O trabalho invisível da mãe deve ser considerado no valor dos alimentos dos filhos | Análise
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O trabalho invisível da mãe deve ser considerado no valor dos alimentos dos filhos

Por Beatriz Bispo, advogada da Dotti Advogados.

22 de January 15h24

Em atenção ao Protocolo com Perspectiva de Gênero publicado pelo CNJ, o Tribunal de Justiça do Paraná tem realizado análises sensíveis sob o viés de gênero nas causas em que há litígio entre os genitores quanto ao cálculo dos alimentos devidos aos filhos. Nessa lógica, tem valorado o trabalho doméstico realizado pela genitora quando os filhos residem com ela, uma vez que a dedicação pertinente aos "cuidados" gera sobrecarga física, psicológica e financeira à mulher.

Para exemplificar, além do trinômio alimentar (i) necessidade dos filhos - que corresponde à quantificação das despesas; (ii) possibilidades financeiras dos genitores; (iii) proporcionalidade dos rendimentos deles, o Tribunal tem ponderado que, quando os filhos residem com a mãe, o cálculo da pensão alimentícia deve considerar o trabalho doméstico não remunerado exercido por ela, entendido como "o preparo do alimento, a correção das tarefas escolares, a limpeza da casa para propiciar um ambiente limpo e saudável, bem como as tarefas mentais de organizar o funcionamento da casa, a rotina dos filhos (...), sobrecarga que lhe retira oportunidades no mercado de trabalho, no aperfeiçoamento cultural e na vida pública ou lhe submete a uma dupla/tripla jornada laboral"[1].

Tal premissa é aplicada, inclusive, quando a convivência paterna com o filho é amplamente estabelecida, bem como quando a genitora detém condições financeiras similares às do genitor, mas "é ela (a mãe, com quem o filho reside) quem exerce primordialmente a organização da rotina e recursos destinados ao filho, gerenciando a vida doméstica como um todo".[2]

A mera equiparação financeira entre os genitores quando do cálculo da pensão, sem considerar o trabalho mental de organização da rotina e a realização direta das atividades diárias dos filhos coloca a mãe em uma posição estruturalmente desprivilegiada em relação ao pai.

Esta análise sob a perspectiva de gênero, tem como objetivo frear a repetição de padrões estruturais de sobrecarga da mulher e valorizar o "invisível" trabalho de cuidado que habitualmente recai sobre a mãe.

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[1] TJPR - 12ª C. Cível - 0001361-28.2022.8.16.0077 - Rel.: Des. Eduardo Augusto Salomão Cambi -  J. 19.08.2024.

[2] TJPR - 12ª C. Cível - 0009210-09.2022.8.16.0188 - Rel.: DES IVANISE MARIA TRATZ MARTINS -  J.