Nos últimos anos, o debate sobre saúde no trabalho ganhou novas camadas e uma importante alteração legislativa trouxe a gestão de riscos psicossociais do debate para o dia a dia das empresas, qual seja: a atualização da NR-1.
Algumas empresas já mapeavam essa análise, mas para muitas outras esse novo elemento ainda soa como um desafio abstrato ou como mais uma daquelas regras difíceis de se colocar em prática. Até então, estávamos acostumados com as diretrizes normativas bem estabelecidas sobre ergonomia laboral, conforto físico e adaptação dos postos de trabalho, como exemplo as diretrizes da NR-17. A novidade, agora, é o reconhecimento formal de que a saúde mental e o clima organizacional também são fatores de risco ocupacional e, portanto, exigem gestão por parte das empresas que ainda não o fazem.
Na prática, isso não precisa ser um bicho de sete cabeças. Entendo que a intenção das alterações da NR-1 não é inovar, mas sim trazer direcionamento prático, tanto que sua aplicação, no que diz respeito a autuações, foi adiada por um ano. Como disse o ministro do Trabalho, Luiz Marinho: "Durante esse primeiro ano, será um processo de implantação educativa, e a autuação pela Inspeção do Trabalho só terá início em 26 de maio de 2026."
Para as empresas que ainda não atuam de forma estruturada nesse campo, será necessário revisar códigos de conduta, canais de denúncia e programas de treinamento, ampliando sua abordagem para incluir temas como assédio moral, sobrecarga emocional, gestão de conflitos, estilo de liderança e bem-estar coletivo.
Mais do que um ajuste técnico, estamos diante de uma oportunidade de avaliação e diagnóstico do ambiente corporativo, que, como gosto de dizer, deve partir de duas perguntas essenciais: Qual o efeito prático dessas alterações para a empresa? Quem paga essa conta?
A partir dessas respostas, é possível mapear o que precisa ou não ser adaptado no negócio, identificar prioridades e orientar decisões com base na realidade e na cultura organizacional da empresa, sem que isso represente investimentos ineficientes ou gastos sem propósito.
É aí que entra o papel da área de compliance como agente integrador e estratégico, responsável pela articulação entre as áreas de Saúde e Segurança do Trabalho, Recursos Humanos e Jurídico Trabalhista.
Em apertada síntese, o Compliance deixa de ser o guardião da norma e passa a ser um agente de cultura, ajudando a fomentar ambientes estruturados e coerentes com os princípios éticos da organização, que podem, inclusive, gerar indicadores mensuráveis (KPIs), contribuindo para melhorias e economias futuras.
Ao longo dos anos, temos acompanhado de perto e suportado estrategicamente à evolução dessas exigências em empresas de diversos setores, incluindo aquelas com programas de integridade já consolidados. Entretanto, mesmo entre as que estão apenas começando a estruturar suas iniciativas, o que observamos, na prática, é que grande parte das estruturas já existentes pode ser adaptada para incorporar o viés psicossocial, sem a necessidade de grandes rupturas ou reinvenções onerosas.
Em suma, não é necessário alarde ou tampouco tratar o tema como um cumprimento de tabela "para inglês ver". Este é o momento ideal para as empresas compreenderem, de forma estruturada, como gerenciar o risco psicossocial. E, em uma realidade marcada por conflitos geracionais, aceleração digital e pressões emocionais intensas, esse olhar pode se tornar um diferencial estratégico na formação de equipes, retenção de talentos e gestão estratégica.
A análise psicossocial de funções e equipes, por exemplo, pode tornar processos seletivos mais eficazes, permitindo contratações mais alinhadas ao perfil do cargo e ao resultado esperado. E, quando realizada com o suporte de profissionais de Compliance com visão multidisciplinar, essa abordagem se transforma em instrumento real de prevenção, valorização do capital humano e fortalecimento da cultura de integridade.
A conclusão é simples e prática: as alterações da NR-1 não serão um desafio insuperável, mas será, com certeza, um indicador poderoso de maturidade organizacional e uma chance concreta de posicionamento estratégico para empresas que querem ir além do discurso e transformar integridade em vantagem competitiva.