O Projeto de Lei 4.188/21, mais conhecido como Marco Legal das Garantias de Empréstimo, é um modernizador plano de alteração e inclusão de normas legais que tem como finalidade facilitar e ampliar a concessão de crédito e incentivar o crescimento nacional ao aperfeiçoar as regras de garantia hoje existentes, com o aprimoramento, principalmente, dos institutos da alienação fiduciária e hipoteca, cujo regramento é disperso na legislação pátria.
O PL 4.188 é oriundo do grupo denominado IMK - Iniciativa de Mercado de Capitais[1], criação do Ministério da Economia e do Banco Central do Brasil que trouxeram quatro grandes modernizações legislativas em conjunto ao debate público: PL 4.188 (Marco Legal das Garantias); MP 1.085/2021, convertida na Lei 14.382/2022 (criação do SERP - Sistema Eletrônico de Registros Públicos); MP 1.103, convertida na Lei 14.430/2022 (altera as regras gerais de securitização de direitos creditórios e a emissão de Certificados de Recebíveis); MP 1.104 (altera disposições da Lei do Agro).
O PL 4.188/21 já foi aprovado pela Câmara dos Deputados e, neste momento, aguarda apreciação pelo Senado Federal.
As Instituições Gestoras de Garantias.
O PL 4.188/21[2] cria, de início, em seu Capítulo II, mediante regramento específico (artigos 2º a 11º), um serviço de gestão especializada de garantias, a ser operacionalizado através das Instituições Gestoras de Garantias (IGGs), que nada mais serão do que pessoas jurídicas de direito privado, com funcionamento regulamentado pelo Conselho Monetário Nacional e sob supervisão do Banco Central do Brasil, que irão intermediar as garantias ofertadas por pessoas físicas e jurídicas através da possibilidade do seu compartilhamento em, por exemplo, mais de uma operação de crédito.
Através da criação das IGGs, na hipótese de uma pessoa física, por exemplo, adquirir um bem imóvel, constituído como garantia fiduciária, lhe será autorizado compartilhar este mesmo bem em outras operações financeiras, desde que esteja adimplente com as operações já constituídas, podendo ampliar seu acesso a crédito novo no mercado financeiro.
As alterações com relação ao procedimento de execução extrajudicial dos créditos garantidos por alienação fiduciária.
O marco legal das garantias de empréstimo, ao aprimorar institutos e promover sensíveis alterações principalmente na lei de alienação fiduciária (Lei 9.514/97), disciplinou em muitos dos seus dispositivos, além de inovações importantes, muitas discussões que há muito são debatidas nos Tribunais Pátrios acerca dos procedimentos relativos a propriedade fiduciária de bem imóvel, trazendo maior segurança jurídica ao instituto.
Especificamente, houve a alteração no artigo 22, com a inclusão do parágrafo terceiro, para possibilitar a Alienação Fiduciária da Propriedade Superveniente, que pode ser comparada a uma "Alienação Fiduciária de 2º Grau", na qual a alienação fiduciária do imóvel já alienado, desde que realizada pelo mesmo fiduciante do primeiro negócio jurídico e, admitida ao registro imobiliário desde a data de sua celebração - portanto, com efeitos ex tunc -, terá sua eficácia condicionada à aquisição do imóvel pelo fiduciante nos exatos termos do artigo 25, da Lei 9.514/97.
Além disso, há disposição no artigo 22, parágrafo 6º, o qual incluiu a previsão de modalidade de "cross default" (vencimento cruzado) no caso de outorga de mais de uma garantia fiduciária sobre o mesmo imóvel, ou seja, ocorrendo o inadimplemento de quaisquer das obrigações garantidas pela propriedade fiduciária, será facultado ao credor declarar vencidas as demais obrigações de que for titular e estiverem garantidas pelo mesmo imóvel, desde que prevista em cláusula no instrumento constitutivo de alienação fiduciária.
