A recente decisão da 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça, no julgamento conjunto dos Recursos Especiais nº 2.091.441/SP e nº 2.110.361/SP, confirmou que a concessão de crédito realizada pelas cooperativas a seus associados caracteriza-se como ato cooperativo, não estando sujeita aos efeitos da recuperação judicial.
No caso concreto, a 3ª Turma do STJ acolheu esse entendimento por unanimidade. As cooperativas de créditos interessadas impugnaram a inclusão de dívidas originadas por empréstimos concedidos aos cooperados nos respectivos processos de recuperação judicial. As instituições argumentaram que os contratos são decorrentes de atos cooperativos e, portanto, não poderiam ser submetidos à recuperação judicial.
Ao fundamentar seu voto, o relator, Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, destacou que a concessão de crédito ao associado integra a atividade-fim das cooperativas, nos termos do artigo 79 da Lei nº 5.764/711. Dessa forma, esses contratos devem ser reconhecidos como atos cooperativos.
Com base nesse entendimento e considerando o disposto no parágrafo 13 do artigo 6º, introduzido pela Lei nº 14.112/20202, tais créditos foram classificados como extraconcursais. Na prática, isso significa que eles permanecem fora do alcance da recuperação judicial, permitindo às cooperativas prosseguirem normalmente com cobranças judiciais ou extrajudiciais, sem sofrer suspensão automática de suas execuções.
A decisão do STJ põe fim às divergências que existiam entre tribunais estaduais, empresas em recuperação e credores, reforçando os avanços trazidos pela reforma da Lei nº 11.101/2005, consolidando através deste precedente maior segurança jurídica às operações típicas do cooperativismo de crédito.
A Lei nº 5.764/71, que regula o cooperativismo, define atos cooperativos como aqueles realizados entre a cooperativa e seus associados com o objetivo de atender às finalidades sociais previstas na legislação. Nesse sentido, empréstimos e financiamentos oferecidos pelas cooperativas de crédito a seus cooperados têm finalidade eminentemente social e institucional.
A própria legislação enfatiza que tais operações não se confundem com transações típicas de mercado, distinguindo-se, portanto, das relações comuns entre instituições financeiras comerciais e consumidores.
Além disso, com a reforma introduzida pela Lei nº 14.112/2020 na Lei de Falências e Recuperação Judicial, o dispositivo já citado (art. 6º, § 13º) é expresso no sentido de que não
1 Art. 79. Denominam-se atos cooperativos os praticados entre as cooperativas e seus associados, entre estes e aquelas
e pelas cooperativas entre si quando associados, para a consecução dos objetivos sociais.
2 Art. 6º A decretação da falência ou o deferimento do processamento da recuperação judicial implica:
(…)
§ 13. Não se sujeitam aos efeitos da recuperação judicial os contratos e obrigações decorrentes dos atos cooperativos praticados pelas sociedades cooperativas com seus cooperados, na forma do art. 79 da Lei nº 5.764, de 16 de dezembro de 1971, consequentemente, não se aplicando a vedação contida no inciso II do art. 2º quando a sociedade operadora de plano de assistência à saúde for cooperativa médica. estão sujeitos aos efeitos da recuperação judicial os contratos e obrigações decorrentes dos atos cooperativos praticados pelas cooperativas com seus associados.
Dessa forma, obrigações internas, como os empréstimos entre cooperativa e cooperados, não devem ser incluídas nas discussões judiciais nem integradas na relação de créditos a serem pagos conforme o plano de recuperação apresentado pela recuperanda.
Ao excluir tais contratos do âmbito da recuperação judicial, o legislador preserva a essência do cooperativismo, evitando que medidas restritivas impactem negativamente os ciclos operacionais das cooperativas. Isso porque, a sujeição desses atos poderia ameaçar diretamente a operação e sustentabilidade do sistema, e assim, a alteração legislativa tem o mérito de proteger o sistema cooperativista frente ao aumento das demandas de recuperação judicial.
Portanto, o marco legislativo recente e agora o precedente do STJ evidencia um reconhecimento formal das peculiaridades do modelo cooperativista, visando garantir competitividade e estabilidade às cooperativas diante dos grandes agentes do mercado financeiro.

