A Emenda Constitucional nº 132/2023, ao inserir expressamente o princípio da simplicidade tributária no ordenamento constitucional, buscou racionalizar o sistema tributário brasileiro, notoriamente marcado por sua complexidade excessiva. No entanto, a tramitação do Projeto de Lei nº 1.087/2025, que propõe a instituição da chamada Tributação Mínima sobre Altas Rendas, revela uma preocupante dissonância entre os objetivos da reforma e os instrumentos utilizados para sua implementação.
Sob o pretexto de corrigir distorções na tributação das camadas mais elevadas da renda nacional, o projeto institui o Imposto de Renda da Pessoa Física Mínimo (IRPFM), de caráter mensal e anual, com incidência sobre lucros e dividendos distribuídos aos sócios e acionistas, ainda que já isentos ou anteriormente tributados na pessoa jurídica. A proposta representa uma ruptura com o regime vigente desde 1996, quando a Lei nº 9.249/95 passou a isentar tais proventos, com o objetivo de evitar a bitributação e garantir a neutralidade econômica.
Pelo projeto, os lucros e dividendos que ultrapassem R$ 50 mil por mês — ou R$ 600 mil no ano — estarão sujeitos à incidência de uma alíquota de 10%, por meio de retenção na fonte ou ajuste anual. Embora justificado como medida para atingir os chamados "super-ricos", o texto legal atinge, em verdade, uma gama significativamente mais ampla de contribuintes, alcançando empresários de médio porte, profissionais liberais e estruturas familiares que utilizam a distribuição de lucros como instrumento legítimo de remuneração e planejamento sucessório.
Sob a ótica estritamente jurídica, a proposta apresenta fragilidades que colocam em xeque sua constitucionalidade e técnica legislativa. Inicialmente, cumpre observar que o IRPFM não se amolda à definição de imposto sobre a renda tal como delineada no artigo 43 do Código Tributário Nacional, que exige a ocorrência de um acréscimo patrimonial para caracterização da hipótese de incidência. A utilização da mera soma de rendimentos como base de cálculo desvirtua a natureza do imposto e compromete sua compatibilidade com o sistema tributário.
Ademais, o novo tributo não foi instituído por lei complementar, conforme exigência do artigo 154, inciso I, da Constituição Federal, para a criação de impostos residuais. Essa omissão legislativa é especialmente sensível diante da inovação que a proposta representa no sistema tributário nacional. Ao não seguir o rito legislativo adequado, o projeto incorre em vício formal que compromete sua validade jurídica.
Outro ponto sensível reside na ofensa ao princípio da generalidade tributária, decorrente da seletividade adotada pelo projeto ao atingir exclusivamente contribuintes com rendimentos acima de determinado patamar. Essa forma de tributação direcionada, sem fundamento em critérios objetivos de capacidade contributiva, gera insegurança jurídica e fere o princípio da isonomia, previsto no artigo 150, inciso II, da Constituição.
Ressalte-se ainda a problemática introduzida pelo critério da alíquota efetiva, utilizado como parâmetro para fins de redução ou exclusão do novo tributo. A aferição dessa alíquota requer elevado grau de sofisticação técnica, com apuração contábil precisa e demonstrações fiscais que estão além da realidade da maioria dos contribuintes. Tal exigência colide com a simplicidade tributária que deveria orientar o tratamento das micro e pequenas empresas, especialmente aquelas optantes pelo regime do Simples Nacional.
Essas empresas, que já recolhem tributos por meio de sistema presumido e simplificado, poderão ser indevidamente oneradas por não conseguirem comprovar o cumprimento da carga tributária exigida, o que vulnera o princípio da capacidade contributiva e enfraquece o regime favorecido que lhes é constitucionalmente assegurado.
Embora o combate à desigualdade e a busca por justiça fiscal sejam objetivos legítimos e até desejáveis, tais fins não justificam a adoção de medidas que comprometam a segurança jurídica, a coerência do sistema tributário e a confiança dos contribuintes. A proposta, como estruturada, tende a aumentar a litigiosidade tributária e a instabilidade normativa, em claro contraste com os esforços do Poder Judiciário e do próprio Legislativo para a racionalização do contencioso fiscal e aprimoramento da legislação.
A necessidade de reformar o sistema tributário brasileiro é inegável. Entretanto, reformas estruturais devem ser conduzidas com respeito aos princípios constitucionais, observância ao devido processo legislativo e atenção aos impactos econômicos e jurídicos das novas normas. A justiça fiscal não se concretiza por meio de soluções improvisadas ou de difícil compreensão e cumprimento, mas sim por meio de normas claras, coerentes e tecnicamente bem fundamentadas.
Nesse sentido, o PL nº 1.087/2025, embora bem-intencionado em seu propósito redistributivo, revela-se, na prática, um retrocesso do ponto de vista jurídico-tributário, ao instituir novo tributo de forma questionável, potencialmente inconstitucional, e que impõe ônus desproporcionais àqueles que contribuem para a geração de riqueza e emprego no país. O avanço na construção de um sistema tributário mais justo deve necessariamente passar pelo respeito à Constituição, sob pena de se promover, em nome da justiça fiscal, uma nova forma de injustiça normativa.