A ascensão das plataformas digitais transformou radicalmente a maneira como muitas pessoas trabalham, criando um novo paradigma na relação entre prestadores de serviço e empresas. Motoristas de aplicativos, entregadores e outros profissionais que utilizam essas plataformas operam em uma zona complexa, onde a natureza de sua relação com as empresas tem sido objeto de intenso debate. A questão central é: seriam esses trabalhadores empregados ou autônomos?
Tradicionalmente, para que um vínculo de emprego seja reconhecido, alguns elementos essenciais precisam estar presentes. O primeiro é a subordinação jurídica, que se manifesta na dependência do trabalhador em relação às diretrizes e controle do empregador. No contexto dos aplicativos, a forma como as plataformas exercem controle é um ponto-chave. Algoritmos que definem rotas, preços, distribuição de tarefas e sistemas de avaliação de desempenho podem ser interpretados como ferramentas de gestão que limitam a autonomia do trabalhador.
A possibilidade de bloqueio ou desativação da conta do profissional pela plataforma, por exemplo, sugere uma dependência que vai além da simples relação comercial.
Outro elemento é a pessoalidade na prestação do serviço. O trabalho deve ser executado pelo próprio indivíduo contratado, sem a possibilidade de substituição por terceiros. Para os trabalhadores de aplicativos, geralmente, é o próprio titular da conta que deve realizar as entregas ou os transportes, o que se alinha com esse critério.
A não eventualidade do serviço também é um fator importante. A prestação de serviços deve ter caráter contínuo ou habitual, e não ser esporádica ou eventual. Muitos trabalhadores de plataformas dependem dessa atividade como sua principal fonte de renda, dedicando longas jornadas e dias regulares à operação, o que pode indicar um caráter não eventual.
Por fim, a onerosidade, que é a remuneração pela prestação do serviço, é sempre presente nas relações de trabalho por aplicativo.
As plataformas, por sua vez, argumentam que a principal característica da relação é a flexibilidade e a autonomia. Elas defendem que os trabalhadores têm a liberdade de escolher quando, onde e por quanto tempo querem trabalhar, e que não há horários fixos ou exclusividade, o que os caracterizaria como prestadores de serviços autônomos, verdadeiros empreendedores. A ferramenta digital seria apenas um meio de conectar oferta e demanda, sem criar uma relação empregatícia.
Essa dicotomia entre subordinação algorítmica e a alegada autonomia dos trabalhadores cria um desafio significativo para a legislação trabalhista, que foi concebida em um contexto diferente de organização do trabalho. A tecnologia introduz novas formas de gestão e controle que não se encaixam perfeitamente nos moldes tradicionais.
O reconhecimento do vínculo de emprego para esses trabalhadores traria uma série de implicações importantes. Significa que eles passariam a ter acesso a direitos trabalhistas como salário mínimo (se aplicável), férias remuneradas, 13º salário, FGTS, e proteção previdenciária. As plataformas, por sua vez, teriam que arcar com os custos e as responsabilidades inerentes a uma relação de emprego, o que poderia impactar seus modelos de negócio.
A discussão sobre o tema é global e complexa, exigindo uma análise cuidadosa das particularidades de cada caso e das características específicas das plataformas e da forma como operam. O desafio é encontrar um equilíbrio que garanta a proteção social e os direitos dos trabalhadores, sem sufocar a inovação e a flexibilidade que caracterizam a economia digital. A busca por um novo enquadramento legal que se adapte a essa realidade é um dos grandes dilemas do direito do trabalho contemporâneo.
Dra. Ana Paula Furlan Cepolini
Advogada associada no Macedo Coelho Advogados
Especialista em Direito do Trabalho
OAB/SC 72.044