O centro da cena é o processo, não o poder.
Em As Meninas, o rei Filipe IV não aparece no centro da cena, mas refletido ao fundo, num espelho. Não é ele que se oferece ao retrato, mas o retrato que se revela a partir de sua presença.
A moldura não basta, é preciso saber o que ela esconde.
Aprovado na Comissão Especial, o relatório do PL 1087/2025 reaquece o debate sobre a tributação de dividendos. A alíquota de 10% para rendimentos acima de R$50 mil vem acompanhada de um redutor que tenta evitar distorções quando IRPJ, CSLL e IRPF superam 34%. Há ajustes técnicos, mas o enquadramento ainda falha.
Falta reconstituir o ponto de equilíbrio que deu origem à isenção de dividendos em 1995: quando o governo majorou o IRPJ, fez isso sob o compromisso de tributar apenas a pessoa jurídica. Agora, se a incidência volta a alcançar o sócio, o retorno à alíquota original de 15% se impõe como coerência mínima.
Não é só uma questão de justiça, é de estrutura. A sobreposição de tributos sem contrapartida fragiliza a lógica do sistema. Desestimula a capitalização das empresas e torna mais vantajoso retirar do que reinvestir.
Penaliza o reinício. Empurra o capital para fora. E tudo isso acontece num momento em que o país precisa justamente do contrário.
A regra aprovada tenta oferecer alívio, mas as válvulas de escape não sustentam o sistema. O redutor é um gesto importante, mas não substitui a revisão do corpo normativo que o abriga. É necessário enxergar além da urgência e recuperar o sentido daquilo que se quer retratar. Sem isso, continuamos apenas ajustando a moldura.
O investidor que olha para o Brasil precisa encontrar mais do que um retrato bonito. Precisa reconhecer contornos estáveis, fundos consistentes, sombras. Tributação também é linguagem.
O que se tributa, quando e como, diz muito sobre o país que se está tentando construir.
Velázquez compôs sua obra pensando no que está fora do quadro - o rei observador, o pintor que registra, o recorte do tempo. A política tributária também deveria considerar seus reflexos. O gesto técnico que falta é o que daria à imagem alguma profundidade e ao sistema, alguma integridade.
Enquanto isso não vier, seguimos ampliando a faixa de isenção aqui, adicionando um redutor ali, distribuindo luz com cuidado, mas sem ajustar a lente.
A moldura é bonita.
O retrato, promissor.
Mas é no espelho, lá ao fundo, que se vê o que realmente está em jogo.
Tributação também é linguagem. O que se tributa, quando e como, diz muito sobre o país que se está tentando construir.
Por Adolpho Bergamini
7 de August 17h