COMENTÁRIOS SOBRE A IN RFB 1.861/2018 - IMPORTAÇÃO POR ENCOMENDA E IMPORTAÇÃO POR CONTA E ORDEM DE TERCEIROS
CARLOS EDUARDO GARCIA ASHIKAGA
- Sócio fundador, responsável pela área tributária e aduaneira do escritório GARS - Garcia Ashikaga Advogados;
- Autor dos livros "Análise da Tributação na Importação e na Exportação - Mercadorias e Serviços (8ª edição)";
- Professor de diversos cursos na ADUANEIRAS/CENOFISCO/LEX;
- Membro do Comitê Jurídico da ABECE (Associação Brasileira de Empresas de Comércio Exterior).
RESUMO:
COMENTÁRIOS SOBRE A IN RFB 1.861/2018 - IMPORTAÇÃO POR CONTA E ORDEM DE TERCEIROS E IMPORTAÇÃO POR ENCOMENDA.
PALAVRAS-CHAVE:
Importação por conta e ordem de terceiros - Importação por encomenda - Adiantamento, pagamento ou garantia do encomendante - Industrialização pelo importador.
ABSTRACT:
COMMENTS ON THE IN RFB 1.861/2018 - IMPORTATION BY ACCOUNT AND ON BEHALF OF THIRD PARTIES AND IMPORTATION BY ORDER.
KEYWORDS:
Importation by account and on behalf of third parties - Importation by order - Payment in advance or guarantee of the orderer - Industrialization by the importer.
SUMÁRIO:
1 - Introdução; 2 - Importação por conta e ordem de terceiros; 3 - Importação por encomenda; 4 - Novidades; 4.1 - Adiantamento, pagamento ou garantia do encomendante; 4.2 - Industrialização pelo importador; 4.3 - Anexação Eletrônica de Documentos; 4.4 - Obrigações acessórias; 5 - Conclusão.
1 - INTRODUÇÃO
Seguindo a orientação do governo federal de atualizar e simplificar as normas vigentes, a Receita Federal do Brasil publicou a IN RFB 1.861/2018 que, basicamente, consolida as anteriores IN SRF 225/2002, parte da IN SRF 247/2002 (importação por conta e ordem de terceiros) e a IN SRF 634/2006 (importação por encomenda), atualizando alguns dispositivos (obrigações acessórias) e trazendo algumas importantes novidades, especialmente em relação à importação por encomenda.
Contextualizando o assunto, como é de conhecimento daqueles que trabalham na área aduaneira, tanto a importação por conta e ordem de terceiros quanto a importação por encomenda são formas de terceirização das operações de comércio exterior de uma empresa industrial, comercial ou de serviços, que não tem expertise, não pode ou não quer ter um grande departamento de comércio exterior, focando seus esforços e otimizando seus recursos em relação a seu core business (área comercial).
Assim, os aspectos operacionais, logísticos, burocráticos, financeiros e tributários da importação de mercadorias são terceirizados a empresas especializadas, chamadas de comerciais importadoras e/ou exportadoras ou trading companies.
Segundo o próprio site da Receita Federal do Brasil, "a escolha entre importar mercadoria estrangeira por conta própria ou por meio de um intermediário contratado para esse fim é livre e perfeitamente legal, seja esse intermediário um prestador de serviço seja um revendedor. Entretanto, tanto o importador quanto o adquirente ou o encomendante, conforme o caso, devem ser previamente vinculados no sistema Siscomex. Essa vinculação até então era efetuada mediante solicitação à Receita Federal, após análise de um conjunto documental. Com a desburocratização do procedimento, agora o interessado não precisa mais ir até uma unidade de atendimento da Receita Federal pode efetuar a vinculação diretamente no Portal Único Siscomex."
2 - IMPORTAÇÃO POR CONTA E ORDEM DE TERCEIROS
A legislação é autoexplicativa, ao definir que "considera-se operação de importação por conta e ordem de terceiro aquela em que a pessoa jurídica importadora é contratada para promover, em seu nome, o despacho aduaneiro de importação de mercadoria estrangeira, adquirida no exterior por outra pessoa jurídica."
O objeto principal é a prestação do serviço de despacho aduaneiro de importação, realizada pelo importador, em seu nome, a pedido do adquirente de mercadoria importada, em razão de contrato previamente firmado, podendo compreender outros serviços relacionados com a importação, como cotação de preços, intermediação comercial e pagamento ao fornecedor estrangeiro (câmbio).
3 - IMPORTAÇÃO POR ENCOMENDA
Já a importação por encomenda é aquela operação em que a importadora é contratada para promover, em seu nome e com recursos próprios, o despacho aduaneiro de importação de mercadoria estrangeira por ela adquirida no exterior para revenda a encomendante predeterminado.
O objeto principal é a transação comercial de compra e venda de mercadoria nacionalizada, mediante contrato previamente firmado entre o importador e o encomendante, podendo este participar ou não das operações comerciais relativas à aquisição da mercadoria junto ao fornecedor no exterior.
