O contrato de compra e venda pode ser anulado mesmo que o comprador esteja ciente sobre a irregularidade do loteamento? | Análise
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O contrato de compra e venda pode ser anulado mesmo que o comprador esteja ciente sobre a irregularidade do loteamento?

Por Giuliane Gabaldo, advogada da Dotti Advogados

5 de February 10h15

Com base na autonomia da vontade, as partes podem, livremente, dispor sobre o conteúdo de um contrato, o qual, uma vez assinado, ganha força de lei, não podendo sofrer interferência nem mesmo do Poder Judiciário. Portanto, em tese, se uma pessoa (capaz) opta por adquirir um imóvel, mesmo sabendo de todos os vícios existentes, o contrato deve ser mantido em sua integralidade.

No entanto, para que a avença seja válida, não basta a vontade das partes e a ciência de todos os termos do contrato. É necessário que o objeto (aquilo que se quer contratar) seja lícito, ou seja, que a lei permita a sua negociação.

Em virtude disso, o Superior Tribunal de Justiça reconheceu a nulidade de um contrato particular de compra e venda de lote clandestino, apesar da evidente ciência do comprador a respeito dessa irregularidade.

Isso porque, para a Corte Superior, se o vendedor não requisitou a aprovação do loteamento perante a Prefeitura Municipal e, consequentemente, não houve o registro do desmembramento, o objeto do contrato é considerado ilícito, por ofensa direta ao art. 37 da Lei nº 6.766/1979 - Lei do Parcelamento do Solo Urbano.

Tal ilicitude deve ser reconhecida, na medida em que o descumprimento desta lei pode acarretar graves impactos ambientais (como a expansão desordenada do solo do solo urbano) e sociais (impossibilidade de o comprador obter alvará de construção, registro imobiliário e acesso a serviços públicos essenciais).

Ademais, como pontuado pela Ministra Nancy Andrighi, "é a inércia do loteador em providenciar o registro do lote que configura a sua irregularidade, atraindo a vedação desta prática de venda, prevista art. 37 da Lei 6.766/79, e atestando a ilicitude do objeto; o que torna nulo o contrato de compra e venda, conforme determina o art. 166, II e VII do CPC" (Recurso Especial nº 2166273/SP).