Antes de adentrar especificamente no tema, necessário se faz elucidar o que de fato vem a ser demanda predatória. Classifica-se como sendo as causas em que o advogado, para obter a mesma, vale-se das infrações disciplinares dispostas nos incisos III e IV do art.34 do Código de Ética da OAB, quais sejam, valer-se de agenciador de causas, mediante participação nos honorários a receber, angariar e/ou captar causas, com ou sem a intervenção de terceiros. A famosa "captação de clientes".
Importante destacar que, não se considera predatória a prática da advocacia exercida dentro dos padrões éticos e em obediência ao regulamento da OAB. Ocorre que, esses profissionais têm perdido espaço para outros que, a revelia do Estatuto da OAB, exercem a advocacia de forma duvidosa.
São muitos os impactos negativos causados pela advocacia predatória, por exemplo, a captação indevida de clientes ocasiona uma disparidade entre os profissionais da advocacia, pois aqueles que utilizam-se de artimanhas e possuem influência em determinado seguimento da sociedade, conseguem captar mais clientes, e, consequentemente, aumentar a distância financeira em relação aos demais colegas, e isso acaba sendo um círculo vicioso, aonde cada vez mais os captadores de clientes enriquecem em detrimento dos demais profissionais.
Outro ponto interessante de se destacar é que, em sua maioria, as demandas oriundas de captações ilegais de clientes tratam-se de demandas frívolas, com alteração da verdade dos fatos, sendo, por vezes, incidentes manifestamente infundados, e - conforme preceitua o art.80 do CPC - tais demandas são consideradas ações com litigância de má-fé, podendo o requerente responder por perdas e danos.
A fim de elucidar o impacto das demanadas predatórias no judiciário brasileiro, apresento os dados de um único advogado, classificado por diversas instituições bancárias como um dos maiores demandistas do país. Nos últimos 10 anos, o referido advogado distribuiu mais de 119.000 (cento e dezenove mil) ações em face das instituições financeiras, sendo a maioria delas sob o argumento de que os autores jamais contrataram com as empresas demandas.
Não bastasse a clara captação indevida de clientes, em sua maioria pessoas com baixa instrução, o modus operandido referido advogado caracteriza-se também pela alteração da verdade dos fatos, posto que, para efetuar tal captação, os agenciadores "vendem" o serviço de revisão contratual, contudo, a ação distribuída requer a declaração de inexistência do débito com pedido de dano moral.
Apurou-se que, nos últimos anos cerca de 80% dessas ações foram julgadas improcedentes ou extintas sem o julgamento do mérito. Tomando-se por base os dados disponibilizados pelo CNJ, o ajuizamento dessas demandas predatórias representa um impacto financeiro de mais de R$ 290.000.000,00 (duzentos e noventa milhões de reais) aos cofres públicos.
Além da questão financeira, outro impacto causado pelas demandas predatórias é o abarrotamento do judiciário brasileiro, um exemplo disso é a comarca de Manga-MG, em que, desde 2019, viu serem distribuídas pelo mesmo advogado 1.337 ações idênticas, o que corresponde a 32% do total das ações em tramite na comarca, outro exemplo desse abarrotamento vem da comarca de Naviraí-MS onde, até 2021 já foram distribuídas mais de 12.000 ações. Além disso, levando em consideração a população apurada pelo censo IBGE 2020 (53.188) o número de ações distribuídas corresponde a cerca de 22% da população do município, mais gritante ainda é o caso de São Domingos-SC, onde temos 2.113 ações distribuídas para uma população de apenas 9.496 habitantes.
Vejam que, mais uma vez, os advogados que atuam de forma ética e dentro dos padrões exigidos pela OAB são penalizados, pois a avalanche de demandas desprovidas de fundamento atravanca o andamento de todos os demais processos, causando mais lentidão ao poder judiciário.
Ultimamente, muitos magistrados, que cientes dessa situação e com os impactos causados por ela, têm extinguindo em lote centenas de demandas predatórias, dando um exemplo de combate à advocacia predatória.
O exemplo dado é de apenas um único profissional, mas existem inúmeros advogados com atuação semelhante em todas as regiões, em muitos casos além da captação ilícita de clientes, são identificadas a existência de fraudes documentais e o ajuizamento de demandas sem consentimento do consumidor.
Por certo, as grandes empresas, vítimas dessa modalidade de advocacia, têm se movimentado e se estruturado no sentido de sinalizar o judiciário sobre as práticas e combater a conduta desses profissionais. É importante que a atenção do judiciário se volte para essa questão para que essa situação não se perpetue prejudicando aqueles que efetivamente precisam da justiça.