Dessa forma, conforme exposto no Capítulo IV de nosso Livro "Análise da Tributação na Importação e na Exportação de Mercadorias e Serviços" (8ª Edição, publicada pela Edições Aduaneiras), tais operações são totalmente regulamentadas pela Receita Federal do Brasil, sendo realizadas, em larga escala e há bastante tempo, pelas mais variadas espécies e portes de empresas em todo o país. Para aqueles interessados em maiores detalhes sobre a tributação e as obrigações acessórias de tais operações, recomendamos tal leitura.
4 - NOVIDADES
Deixando um pouco de lado a discussão (guerra fiscal) em relação ao Estado competente para cobrar o ICMS incidente na importação de bens e mercadorias (que não se confunde com a recente e importante convalidação dos benefícios fiscais estaduais, por meio da Lei Complementar nº 160/2017 e Convênio ICMS 190/2017), existiam poucas controvérsias em relação à legislação federal.
Entretanto, com a nova IN RFB 1.861/2018, destacam-se três importantes novidades, que vêm causando dúvidas a nossos clientes e colegas, o que nos motivou a escrever o presente artigo.
Explicando, em relação à importação por encomenda, antes da IN RFB 1.861/2018, era pacífico o entendimento dos contribuintes e da própria Receita Federal, de que não era possível adiantamento de valores, mesmo que de forma parcial, entre o encomendante e o importador. Havia, inclusive, discussões sobre a possibilidade do encomendante prestar ao importador sinal, arras, garantia, etc.
Por fim, entendia-se que a "industrialização", definida como tal pelo artigo 4º do Decreto nº 7.212/2010 (RIPI), prejudicava o enquadramento da operação de importação como "por encomenda" ou "por conta e ordem de terceiros".
4.1 - Adiantamento, pagamento ou garantia do encomendante
Todavia, em relação ao "adiantamento de recursos" do encomendante ao importador, o §3º do artigo 3º da referida IN RFB 1.861/2018, trouxe definição clara sobre o que se entende como "recurso próprio" do importador, conforme abaixo:
§ 3º Considera-se recurso próprio do importador por encomenda o pagamento da obrigação, ainda que anterior à realização da operação de importação ou da efetivação da transação comercial de compra e venda.
Tal norma vem regulamentar (conforme determina o artigo 11, §1º, I, da Lei nº 11.281/2006) e esclarecer (alterando entendimentos anteriores em sentido contrário) o conceito de "recurso próprio", que caracteriza a importação por encomenda, conforme disposto no §3º do artigo 11 da Lei nº 11.281/2006:
Art. 11. A importação promovida por pessoa jurídica importadora que adquire mercadorias no exterior para revenda a encomendante predeterminado não configura importação por conta e ordem de terceiros.
(...)
§ 3º Considera-se promovida na forma do caput deste artigo a importação realizada com recursos próprios da pessoa jurídica importadora, participando ou não o encomendante das operações comerciais relativas à aquisição dos produtos no exterior. (Incluído pela Lei nº 11.452, de 2007)
Em contrapartida, referente à importação por conta e ordem de terceiros, o artigo 27 da Lei nº 10.637/2002 dispõe que a "utilização de recurso de terceiro" pressupõe importação por conta e ordem deste.
Art. 27. A operação de comércio exterior realizada mediante utilização de recursos de terceiro presume-se por conta e ordem deste, para fins de aplicação do disposto nos arts. 77 a 81 da Medida Provisória nº 2.158-35, de 24 de agosto de 2001.
Assim, é de suma importância para o correto enquadramento das operações e, consequentemente, para a tributação adequada em cada caso, além de evitar discussão de perdimento por ocultação, interposição ou falsidade, analisar de há utilização de "recurso próprio" ou de "recurso de terceiro" pelo importador.
Conforme acima mencionado, antes da nova norma, o entendimento era que o mero adiantamento, mesmo que parcial, ou mesmo a apresentação de meras arras, descaracterizava a importação por encomenda, tornando-a uma importação por conta e ordem de terceiros.
Agora, com a nova IN RFB 1.861/2018, até o "pagamento antecipado" (tanto em relação ao registro da DI quanto à emissão de nota fiscal de venda entre importador e encomendante), e não mero "adiantamento parcial", sinal, arras ou garantia (ver §4º abaixo transcrito), passa a ser permitido na importação por encomenda.
§ 4º O importador por encomenda poderá solicitar prestação de garantia, inclusive mediante arras, sem descaracterizar a operação referida no caput.
Por esse motivo, deixa de ser crucial o fluxo financeiro e as datas de pagamentos entre importador e encomendante, mas sem deixar de ser relevante a comprovação da capacidade econômico-financeira das partes, tanto para fins de Habilitação no Siscomex (Radar) quanto para fins de fiscalização/procedimento especial, onde a ocultação do real responsável e a interposição fraudulenta geram pena de perdimento de bens (que em revisão aduaneira é convertida em multa equivalente ao valor aduaneiro), além de eventual representação fiscal para fins penais (ex: falsidade ideológica)
Ou seja, o foco da COANA passa a ser muito mais os casos de ocultação e interposição fraudulenta, do que analisar fluxo financeiro e de pagamentos entre importador e encomendante pois, nessa nova visão da fiscalização, tanto faz se a importação é por conta e ordem de terceiros ou por encomenda, se ambas as empresas possuem Habilitação no Siscomex (Radar), são equipadas a industrial para fins de IPI, devem deter capacidade econômico-financeira e, principalmente, devem ser os reais responsáveis pela operação, e não empresas "laranjas" ou interpostas pessoas, de forma simulada ou fraudulenta.
