Comitê Gestor do IBS: peça-chave no sucesso da reforma tributária | Análise
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Comitê Gestor do IBS: peça-chave no sucesso da reforma tributária

Por Maria Eduarda Arnaldi - advogada do Núcleo de Seguros P&P

4 de September 11h40

O Imposto sobre Valor Agregado (IVA) substituirá o Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) e o Imposto sobre Serviços (ISS). O IVA brasileiro terá estrutura dual, composta pela Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS) na esfera federal, e pelo Imposto sobre Bens e Serviços (IBS), na esfera estadual e municipal.

Na tradição internacional, o IVA é centrado em uma esfera única, com poucos países adotando o modelo dual, notadamente Canadá e Índia. Agora, um imposto em duas esferas no qual a competência tributária de uma delas é compartilhada entre 26 estados, um Distrito Federal e mais de 5.500 municípios, é novidade. Como diria Tom Jobim: o Brasil não é para principiantes.

A existência do imposto IBS - integrante do IVA e gerido de forma compartilhada entre estados e municípios - pressupõe um local de coordenação, de unificação normativa e procedimental e, sobretudo, de garantia da confiança e cooperação entre as administrações tributárias estaduais e municipais.

O Comitê Gestor do Imposto sobre Bens e Serviços (CG-IBS) é um órgão administrativo sem paralelo no mundo. Instituído pela reforma tributária e regulado pelo PLP nº 108/2024, é um órgão técnico administrativo, executor, pensado em moldes similares ao Comitê Gestor do Simples Nacional.

Sua função é administrar, da forma mais ampla, o IBS. São competências constitucionais exclusivas do CG-IBS[1]: i) editar regulamento único e uniformizar a interpretação e a aplicação da legislação do imposto; ii) arrecadar o imposto; iii) efetuar as compensações e distribuir o produto da arrecadação entre Estados, Distrito Federal e Municípios; e iv) decidir o contencioso administrativo. Além disso, deverá atuar em conjunto com a União - responsável pelo CBS, a outra esfera do IVA - para harmonizar o sistema tributário como um todo.

A arrecadação do imposto não é mais atribuição das fazendas estaduais e municipais. É centralizada, de competência exclusiva do CG-IBS, que procederá a repartição destes valores entre os entes federativos. Esse procedimento requer profunda confiança federativa e a implementação de instrumentos que garantam a distribuição paritária.

Embora não seja um órgão político, o CG-IBS terá gigante poder administrativo e institucional. A grandeza das atribuições concedidas a um comitê sem paralelo pode suscitar dúvidas quanto à natureza das decisões - se técnica ou políticas - com relação ao imposto sobre bens e serviços, que correspondeu a 13,91% do PIB brasileiro em 2024, conforme relatório do Tesouro Nacional[2].

Também se questiona o quanto as decisões do comitê serão levadas ao Poder Judiciário. O IBS unifica dois impostos com tradições tributárias diferentes. O ICMS, tributo estadual não cumulativo, e o ISS, tributo municipal cumulativo (o que significa que não admite creditamento). O CG-IBS terá que regulamentar e fiscalizar duas administrações tributárias intrinsicamente distintas e torná-las uma só. Suas decisões dificilmente agradarão a todos os envolvidos - Estados, Municípios e contribuintes - que defenderão cada qual o seu interesse.

Além disso, não é possível que IBS e CBS tenham soluções contraditórias para definir o local de incidência do tributo para a mesma operação. Imagine que a União estabeleça que determinado bem ou serviço tenha o local de destino A[3], com incidência de CBS no local A, enquanto o CG-IBS defina a incidência do IBS para o mesmo bem ou serviço no local B. Isso geraria insegurança jurídica, conflito entre contribuinte e fisco e até perda de arrecadação por não satisfação do crédito.

Como consequência, dentre as funções do CG-IBS está garantir a uniformidade e simplificação do sistema tributário para os contribuintes. Deverá harmonizar princípios, normas gerais e obrigações acessórias, compartilhar informações e implementar soluções integradas para a administração do IVA, por meio da colaboração entre comitê, União e Receita Federal (arts. 156-B, §§6º e 7º).

