O Brasil acelerou a inovação no setor de seguros ao implementar um projeto Open Insurance que visa modernizar e aumentar a concorrência no mercado.
O ritmo imposto pela Susep, supervisora de seguros do Brasil, foi de fato tão rápido que gerou uma reação do mercado, e alguns dos prazos mais apertados foram relaxados um pouco no início de novembro.
O projeto Open Insurance do Brasil começou em dezembro de 2021 e, de acordo com o cronograma inicial, deverá entrar em sua terceira fase até dezembro de 2022.
A primeira fase, que engloba a partilha de dados públicos das empresas sobre produtos, serviços e canais de distribuição, está bem encaminhada. A segunda fase, iniciada em setembro de 2022, compreende a partilha de dados pessoais dos clientes, incluindo informação relativa às suas operações de seguros. Concluída essa fase, até junho de 2023, os dados estarão abertos para consulta por entidades autorizadas pela Susep.
A terceira fase envolve a obtenção de autorização dos clientes para compartilhar dados sobre seus contratos de seguro, incluindo pagamentos de prêmios e históricos de sinistros. Mas o órgão de supervisão foi convencido pelos intervenientes preocupados a pisar no travão, à medida que os titulares e os recém-chegados se esforçam por adaptar os seus próprios sistemas às mudanças futuras. O início da terceira fase foi adiado para março de 2023.
"Por envolver muitas questões tecnológicas e de governança, o setor identificou a necessidade de avançar de forma um pouco mais gradual, como nos EUA e em outros mercados", diz Izabela Rücker Curi Bertoncello, advogada de seguros radicada em Curitiba. O adiamento foi decidido após mudança na liderança da Susep no final de 2021.
O projeto Open Insurance estabelece que as seguradoras devem compartilhar dados de suas apólices e clientes, quando devidamente autorizados pelos segurados, na maioria dos segmentos de seguros. O seguro residencial deverá ser a primeira linha onde os dados serão disponibilizados, em março de 2023. Outros 23 segmentos farão o mesmo nos próximos quatro meses. As informações telemétricas coletadas pelas seguradoras por meio de dispositivos da Internet das Coisas, no entanto, foram excluídas do conjunto de dados que deverão ser compartilhados.
Especialistas afirmam que a medida terá impacto sobretudo em produtos do mercado de massa, como apólices de seguros de vida, automóveis, residências e PME, bem como em pensões privadas. A princípio, o projeto também exigia o compartilhamento de dados de políticas de grandes riscos, mas a última reviravolta regulatória da Susep isentou vários segmentos de grandes riscos dos requisitos de compartilhamento.
O principal objetivo do programa é permitir que o mercado segurador alcance segmentos de público que hoje não tem acesso. Este público inclui milhões de consumidores que fazem compras online e um universo de jovens e potenciais compradores de produtos de seguros, cujas necessidades diferem significativamente das dos clientes tradicionais.
Hugo Assis, head de Seguros na América Latina da consultoria Accenture, afirma que o projeto também representa uma oportunidade para o setor aumentar a penetração de seguros no país. A consultoria estima que a indústria seguradora represente apenas 3,7% do PIB, o que é muito inferior ao das economias desenvolvidas.
"O tamanho do mercado de seguros, em percentual do PIB, tem se mantido estável nos últimos anos. Oscilou entre 3,5% e 3,8%", afirma. "O Open Insurance, em parte, é uma reação à constatação de que a situação atual, em que as seguradoras só podem tentar conquistar participação de mercado dos
ds para lugar nenhum."
As expectativas sobre o impacto do Open Insurance são explicadas pelo fato de os brasileiros serem usuários ávidos de canais digitais e terem demonstrado disposição em compartilhar seus dados com empresas online. Uma pesquisa da Accenture estimou que 82% de todos os segurados brasileiros entre 18 e 34 anos aceitam compartilhar os dados de seus contratos.
Assis diz que o atrativo do projeto para os subscritores é que, com mais dados disponíveis, eles poderão desenhar produtos customizados para cada consumidor.
