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Alienação Fiduciária de Imóveis: limites à locação pelo Devedor Fiduciante

Por Autor: Eliza Segatelli Cichella

28 de October 15h52

13/05/2025

A alienação fiduciária de bem imóvel, regulamentada  pela Lei nº 9.514/97, constitui importante ferramenta de garantia  utilizada por instituições financeiras, sobretudo nas operações de  crédito com garantia real. Nesse regime jurídico, o devedor fiduciante  transfere ao credor fiduciário a propriedade resolúvel do imóvel,  mantendo apenas a posse direta do bem até a quitação integral da  obrigação garantida.

Diante da crescente adoção desse instituto como estratégia  de mitigação de riscos na concessão de crédito, surge uma dúvida  recorrente: pode o devedor fiduciante locar o imóvel a terceiros sem a anuência do credor fiduciário?

A resposta demanda atenção ao escopo legal da alienação  fiduciária, que, embora não vede expressamente a celebração de contrato  de locação, impõe limitações ao uso e à disposição do bem pelo devedor.  Tais restrições decorrem do fato de que a propriedade plena do imóvel  permanece com o credor fiduciário até o efetivo adimplemento da dívida.

Portanto, a celebração de contrato de locação do imóvel  objeto da garantia fiduciária exige, necessariamente, a anuência  expressa do credor, sob pena de ineficácia da avença perante este.  Isso porque a locação implica transferência da posse direta a terceiros,  o que altera substancialmente a relação jurídica originalmente  estabelecida. A ausência de concordância do credor compromete a  segurança do negócio e viola os princípios da boa-fé objetiva e da  lealdade contratual.

Essa exigência encontra respaldo legal no art. 37-B da Lei nº 9.514/97, que dispõe:

Será considerada ineficaz, e sem qualquer efeito perante o  fiduciário ou seus sucessores, a contratação ou a prorrogação de  locação de imóvel alienado fiduciariamente por prazo superior a um ano  sem concordância por escrito do fiduciário.

Consolidação da propriedade e retomada da posse

E quando o imóvel for locado sem anuência do credor e,  posteriormente, houver a consolidação da propriedade em favor deste?  Nessas hipóteses, a Lei autoriza o credor fiduciário, agora proprietário  pleno do imóvel, a denunciar a locação e exigir a desocupação do bem,  observando-se os prazos previstos no art. 26-A, § 7º da Lei 9.514/97:

Se o imóvel estiver locado, a locação poderá ser  denunciada com o prazo de trinta dias para desocupação, salvo se tiver  havido aquiescência por escrito do fiduciário, devendo a denúncia ser  realizada no prazo de noventa dias a contar da data da consolidação da  propriedade.

Assim, na ausência de anuência prévia e expressa, a locação torna-se ineficaz perante o credor fiduciário, legitimando a denúncia e a retomada da posse do imóvel no prazo legal.

E se houver anuência do credor fiduciário?

Nesse caso, o credor, ao consentir expressamente com a  locação, assume a posição de sucessor do locador, devendo respeitar  integralmente o contrato de locação até seu termo final. A denúncia  imotivada da locação pelo credor torna-se juridicamente inviável,  assegurando-se a continuidade da relação locatícia com o terceiro.

Destinação dos aluguéis após a consolidação

Outra questão relevante diz respeito à destinação dos  valores de aluguel recebidos após a consolidação da propriedade. Em  regra, os valores passam a ser devidos ao credor fiduciário, na condição de legítimo proprietário do bem. Contudo, quando se trata de Cooperativas de Crédito,  deve-se observar com atenção os limites estatutários da entidade, que  podem vedar o recebimento de receitas alheias às suas finalidades  institucionais, sob pena de caracterização de desvio de objeto e  compromissos fiscais e regulatórios.

Considerações finais

A anuência do credor fiduciário é condição indispensável  para conferir validade e segurança jurídica à locação de imóvel dado em  garantia fiduciária. Sua ausência torna o contrato ineficaz em relação  ao credor, permitindo a denúncia após a consolidação da propriedade.

Para mitigar riscos, preservar a higidez da garantia e  evitar litígios, é imprescindível que eventuais locações sejam  formalizadas com ciência e concordância expressa do credor fiduciário,  em consonância com os ditames legais e os princípios que regem a relação  fiduciária.