As oportunidades do Agronegócio na Transição Energética | Análise
Análise

As oportunidades do Agronegócio na Transição Energética

Por Vitor Sarmento de Mello, Vivian Marcondes de Oliveira e Helena Marinho Ketzer Yacoub

22 de November de 2024 14h

Com a crescente preocupação global acerca das mudanças climáticas, cresce o interesse do mercado em encontrar soluções e inovações tecnológicas que permitam alcançar a transição para uma economia de baixo carbono, especialmente no setor energético. O foco mundial na garantia da segurança energética também aumentou significativamente, à medida que os países europeus, em particular, procuram reduzir sua dependência das importações de energia da Rússia.

Ao contrário da realidade mundial, onde o setor de energia é responsável por 40% das emissões de CO2, as emissões brasileiras estão concentradas no setor de Agricultura, Florestas e Uso do Solo (AFOLU, sigla em inglês), correspondendo a 68,75% das emissões internas totais (Global Carbon Budget, 2023).

Mesmo sendo o maior emissor a nível global, o setor de energia irá crescer nos próximos anos. Prevê-se que a procura global de eletricidade triplique até 2050 (McKinsey, 2022), como resultado do crescimento populacional e econômico, bem como do aumento da eletrificação da economia. É nessa realidade de crescimento do setor, que o investimento em energias renováveis alinha a necessidade de transição energética com oportunidades para o agronegócio.

Atualmente existem diversas ações públicas que fomentam a incorporação de novas tecnologias de redução de emissões pelo setor agropecuarista, como o Plano ABC, criado em 2012 pelo Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA), que se volta para a organização e planejamento de atividades que visam a implementação de tecnologias de produção sustentável, com aumento da produtividade e redução da emissão de carbono.

Devido ao bom resultado alcançado, o MAPA lançou, em abril de 2021, o Plano ABC +, uma versão atualizada do programa, com metas mais ambiciosas destinadas a aprimorar a sustentabilidade da produção agropecuária ao longo da próxima década. Este novo plano abrange a ampliação de diversas atividades, como a recuperação de pastagens degradadas, a fixação biológica de nitrogênio, o sistema de plantio direto, entre outras iniciativas.

Na intersecção agronegócio e energias renováveis, a energia solar é a alternativa energética que tem registrado o maior crescimento, principalmente através dos modelos de autoprodução e geração distribuída. Segundo a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), atualmente, os consumidores rurais representam 14,5% da capacidade total de energia solar fotovoltaica distribuída no Brasil, com 3,5 GW instalados em aproximadamente 190 mil sistemas. Destes, 980 MW foram instalados em 2023, e 1,1 GW em 2022.

Com esse aumento significativo, a geração distribuída e a autoprodução passaram a ser fundamentais para empreendedores em áreas remotas, pois viabiliza a disposição de múltiplas fontes de abastecimento para suas atividades.

A abertura do mercado de energia também vem impulsionando o desenvolvimento de energias renováveis. De acordo com o estudo "Portabilidade da conta de luz: impacto social e papel na transição energética justa", elaborado pela Associação Brasileira dos Comercializadores de Energia (Abraceel, 2023), cerca de 11 milhões de produtores rurais e empreendedores de pequeno porte do setor comercial e industrial poderiam economizar R$ 10,7 bilhões por ano se pudessem escolher livremente o fornecedor de energia no mercado livre. No setor rural, 4,5 milhões de unidades consumidoras de energia poderiam ter uma redução de R$ 2,8 bilhões ao ano na conta de luz. Ainda, mais de 411 mil pequenas indústrias poderiam ter uma redução de R$ 710 milhões anualmente. Já no segmento comercial, 6 milhões poderiam ter um abatimento de R$ 7,2 bilhões por ano.

Como medida para promover a sustentabilidade no setor agrícola, o Governo Federal também tem incentivado o uso de energia solar no campo, como parte do Plano Safra 2023-2024. Este plano destina um total de R$ 364 bilhões para investimentos em projetos do agronegócio e oferece linhas de crédito significativas para aqueles interessados em adotar práticas agrícolas mais ecológicas. Uma dessas linhas é o RenovAgro, que financia a implementação de práticas conservacionistas, a recuperação de áreas degradadas, e sistemas de geração de energia renovável, incluindo a energia fotovoltaica.

Para além da energia fotovoltaica, o biogás e o biometano emergem como soluções promissoras para a sustentabilidade energética do agronegócio. O biogás, obtido a partir de resíduos orgânicos urbanos e agropecuários, é não apenas uma fonte energética, como também pode ser convertido para biometano, um substituto limpo aos combustíveis de base fósseis.

