaloradas e divertidas com o meu amigo, Márcio Camarossano, sobre a natureza do Direito Ambiental.
Hoje, estas discussões estão superadas e reconhece-se o caráter autônomo do Direito Ambiental, por ter objeto definido, valores específicos e adequação ao real, cumprindo, portanto, os pressupostos da tridimensionalidade mencionados pelo querido Prof. Miguel Reale na sua Teoria Tridimensional do Direito.
Em 1993, ao aceitar um cargo, como Procuradora, na recém criada Secretaria do Verde e do Meio Ambiente do Município de São Paulo, confesso que desconhecia completamente o universo em que estava mergulhando. E, como processualista, que era minha devoção até então, descobri que teria que aprender muita coisa. O conhecimento técnico do Direito não era suficiente para atuar na área.
Tive o prazer de conhecer e a sorte de trabalhar com pioneiros da defesa ambiental (sim, daqueles que abraçavam árvores) e aprendi muito com todos eles, mas o melhor conselho veio do meu chefe, o Eng. Werner Zulauf que me recomendou abandonar o processo civil e cursar uma especialização em gestão ambiental na Faculdade de Saúde Pública.
Esse conselho, tão útil, eu replico aos advogados que trabalham comigo e percebo a transformação de cada um à medida em que, como aconteceu também comigo, desvendam os meandros da geologia, da química, da biologia, da medicina, e começam a aterrissar seus conhecimentos no mundo real. É um exercício de humildade, em que nos obrigamos a ouvir outras vozes que não apenas a nossa e que nos faz capazes de sentar à mesa com autoridades e técnicos, podendo entender e contribuir para o debate.
Aos poucos, ao reconhecer a importância de outros saberes, o advogado ambiental compreende que o Direito Ambiental não é um fim em si mesmo; ele é instrumental. E o que quer dizer isto?
O conhecimento na área ambiental é transversal. Não dá para isolar um compartimento como o solo, por exemplo, e tentar compreendê-lo apartado da água, dos impactos sobre as atividades que ali são desenvolvidas e como isto afeta a vida das pessoas. Nessa dimensão, o Direito entra como um instrumento de proteção da dinâmica da vida e aquele que tentar compreendê-lo fora desse contexto, não chegará a conclusões válidas.
O mesmo ocorre quando trabalha assessorando as atividades produtivas. O advogado ambiental precisa ser capaz de entender a dinâmica do negócio e os fluxos da produção para compreender como o direito se entrelaça nesse contexto.
Isto faz com que o advogado ambiental não fuja ao desafio da análise de laudo físico químico, de um relatório de engenharia, de uma avaliação de passivo ambiental. E, não! Estas não são questões técnicas que só os especialistas podem entender. O advogado precisa saber interpretar os relatórios para compreender sua repercussão na realidade e aconselhar o cliente de forma adequada. O profissional deve ser capaz de compreender eventuais fragilidades técnicas e encontrar caminhos de prevenção e reação eficazes.
Sem a compreensão estratégica, o Direito Ambiental não faz sentido e a advocacia perde a aderência ao real.
O advogado ambiental deve se preparar também para abandonar, muitas e muitas vezes, o conforto do escritório e ir a campo. Deve ir ver com seus próprios olhos o que está acontecendo e procurar escutar para aprender. Boots on the ground! (em outras palavras, saia da cadeira)
Essa compreensão nos leva a entender como a dinâmica das cidades. Os aglomerados humanos que contam com habitações subnormais, desprovidas de saneamento básico propiciam, por exemplo, propiciam um ambiente favorável a propagação de doenças, como vemos agora, na pandemia do coronavírus. A pobreza e a degradação ambiental andam lado a lado, alimentando-se mutuamente.
A advocacia ambiental exige ética, além de preparo técnico e jurídico porque o Direito Ambiental se sustenta na realidade. A realidade deve ser compreendida pelo advogado para que ele não seja mero coadjuvante, mas um ator relevante no desenho estratégico.
Quando conto que trabalho na área ambiental, muita gente suspira e pensa que eu passo o dia pensando em baleias azuis e micos-leão dourados. É muito menos charmoso, devo confessar. A realidade é recheada de resíduos sólidos e áreas contaminadas. Mas eu aprendi a adorar esses desafios imensos. E aprendi, ao longo de mais de 30 anos de advocacia pública e privada que o que fazemos nenhum algoritmo vai conseguir fazer melhor, porque somos movidos pelo sentimento reverente e apaixonado pelo planeta em que nascemos. Esta é uma área que não funciona sem paixão.

