Tema dos mais controvertidos e polêmicos - a legalização das drogas no Brasil - foi alvo de minhas leituras no último mês e, diante interessantíssimo artigo intitulado "Legalização de drogas sob a ótica da bioética da proteção", dos autores Luma Costa Pereira, Isabel Silva de Jesus, Ayana de Souza Barbuda, Edite Lago da Silva Sena e Sérgio Donha Yaride, passo a sintetizá-lo para reflexão dos leitores.
Os pesquisadores afirmam que o assunto é tratado de maneira dicotômica e maniqueísta. De um lado, é visto como questão de segurança pública, visando a repressão ao narcotráfico e a punição do usuário. De outro, é entendida como questão de saúde pública, que envolve não apenas a abstinência total ou parcial das drogas, mas, principalmente, a redução dos danos. Qual caminho percorrer?
"Em diversos países, a exemplo da Espanha, Portugal, Itália, Argentina, México e Colômbia, a legalização das drogas já é realidade, apresentando resultados positivos em praticamente todas as nações que a adotaram. Defender a legalização da produção e comercialização não significa fazer apologia ao uso de drogas." Nos países que desenvolveram políticas de legalização (despenalização e descriminalização do usuário) perceberam o dependente como pessoa que precisa de tratamento (ótica da saúde pública). Esse modelo de política foi inaugurado pela Holanda, na década de 80, com a distribuição de seringas descartáveis, gratuitamente, aos usuários de drogas injetáveis. Com isso, buscou-se a prevenção da disseminação do HIV e de outros agentes causadores de doenças.
Entretanto, os autores chamam a atenção para o fato de que "mesmo que se acredite que retirando o lucro dos traficantes a quantidade de crimes associados ao uso de drogas diminua, e que, tornando as drogas disponíveis legalmente haja benefícios para a saúde pública - como, por exemplo, a prevenção de doenças, a partir da disponibilidade de droga de maior qualidade e de seringas e agulhas estéreis - , ainda não está claro como seria a operacionalização desse processo, dificultando o entendimento sobre o assunto."
Nos Estados Unidos da América (EUA), onde trabalham a repressão, estudo produzido pelo jornal O Globo, em 2001, atestou que 45% dos estudantes afirmaram ter consumido maconha, provando que o combate à força não surte o efeito esperado pelos governos. Os estadunidenses gastam cerca de 60 milhões de dólares por ano comprando drogas ilícitas, enquanto os holandeses, proporcionalmente, que têm acesso facilitado, consomem menos da metade desse valor.
A Suíça, em 1994, também optou pela política de redução de danos, "por meio do programa de tratamento por administração de heroína e da criação de salas para injeção supervisionada para cerca de 3 mil usuários problemáticos dessa droga. Com isso, entre 10% e 15% dos dependentes e entre 30% e 60% dos consumidores passaram a receber a droga gratuitamente." Após a medida, o número anual de novos usuários no país caiu de 850, em 1990, para 150 em 2005, e cerca de um terço dessas pessoas abstiveram-se da droga de forma espontânea e sem a intervenção terapêutica. "Outro impacto da estratégia foi a inviabilização do mercado ilegal da heroína, que levou a 90% de queda nos crimes contra a propriedade, antes cometidos pelos usuários que agora participam do programa governamental."
Trazendo a discussão para o Brasil, onde sempre se trabalhou o modelo proibicionista de controle do uso de drogas, percebe-se um verdadeiro fracasso. "O que verdadeiramente aconteceu foi que, em vez de minimizar danos, diminuiu-se a qualidade das drogas em circulação e os usuários tornaram-se ainda mais vulneráveis, gerando superlotação de prisões com indivíduos que não são necessariamente traficantes, mas indiscutivelmente dependentes." Fica a questão para reflexão: legalizar ou manter o modelo proibitivo?