4.2 - Industrialização pelo importador
Outra importante novidade, além do adiantamento/pré-pagamento e da garantia, refere-se à "industrialização", nas modalidades montagem, acondicionamento ou reacondicionamento.
Conforme mencionado, a "industrialização" prejudicava o enquadramento da operação de importação como por encomenda. Nos termos do artigo 4º do Decreto nº 7.212/2010 (RIPI), montagem, acondicionamento ou reacondicionamento são modalidades de industrialização.
Entretanto, o §6º do artigo 3º da IN RFB 1.861/2018 determina que "as operações de montagem, acondicionamento ou reacondicionamento que tenham por objeto a mercadoria importada pelo importador por encomenda em território nacional não modificam a natureza da transação comercial de revenda de que trata este artigo".
Em outras palavras, se o importador realizar montagem, acondicionamento ou reacondicionamento das mercadorias importadas, para venda do produto "industrializado" a comprador predeterminado, ainda assim, deve registrar a Declaração de Importação (DI) como importação por encomenda (e não como importação "própria"), informando os dados do encomendante, conforme contrato entre as partes e vinculação prévia no Portal Único do Siscomex.
Apenas quando o importador realizar a transformação ou o beneficiamento (outras modalidades de industrialização) dos bens importados, tais operações permanecem não sendo consideradas importações por encomenda.
4.3 - Anexação Eletrônica de Documentos
Com o Portal Único (Pucomex), passa a ser anexado eletronicamente cópia do contrato previamente firmado pelo importador com o adquirente de mercadoria importada por sua conta e ordem ou com o encomendante predeterminado, conforme o caso, por meio do módulo Anexação Eletrônica de Documentos no Pucomex.
Regulamentando o artigo 6º da IN RFB 1.861/2018, a Portaria Coana nº 06, de 25 de janeiro de 2019, dispõe sobre os procedimentos de vinculação e de prestação de informações para fins de registro das operações de importação por conta e ordem de terceiro e por encomenda.
Ou seja, a vinculação que antes levava semanas e até meses para ser feita "manualmente", pelo cliente (adquirente ou encomendante) junto à Receita Federal de jurisdição de sua matriz, mediante apresentação de documentos e vinculação pela fiscalização, torna-se quase que imediata, de forma eletrônica, por meio do Portal Único.
A crítica que se faz é que, na atual sistemática, o contribuinte deve efetuar a juntada do contrato a cada DI registrada, mas a Receita Federal já trabalha numa alternativa/ferramenta para que a vinculação seja feita pelo período do contrato entre as partes, e não a cada registro de DI.
4.4 - Obrigações acessórias
Em relação às obrigações acessórias de tais operações, o artigo 7º da IN RFB 1.861/2018 regulamenta a emissão da nota fiscal de entrada, saída (remessa) e de prestação de serviços, na importação por conta e ordem de terceiros.
Já o artigo 8º da IN RFB 1.861/2018, regulamenta a emissão da nota fiscal de entrada (compra) e de saída (venda), na importação por encomenda.
Assim, tais artigos atualizam o anteriormente disposto nos artigos 86 a 88 da IN SRF 247/02 (importação por conta e ordem de terceiros) e diversas Soluções de Consulta da RFB.
Ainda, conforme artigos 9º e 10 da IN RFB 1.861/2018, o importador deve apresentar Escrituração Contábil Digital (ECD), devendo ser registrada, em sua escrituração contábil, conta específica e de forma discriminada para cada cliente (adquirente ou encomendante), e, no Livro Registro de Inventário ou na Escrituração Fiscal Digital (EFD), sob títulos específicos, as mercadorias de cada cliente (adquirente ou encomendante) que ainda estiverem sob sua guarda na data do levantamento de balanço.
5 - CONCLUSÃO
Concluindo, a IN RFB 1.861/2018 foi uma importante alteração promovida pela Receita Federal, que teve boa intenção na elaboração da referida norma, mas que deve causar grande impacto no mercado das comerciais importadoras ou trading companies.
Nesse sentido, esperamos que tal novidade não cause novos problemas, decorrentes de má-interpretação da referida norma pela fiscalização, em especial em relação à caracterização da operação de importação por encomenda, cuja tributação é totalmente diferente da importação por conta e ordem de terceiros, tanto em âmbito federal quanto estadual (ICMS).
A grande preocupação do empresariado nacional que, em sua maioria, é sério, competente e "lutador", continua sendo ter regras claras e simples, mas, principalmente, "segurança jurídica" para poder trabalhar sem "surpresas desagradáveis", cumprindo a legislação e a jurisprudência vigente.