Atritos envolvendo o comitê já começaram. As eleições para a escolha dos representantes municipais estão paralisadas em razão de disputas entre as entidades homologadas para inscrever chapas (Confederação Nacional de Municípios e Frente Nacional de Prefeitas e Prefeitos). Após instalação provisória do comitê com apenas representantes dos Estados e eleição do presidente[4], inclusive com inscrição no CNPJ, o Conselho Nacional de Municípios emitiu nota de repúdio para "manifestar profunda indignação˜ e declarar "publicamente a sua retirada formal do acordo de cooperação técnica estabelecido com os Estados e Distrito Federal"[5].

A verdade é que o Comitê Gestor do IBS é um motor administrativo, uma peça-chave no quebra-cabeça da tributação sobre o consumo, e deve ser tratado como tal. Estará à frente do período de transição (quatro anos de coexistência do IVA com ICMS e ISS[6]), da arrecadação, repartição, regulamentação e contencioso administrativo do IBS (que hoje está distribuído entre todos os estados e municípios), assim como será responsável por conciliar as administrações tributárias estaduais e municipais e representá-las no diálogo com a União.

FONTES:

BORGES DE OLIVEIRA, E. A.; FEITOSA FURTADO LUCENA, I. . A competência compartilhada do IBS e seus possíveis reflexos na economia e na autonomia legislativa dos estados e municípios. REVISTA DA AGU, [S. l.], v. 23, n. 3, 2024. DOI: 10.25109/2525-328X.v.23.n.3.2024.3498. Disponível em: https://revistaagu.agu.gov.br/index.php/AGU/article/view/3498. Acesso em: 21 ago. 2025.

BRASIL. Câmara dos Deputados. Projeto de Lei Complementar nº 108, de 2024. Institui o Comitê Gestor do Imposto sobre Bens e Serviços - CG-IBS, dispõe sobre o processo administrativo tributário relativo ao lançamento de ofício do IBS, sobre a distribuição para os entes federativos do produto da arrecadação do IBS, e sobre o ITCMD. Apresentado pelo Poder Executivo em 5 jun. 2024. Disponível em: https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra?codteor=2433204&filename=PLP%20108/2024.  Acesso em: 20 ago. 2025

BRASIL. Ministério da Fazenda. Perguntas e respostas - Reforma Tributária. Brasília: Ministério da Fazenda, 2023. Disponível em: https://www.gov.br/fazenda/pt-br/acesso-a-informacao/acoes-e-programas/reforma-tributaria/arquivos/perguntas-e-respostas-reforma-tributaria_.pdf.  Acesso em: 20 ago. 2025.

BRASIL. Senado Federal. CCJ: debatedores sugerem mudanças no Comitê Gestor do IBS. Agência Senado, 10 jun. 2025. Disponível em: https://www12.senado.leg.br/noticias/materias/2025/06/10/ccj-debatedores-sugerem-mudancas-no-comite-gestor-do-ibs.  Acesso em: 22 ago. 2025.

CHIESA, Clélio; PINHO, João Ricardo Dias de. Competência tributária do IBS: controvérsias e potenciais conflitos. JOTA, 6 ago. 2024. Disponível em: https://www.jota.info/opiniao-e-analise/artigos/competencia-tributaria-do-ibs-controversias-e-potenciais-conflitos. Acesso em: 21 ago. 2025.

TAX GROUP. O que é IVA e qual o seu impacto na economia do Brasil? Tax Group, 21 jul. 2025. Disponível em: https://www.taxgroup.com.br/intelligence/o-que-e-iva-e-qual-o-seu-impacto-na-economia-do-brasil/.  Acesso em: 22 ago. 2025.

[1]Nos termos do artigo 156 -B, inserido pela Emenda Constitucional nº 132/2023.

[2]Estimativa da Carga Tributária Bruta do Governo Geral - 2024. Disponível em: https://www.tesourotransparente.gov.br/publicacoes/carga-tributaria-do-governo-geral/2024/114.

[3] A reforma adotou o modelo de tributação no destino, o que significa que o tributo será recolhido no ente onde estão localizados os consumidores do bem ou serviço.

[4]Presidente da Comsefaz e secretário de Fazenda de Mato Grosso do Sul.

[5]Disponível em: https://cnm.org.br/comunicacao/noticias/cnm-repudia-instalacao-de-comite-sem-a-participacao-de-municipios.

[6]https://www12.senado.leg.br/noticias/materias/2024/12/16/novos-tributos-comecam-a-ser-testados-em-2026-e-transicao-vai-ate-2033.