"As seguradoras poderão oferecer produtos mais personalizados e acessar potenciais clientes por meio dos canais digitais que mais gostam", afirma Assis.
O acesso aos dados provavelmente será fornecido por plataformas conhecidas como Application Programming Interface, API, que serão gerenciadas por terceiros. A Susep criou um novo tipo de empresa, conhecida como Sociedade Processadora de Ordem do Cliente, ou SPOC, que funcionará como intermediária entre os usuários e o ecossistema de dados.
As seguradoras também poderão precificar suas ofertas com mais precisão, tendo acesso a dados sobre sinistros. Além disso, como o Seguro Aberto será integrado numa iniciativa mais ampla de Financiamento Aberto que já fez progressos significativos no setor bancário, haverá muita informação sobre a situação financeira dos consumidores para conceber formas criativas de lhes vender seguros.
Alguns produtos já foram desenvolvidos por um sandbox regulatório mantido pela Susep que visa maximizar o potencial liberado pelo Open Insurance. Por exemplo, as primeiras apólices de seguro automóvel pré-pago começaram a ser vendidas no Brasil, bem como coberturas para animais de estimação que antes eram difíceis de desenvolver devido à rigidez regulatória da Susep nas redações.
"O sandbox regulatório é o que vai garantir a viabilidade do Open Insurance", acrescenta Curi.
O outro lado é que não serão apenas as seguradoras que terão acesso a esta riqueza de informações. Varejistas, empresas de tecnologia e, particularmente, bancos, que já respondem por uma grande parcela das vendas de seguros no Brasil, também terão mais facilidade para expandir sua presença no mercado, muitas vezes com a ajuda de insurtechs disruptivas emergentes.
"A concorrência baseada em preços pode aumentar, estreitando as margens e aumentando os incentivos para os clientes mudarem de seguradora ao longo do tempo", diz Laura Maconi, sócia da Oliver Wyman no Brasil. "É de se esperar que o Open Insurance promova a entrada e o crescimento das insurtechs, pois elas poderão acessar dados que não tiveram acesso até agora. Isso as ajudará a desenvolver novos modelos de negócios."
Curi observa, por exemplo, que players como a Caixa Econômica Federal e o Banco do Brasil, gigantescos bancos estatais que têm a reputação de serem inovadores lentos, melhoraram seus departamentos de privacidade de dados e conformidade para integrar uma série de insurtechs em suas operações de seguros. .
Mas a concorrência mais acirrada não é o único desafio enfrentado pela indústria de seguros com o projeto. Muitas empresas também terão de atualizar as suas capacidades analíticas e de TI se quiserem fazer bom uso dos dados que serão disponibilizados no novo ecossistema.
A conformidade com as leis de privacidade de dados é outro grande problema, já que o Brasil implementou uma legislação rígida semelhante ao GDPR que cria responsabilidades significativas para as empresas que lidam com informações pessoais de clientes.
As seguradoras terão que obter autorizações de privacidade de dados dos clientes usando seus aplicativos ou outras ferramentas digitais. Mas nem todas as seguradoras estão equipadas para isso, e grande parte das apólices é vendida no Brasil por meio do canal corretor, onde a digitalização também não é generalizada. Nesse sentido, a experiência do Open Insurance no Brasil apresenta diferenças importantes com a bem-sucedida iniciativa Open Banking.
"Na maioria das vezes, os consumidores não têm uma relação digital com as suas seguradoras, o que é diferente do que acontece com os bancos", diz Maconi.
Mas acrescenta também que, quando o ambiente de Open Finance estiver plenamente implementado, não só as empresas financeiras, mas também os consumidores beneficiarão enormemente das oportunidades que serão criadas.
"A interoperabilidade entre os ecossistemas Open Insurance e Open Banking oferece grandes oportunidades para os clientes consolidarem e gerenciarem suas vidas financeiras em um único lugar", afirma ela. "No entanto, existem desafios significativos em termos de governação e tecnologia, e tudo tem de ser cuidadosamente planeado."