Além destas alterações iniciais, estão sendo incluídos mecanismos na Lei 9.514/97, nos dispositivos que já existem, além de outros inovados no projeto, a fim de prever a:
(i) Possibilidade de pluralidade de garantia de imóveis, para um ou mais credores, ou seja, o mesmo imóvel poderá ser dado em garantia para mais de uma operação;
(ii) Faculdade dada ao credor, caso o devedor venha a inadimplir quaisquer das obrigações garantidas, declarar vencidas as demais obrigações de que for titular;
(iii) Possibilidade de garantia de obrigação própria ou de terceiro;
(iv) Possibilidade de dar em garantia da mesma dívida, imóveis localizados em mais de uma circunscrição imobiliária, disciplinando que a intimação para purgação da mora poderá ser requerida a qualquer dos registradores competentes;
(v) Previsão do prazo de quinze dias de carência em caso de omissão contratual;
(vi) Responsabilização do devedor em informar ao credor, expressamente, sobre a alteração do seu domicílio;
(vii) Estipulação de multa ao fiduciário, caso não forneça, no prazo de trinta dias após a liquidação da dívida, de termo de quitação ao devedor e ao terceiro fiduciante;
(viii) Estipulação de que no segundo leilão, será aceito o maior lance oferecido, desde que seja igual ou superior a cinquenta por cento do valor do imóvel;
(ix) Possibilidade de execução do saldo remanescente ou excussão das demais garantias, em caso do produto do leilão não ser suficiente para o pagamento integral da dívida;
(x) Estipulação de que os direitos reais de garantia e as eventuais constrições, entre elas, penhoras, arrestos, bloqueios e/ou indisponibilidades de qualquer natureza, não obstarão a consolidação da propriedade no patrimônio do credor e sua posterior venda para realização da garantia;
(xi) Estipulação de que, na hipótese de excussão da garantia ser iniciada por instituições autorizadas a funcionar pelo Banco Central, as ações judiciais que tenham como objeto controvérsias contratuais ou requisitos procedimentais de cobrança e leilão, não obstarão a reintegração de posse pelo credor, devendo ser resolvidas em perdas e danos.
(xii) Estipulação de que nas operações de crédito garantidas por alienação fiduciária de 2 (dois) ou mais imóveis, podendo o credor promover a excussão em ato simultâneo, de todos os imóveis em conjunto, ou em atos sucessivos, por meio de consolidação e leilão de cada imóvel em sequência, à medida do necessário para satisfação integral do crédito.
A previsão da extensão da alienação fiduciária em contratos de abertura de limite de crédito: "alienação fiduciária recarregável"
O PL 4.188/2021 acrescenta o artigo 9º-B, 9º-C e 9º-D a Lei 13.476/2017, os quais preveem as hipóteses de: (i) extensão da garantia fiduciária de bem imóvel as novas operações garantidas nos contratos de abertura de limite de crédito, as operações financeiras derivadas, podendo-se, (ii) em caso de inadimplemento de quaisquer das operações vinculadas a mesma garantia, considerar todas elas vencidas antecipadamente, hipótese em que será exigível a totalidade da dívida, somando-se os saldo de cada operação individualmente, bem como, (iii)em caso de liquidação antecipada de quaisquer operações, não ser obrigado ao devedor liquidar antecipadamente as demais operações vinculadas a mesma garantia.
Importa recordar que o artigo 9º-A (revogado), também da Lei 13.476/2017, previu a possibilidade do fiduciante, com anuência do credor, utilizar bem imóvel como garantia de novas e autônomas operações de crédito, desde que contratadas com o credor da operação original, previsão esta que, embora revogada, originou-se na inovação legislativa que autorizou a abertura de limite de crédito através das operações financeiras derivadas, e possibilitou a constituição de garantias nesta modalidade de contrato, prevendo-se a possibilidade de excussão de saldo devedor remanescente, na hipótese do produto da execução destas garantias não bastar para a quitação da dívida.
A execução extrajudicial dos créditos garantidos por hipoteca.
De forma inovadora, o PL 4.188/2021, atento a padronização dos procedimentos extrajudiciais, em razão da facilidade de acesso e necessária interação entre os agentes que integram o ambiente de crédito (instituições financeiras, pessoas físicas e jurídicas) fora do poder judiciário, disciplinou a execução extrajudicial dos créditos garantidos por hipoteca (exceto operações de financiamento da atividade agropecuária), ao incluir, na própria Lei 9.514/97, o artigo 33-G e parágrafos 1º ao 13º, em grande semelhança ao procedimento de consolidação de propriedade utilizado para as garantias fiduciárias de bem imóvel.
Assim, previu-se que os créditos garantidos por hipoteca poderão ser executados extrajudicialmente independentemente de previsão contratual, desde que constatado o vencimento e não pagamento da dívida hipotecária e mediante intimação pessoal do devedor e/ou do terceiro hipotecante, a fim de que realizem a purgação da mora no prazo de quinze dias.
Em caso de não purgação da mora, o projeto dispõe que o credor deverá promover no prazo de sessenta dias, público leilão do imóvel. O primeiro leilão considerará o valor igual ou superior ao de avalição do imóvel e no segundo leilão não será aceito lance que não seja igual ou superior a cinquenta por cento do valor do imóvel, sendo assegurado ao devedor ou ao prestador da garantia hipotecária, antes do bem ser alienado em leilão, o direito de remir a execução, mediante o pagamento da totalidade da dívida.
Ainda, previu-se que, na hipótese do lance oferecido no segundo leilão não atender ao referencial mínimo de cinquenta por cento do valor do bem, o imóvel será considerado arrematado pelo credor hipotecário, sem que seja necessário ao mesmo, devolver qualquer quantia ao devedor.
