"Que convite incrível, pena que é impossível!". Essa foi a frase, com ares de sentença capital, que transformou, num átimo, êxtase em frustração. O sonho limitado pela frieza matemática da realidade. O filho de um motorista e de uma professora da rede pública, participante de um grupo de oração de jovens na Igreja Nossa Senhora de Fátima do bairro IAPI em Porto Alegre, até poderia sonhar estar na Jornada Mundial da Juventude, na cidade Paris, com o Papa João Paulo II, mas transformar em realidade seria uma saga.
A Jornada Mundial da Juventude foi celebrada pela primeira vez, de maneira oficial, no Domingo de Ramos de 1986, em Roma. A partir de 1987 e depois, a cada dois ou três anos, organiza-se a Jornada Mundial da Juventude em algum lugar determinado do mundo.
A distância que me separava de Paris não era mensurável em milhas. Era a distância sólida de realidades sociais e estáticas. Era a distância do pragmatismo da sobrevivência que negava o sonho e, mais avassalador, o estigmatizava como "supérfluo". Era sim a distância dolorosa do "esse não é o seu lugar" que se repete diuturnamente, nos rincões do Brasil, na narrativa excludente da nossa sociedade. Jovem, de família humilde, negro, estudante de escola pública tive a certeza do meu lugar, e era em Paris naquele julho de 1997.
Rifas na porta da paróquia. Pedaços de bolo de chocolate no final das missas. Vaquinha entre amigos. Eventos para arrecadar fundos. E essa foi a rotina de meses e meses a fio. E quando parecia que todo o esforço restaria inócuo, um amigo de meu pai - era um advogado esse anjo - veio ao meu encontro e sensibilizado com minha tenacidade - aqui me vali de um leve eufemismo (risos) - fez-me uma doação de mil dólares! Mission accomplie!
Ao receber o convite para escrever esse texto, uma orientação foi direta: não ser "formal" e de forma alguma me valer das categorias linguísticas do idioma "juridiquês". Assim, optei por esse título, pela primeira pessoa, pela narrativa franca e direta com ares testemunhais que fará, a seguir, sentido nesse texto jurídico.
A proposta, confesso que surpreendeu, foi de falar sobre minha atuação pro bono pessoal, assim como, do escritório de advocacia do qual sou sócio, o PMR Advocacia, para o Instituto JMJ, fundado pela Arquidiocese do Rio de Janeiro, com o objetivo de promover a Jornada Mundial da Juventude com vinda do Papa Francisco ao Rio de Janeiro em 2013.
Antes, porém, de voltar ao tema central que foca na minha experiência de atuação acompanhando a organização do evento, uma nota sobre a atuação pro bono em face das regulações normativas e éticas para advocacia brasileira me parece relevante.
O centro ontológico da experiência de atuação pro bono pela advocacia está no Acesso à Justiça, direito materializado nuclearmente nos catálogos Constitucionais de Direitos Fundamentais, bem como no Direito Internacional, como a Declaração Universal de Direitos Humanos de 1948, o Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos e à Convenção Americana de Direitos Humanos.
Preceitua o artigo 30 da Resolução nº02/2015 do Conselho Federal da OAB, que a advocacia pro bono é: "A prestação gratuita, eventual e voluntária de serviços jurídicos em favor de instituições sociais sem fins econômicos e aos seus assistidos, sempre que os beneficiários não dispuserem de recursos para a contratação de profissional".
De volta aos Papas. Os anos se passaram. Fiz minha graduação em Direito pela PUCRS. Fundei, ao lado do meu sócio, o PMR Advocacia, em Porto Alegre, em 2006. Consolidamos nossa atuação no âmbito do Direito Público e do Direito Empresarial. Abrimos escritório no Rio de Janeiro em 2009 e então minha história com a Jornada Mundial da Juventude é retomada.
Em 2011, o Papa Bento XVI anuncia ao término da JMJ daquele ano, que a sede da jornada seguinte seria no Rio de Janeiro. Por convite do Cardeal Dom Orani Tempesta, na condição de advogado voluntário, integrei o primeiro time que foi montado para iniciar o projeto para organização do evento mundial em 2013. As memórias de 1997 afloraram com vigor, saudade e gratidão.
Minha maior missão, naquele momento, foi criar os estatutos sociais e regimentos internos do instituto que seria criado com a finalidade precípua de ser o organizador oficial do evento, então denominado Instituto JMJ Rio. Em virtude da exigência legal de que atos constitutivos de pessoas jurídicas precisam, sob pena de nulidade, do visto de advogados. Não apenas criei e registrei o estatuto como o assinei.
Foram meses intensos de reuniões de planejamento para colocar de pé o evento que marcaria a visita oficial de um Chefe de Estado, além de ser a primeira viagem internacional do recém-eleito Papa Francisco, primeiro pontífice da América do Sul. As projeções indicavam a participação de mais de três milhões de jovens vindos de todo o mundo, para os cinco dias de evento.
Na Páscoa de 2012, integrei a delegação da arquidiocese do Rio de Janeiro, que foi à Roma para participação de seminário de trocas de experiências, com o time que organizou a jornada de Madri, e reunião no Vaticano com Pontifício Conselho para os Leigos, liderado na época pelo Cardeal Stanislaw Rilko. A finalização das agendas se deu no Domingo de Ramos quando participamos, ao lado do altar de celebração, da Santa Missa celebrada pelo Papa Bento XVI na Praça de São Pedro.
Na fase final de preparação do evento, foi contratado um escritório de advocacia full service para liderar, com mais recursos humanos e áreas de expertise, a execução final da operação jurídica do megaevento. Prossegui até o final como voluntário pro bono passando a integrar a comissão de segurança estratégica que fez a ligação com o time de segurança do Papa. Passagem pitoresca, por exemplo, quando fui ao Aeroporto do Galeão para recepcionar a chegada dos veículos "papamóvel" que o Pontífice usaria em seus deslocamentos no Rio de Janeiro.
E naquele lindo agosto de 2013, eu e mais três milhões de jovens recebíamos no Rio de Janeiro o Papa Francisco, com as ruas tomadas por bandeiras e cores, cheias de paz e solidariedade, para intensos dias de fraternidade e celebração da vitalidade da juventude.
A atuar como advogado "pro bono" de forma gratuita, eventual e voluntária em favor de instituições sociais sem fins econômicos ou aos seus assistidos é um privilégio que tenho tido ao longo da minha carreira e do qual não abro mão. Precisamos no Brasil fortalecer a consciência de responsabilidade social e solidariedade que está tão bem personificada no voluntariado, seja em que área for.
Fui tão advogado quanto peregrino! E 16 anos e três Papas depois do jovem vender rifas e pedaços de bolo de chocolate para ir a uma JMJ, quando pude ir ao encontro do Papa Francisco, ao lado da minha esposa, conversamos e rimos. Sabendo que eu sou gaúcho perguntou se eu torcia para "Inter" - o que orgulhosamente respondi que sim - e então nos demos às mãos, baixamos a cabeça e rezamos juntos por um mundo mais justo, fraterno e de "portões" mais abertos à inclusão social e ao respeito à dignidade humana.