O Projeto Brasil-Alemanha de Fomento ao Aproveitamento Energético de Biogás no Brasil, o PROBIOGÁS, visa promover o aproveitamento eficiente do biogás no país e decorre da cooperação técnica entre o Governo Brasileiro, por meio da Secretaria Nacional de Saneamento Ambiental do Ministério das Cidades, e o Governo Alemão, por meio da Deutsche Gesellschaft für Internationale Zusammenarbeit (GIZ). O seu principal propósito é a melhoria das condições regulatórias, com o envolvimento de instituições de ensino e pesquisa sobre o tema, além do incentivo à expansão do aproveitamento energético do biogás e biometano em projetos de saneamento básico, bem como em atividades relacionadas à agricultura e indústria agropecuária, além de integrar estes combustíveis como fontes energéticas na estrutura de abastecimento nacional, com a consequente diminuição das emissões de gases que contribuem para o aquecimento global.

A Alemanha, em seu plano de transição energética, conhecida como "Energiewende", promoveu um crescimento significativo de instalações de biogás com unidades de Cogeração de Calor e Energia (CHP) integradas. Como resultado, a Alemanha emergiu como o líder na produção de biogás na União Europeia abrigando dois terços da capacidade das plantas de biogás do continente e gerando mais de 100 mil empregos diretos no setor de bioenergia.

A usina de biogás Könnern é pioneira na distribuição de biometano. Lá, a geração do biogás ocorre a partir resíduos da agropecuária, incluindo dejetos de gado e suínos, além de substratos de cana-de-açúcar e milho. Foram firmadas parcerias locais, com agricultores e pecuaristas, para o fornecimento de resíduos, de maneira que a usina processa 120 mil toneladas anualmente, gerando biogás em grandes biodigestores automatizados. Assim, desde 2009, a usina de Könnern fornece 15 milhões de m³ de biometano por ano à rede nacional de gás, convertendo-o principalmente em eletricidade para uso residencial e industrial, o que equivale à substituição de uma usina de 17 MW.

O BioEnergie Park Güstrow, localizado no nordeste da Alemanha, é considerado o maior biodigestor de biometano do mundo, com capacidade de produção de 22MW. O substrato agrícola, usado como matéria-prima para alimentar o projeto, é adquirido de mais de 100 agricultores locais a preço de mercado, aumentando as oportunidades de emprego no setor e a viabilidade econômica do agronegócio na região. Neste projeto todos os resíduos do biodigestor são adequadamente tratados, de forma a obter fertilizantes prensados e líquidos, que são reutilizados pelos agricultores para o cultivo e plantação de novos recursos. Além disso, em 2023, a usina passou a produzir, através da instalação de uma planta de liquefação de CO₂ e uma planta de GNL para liquefação de biometano, o bio-GNL, assumindo também o papel de fornecedora de combustível neutro em carbono para o mercado de veículos utilitários/pesados.

Na Dinamarca, a planta de biogás Korskro também merece destaque. Em operação desde 2019, o projeto processa aproximadamente 700.000 toneladas de bio-resíduos anualmente, o que resulta uma impressionante capacidade de produção anual de 22 milhões de m³ de biometano, que é injetado diretamente na rede de gás natural. Cerca de 75% dessa biomassa vem de esterco e resíduos de gado, porcos e visons, complementados por resíduos industriais, glicerina e melaço de beterraba. A eficiência da planta é impulsionada por seus processos avançados, tecnológicos e eficientes, que incluem diversos digestores, unidades de desulfurização e sistemas de purificação de gás. Além disso, a planta realiza a captura de CO2 para ser utilizado na indústria de alimentos e bebidas, ampliando suas contribuições para a redução das emissões de GEE e fortalecendo seu compromisso com a economia circular.

Na China, ao contrário da Europa, que foca em grandes plantas de produção de biogás, as políticas se voltaram para o incentivo à instalação de biodigestores domésticos em áreas rurais. Esses digestores não só fornecem gás de cozinha limpo, mas também trazem significativos benefícios sanitários e de saúde para a população rural, ao tratar seus resíduos agrícolas e domésticos. Contudo, na última década, o excesso de resíduos agrícolas na China - principal país produtor de cereais do mundo - estimulou a implantação de plantas de cogeração em maior escala, dado que, com base no rendimento das culturas e no índice de resíduos de campo, o país possui aproximadamente 495 milhões de toneladas por ano de biomassa disponível para produção de biogás, o que corresponde a um potencial de biometano de mais de 8 bilhões de metros cúbicos por ano, que poderia ter suprido 29,2% do consumo anual de gás natural e 2,25% do consumo anual de energia na China em 2018 e 2019, respectivamente (HUI, Sun, et. al, 2021). Com isso, em 2019, a Comissão Nacional de Desenvolvimento e Reforma da China emitiu um documento orientador sobre a industrialização do biogás e a atualização para biometano, apoiando também o uso de biometano no setor de transporte.

