A ideia, por si só, não encontra oposição: simplificar tributos, acabar com a guerra fiscal e reduzir o custo Brasil. A Emenda Constitucional nº 132/2023 introduziu em nosso sistema tributário uma transformação total, centrada na instituição do IBS e da CBS, e a transição do sistema atual para o novo exigirá muita atenção.
A criação de novos tributos com hipóteses de incidência unificadas não eliminará, por si só, a possibilidade de conflito entre autoridades fiscais e contribuintes, ou seja, a coexistência de regimes, a interpretação e aplicação de critérios de creditamento, a definição de competências, entre outros aspectos, abrirão espaço para discussões inéditas, a depender da regulamentação ainda pendente de ser elaborada.
O próprio Superior Tribunal de Justiça antecipou o risco de multiplicação de processos caso não seja estruturada uma forma de integração entre os fiscos que possa evitar, por exemplo, que um mesmo fato gerador possa gerar três execuções fiscais autônomas e múltiplas ações de defesa, com possibilidade de deslocamento de competência e dispersão jurisprudencial.
É nesse contexto que temos observado algumas iniciativas da máquina pública: a Advocacia-Geral da União editou a Portaria Normativa nº 174/2025, fixando interpretações iniciais, enquanto o CNJ instituiu grupo de trabalho para propor a reestruturação do contencioso tributário mediante a criação de um foro nacional tributário, a reorganização de competências e novas modelos de ações diretas perante o STJ.
A nossa postura diante dessa realidade, que recomendamos também aos nossos clientes e parceiros, não é apenas de acompanhar e criticar essas mudanças, mas também de projetar ou simular os seus efeitos práticos e, além disso, ponderar sobre a conveniência ou até necessidade de se tomar determinadas atitudes concretas.
Dentre as atitudes que consideramos necessárias, está o ajuizamento de ações que envolvam o regime vigente como forma de preservar direitos e posições jurídicas antes da migração definitiva para o novo sistema.
Em muitos casos, essa pode ser a última oportunidade de se discutir judicialmente benefícios fiscais, regimes especiais, créditos acumulados e parâmetros de apuração ainda no sistema atual e abrir mão dessa atitude pode resultar em impactos financeiros relevantes e irreversíveis.
A jurisprudência recente dos Tribunais tem sinalizado com clareza: ao modular efeitos das decisões, limitam-se os benefícios a quem já discute o tema judicialmente, ou seja, deixar para depois pode significar nunca mais. Some-se a essa percepção o julgamento recente do STJ sobre o marco temporal da compensação tributária, reafirmando que direitos não formalizados tempestivamente podem ser definitivamente inviabilizados.
Deixar de avaliar e endereçar, nesse momento de transição entre sistemas, discussões jurídicas estratégicas, poderá ser interpretado futuramente como falha na condução do dever fiduciário e na preservação do patrimônio empresarial.
A despeito das confusões trazidas por atitudes predatórias em torno de algumas teses mirabolantes, adotar uma postura preventiva neste momento é fundamental.
Ponderar seriamente sobre a discussão de teses tributárias no sistema atual, mesmo que seja para ratificar a decisão de não adotar essa ou aquela tese, não apenas assegura maior previsibilidade jurídica — com competências e precedentes já consolidados — mas também evita a exposição a um ambiente processual inédito, com novas instâncias e inúmeras incertezas que podem tornar a defesa dos direitos dos contribuintes ainda mais desafiadora.
O momento exige visão estratégica, mediante o mapeamento de temas sensíveis, a avaliação sobre a conveniência de ajuizar discussões em torno de teses relevantes ao negócio e a reestruturação da governança e do compliance tributário são medidas que definirão, para cada empresa, o nível de eficiência e segurança com que atravessará esses próximos anos de transição.
A reforma vai trazer muitas mudanças nas regras desse "jogo", mas é certo que a vantagem estará com quem já estiver em campo e bem-preparado, não apenas torcendo nas arquibancadas.
Marina Pires Bernardes é sócia do setor tributário do CSA Advogados*