A execução extrajudicial das garantias imobiliárias em concurso de credores.
A análise sistemática do Marco Legal das Garantias de Empréstimo implica na compreensão do artigo 33-H que, diga-se, será acrescentado à lei 9.514/97, ao prever que quando houver mais de um crédito garantido pelo mesmo imóvel, realizadas as respectivas averbações das garantias, caberá ao oficial do registro de imóveis intimar simultaneamente todos os credores concorrentes para habilitarem os seus créditos, no prazo de quinze dias, através de requerimento com os documentos necessários para a atribuição de valor a execução extrajudicial em concurso de credores.
Com isso, o oficial do registro de imóveis lavrará a certidão correspondente e intimará o garantidor e todos os credores em concurso quanto ao quadro atualizado de credores, incluindo os créditos e os graus de prioridade sobre o produto da excussão da garantia, sendo que a distribuição dos recursos obtidos com a excussão, observará, com prioridade, ao fiduciante ou ao hipotecante, e ficará a cargo do próprio credor exequente.
A previsão de hipoteca para garantia de dívida futura ou condicionada e previsão da hipoteca recarregável.
O PL 4.188/2021 acrescenta os artigos 1.487 e 1.487-A ao Código Civil, prevendo-se que a hipoteca poderá ser constituída para garantia de dívida futura ou condicionada, desde que determinado o valor máximo do crédito a ser garantido, sendo que a execução da hipoteca dependerá de prévia e expressa concordância do devedor quanto a verificação da condição ou montante da dívida.
Além disso, previu-se a possibilidade de extensão da hipoteca para garantir novas obrigações, em favor do mesmo credor, desde que observado o prazo e o valor máximo garantido que constem na especialização da garantia original, sendo necessária a averbação na matrícula quanto a sua extensão.
A possibilidade de remição da hipoteca anterior por credor subsequente.
O PL 4.188/2021 acrescenta ao artigo 1.477 do Código Civil, os parágrafos primeiro (hipótese em que não se considerará o devedor insolvente) e segundo (possibilidade do credor declarar vencidas todas as operações garantidas pelo mesmo imóvel em caso de inadimplência do devedor.
Além disso, o projeto acrescenta o artigo 1.478 ao prever que "o credor hipotecário, efetuando o pagamento, a qualquer tempo, das dívidas garantidas pelas hipotecas anteriores, sub-rogar se á nos seus direitos, sem prejuízo dos que lhe competirem contra o devedor comum."
A possibilidade de penhorabilidade do bem de família: home equity.
Um dos pontos mais sensíveis do PL 4.188/2021, refere-se a alteração do artigo 3º, inciso V da Lei 8.009/1990 (lei que dispõe sobre a impenhorabilidade do bem de família), prevendo-se a exceção a impenhorabilidade para autorizar a excussão de imóvel oferecido como garantia real qualquer que seja a obrigação garantida ou a destinação dos recursos obtidos, e ainda que a dívida seja de terceiro.
Esta alteração vem ao encontro do movimento do próprio mercado financeiro que tem ampliado cada vez mais a concessão de crédito com garantia de imóvel, conhecida como home equity.
A alteração do projeto apenas adequa a exceção prevista na lei do bem de família a possibilidade de outras modalidades de garantia real oferecidas, poderem ser excutidas, ainda que a dívida seja de terceiro.
A exclusão do monopólio da Caixa Econômica Federal em relação aos penhores civis.
Além das questões que circundam as garantias reais, o PL 4.188/2021 também prevê que as operações de penhor civil poderão ser exercidas pelas instituições financeiras, conforme regulamentação do Conselho Monetário Nacional, acabando com o monopólio da Caixa Econômica Federal.
Conclusão.
Por fim, sem que se tenham exaurido as minúcias de todas as alterações legislativas, fica claro que o Projeto de Lei 4.188/21, ao pretender criar um Marco Legal das Garantias de Empréstimo, em teoria, tem a intenção de facilitar, bem como, ampliar o uso de garantias imóveis na concessão de crédito, e, consequentemente, reduzir juros e custos, além de propagar a concorrência no setor financeiro.
As alterações são significativas e trazem maior segurança jurídica aos credores, ao pretender disciplinar lacunas, ampliar possibilidades e regulamentar situações que, hoje, são terceirizadas ao poder judiciário para serem decididas ou sequer são autorizadas pela legislação.
De outro lado, fica a dúvida com relação a celeridade da adequação nas alterações legislativas que estão sendo aprovadas pelo Congresso Nacional para que, na prática, sejam implementadas de forma célere pelos Cartórios de Registro de Imóveis de todo o país de forma unificada e sistematizada.