As experiências internacionais demonstram a natureza cíclica do processo de produção de biogás e biometano, este último pode ser injetado na rede de gás para uso doméstico, comercial ou industrial, ou mesmo ser utilizado como combustível para os veículos e máquinas agrícolas. Além disso, o digestato, produzido durante a digestão anaeróbica, rico em nutrientes, pode ser utilizado como adubo orgânico, fechando assim o ciclo e contribuindo para a sustentabilidade do processo. Este modelo cíclico não apenas maximiza a eficiência energética, mas também promove uma abordagem sustentável e circular, minimizando resíduos e aproveitando ao máximo os recursos disponíveis. A implementação bem-sucedida desses sistemas em escala comercial poderia representar um avanço significativo na transição energética de cada país.

No Brasil, a produção de biometano está em ascensão, a Associação Brasileira do Biogás (Abiogas) prevê que até 2029 existirão 90 plantas em operação, com potencial de geração de 120 milhões de metros cúbicos por dia, dos quais 57,6 milhões m³/dia estão na cadeia sucroenergética; 38,9 milhões m³/dia na cadeia de proteína animal; 18,2 milhões m³/dia na cadeia agrícola; e 6,1 milhões m³/dia em saneamento (Abiogas, 2024).

Em São Paulo, a Raízen, em parceria com a Geo Energética, inaugurou uma usina de biogás de 21 MW, a primeira do mundo que utiliza a tecnologia de conversão da torta de filtro e vinhaça da cana-de-açúcar em biogás em escala comercial. Assim, torta de filtro e a vinhaça, subprodutos da produção de etanol, agora servem como matéria-prima para a produção de biogás. O sucesso da joint venture levou à construção de uma segunda planta, prevista para entrar em operação em 2024, dedicada à produção 26 milhões de metros cúbicos de biometano por ano, comercializados em contratos de longo prazo com a Yara Brasil Fertilizantes, para fabricação de hidrogênio de amônia, e a Volkswagen do Brasil, para abastecimento de sua montadora.

Recentemente, a Mitsui Gás e Energia do Brasil e a Geo Biogás também anunciaram a criação de uma joint venture para construir e operar plantas de biometano a partir de resíduos de cana-de-açúcar e do agronegócio. Ainda, a Atvos (ex-Odebrecht Agroindustrial) divulgou seu planejamento para a construção de um projeto de biometano, a ser implantado em Nova Alvorada do Sul (MS), onde a empresa já opera uma usina de etanol. Com capacidade instalada para produzir 28 milhões de m³ de biometano anualmente, a planta também utilizará vinhaça e torta de filtro como matéria-prima.

No Paraná, foi inaugurada usina que transformará biogás em biometano para abastecer os caminhões da Coopercarga, uma empresa logística nacional e internacional. Com investimento superior a R$ 1 milhão e apoio dos programas RenovaPR e Banco do Agricultor Paranaense, a usina tem capacidade para produzir até 60 metros cúbicos de biometano por hora, suficiente para abastecer quatro caminhões que percorrem a rota São Paulo - Rio Grande do Sul. Esta usina introduziu o sistema de filtragem do biogás, que já era produzido por um suinocultor local, com os dejetos de seus 6,5 mil suínos. Com o novo sistema, a produção foi adaptada para biometano, ampliando as opções econômicas do produtor e dando a oportunidade de aumentar a rentabilidade e reduzir custos de sua atividade.

Para além das grandes plantas de biogás e biometano, destaca-se também a utilidade desta tecnologia para os pequenos produtores rurais, uma vez que cria uma oportunidade para os agricultores se tornarem produtores também de sua própria energia, minimizando seus custos de produção e maximizando sua eficiência. Além disso, o biometano produzido pode ser comercializado ou utilizado para o abastecimento de veículos e máquinas agrícolas do próprio produtor, enquanto a venda do digestato como biofertilizantes pode criar uma fonte de receita adicional.

O que se percebe, assim, é que a sinergia entre energias renováveis e agronegócio, não é apenas uma forma de mitigação das mudanças climáticas, mas também um impulsionador de progresso econômico. A transição para uma economia com emissões líquidas de carbono zero é uma das megatendências de longo prazo que estão moldando a economia, os negócios e a sociedade globais. Isto representa uma oportunidade de investimento significativa, especialmente para o agronegócio.

Texto originalmente publicado em https://www.canalenergia.com.br/artigos/53279805/as-oportunidades-do-agronegocio-na-transicao-energetica