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Análise

A Responsabilidade do diretor: O seguro D&O

Por Por Ricardo Tahan, Sócio da Tahan & Porto Advogados Associados

23 de November de 2022 20h28

INTRODUÇÃO

Não rara, atualmente, a percepção comum de que administradores de empresas, quaisquer que sejam suas formas de constituição, sejam responsabilizados por todos e quaisquer atos praticados pelas pessoas jurídicas que representam e/ou administram, mormente nas ocasiões em que tais atos causem ou possam causar prejuízos à própria empresa e a terceiros.

A discussão acerca da responsabilidade de administradores se torna ainda mais aguda quando se está diante de uma sociedade anônima, nas quais os proprietários das ações nem sempre são os responsáveis pela administração da companhia e pelos atos praticados por elas.

As sociedades anônimas, tais como outras sociedades personificadas, são detentoras de capacidade para aquisição de direitos e para contrair obrigações em seus próprios nomes. Entretanto, essas sociedades, apesar de deterem direitos e contraírem obrigações, não detém a capacidade de agir sem que haja a iniciativa e a prática de atos daqueles que a administram.

Não obstante a existência dessa diferença clara entre a entidade (pessoa jurídica) e as pessoas físicas que efetivamente praticam os atos de administração, vislumbra-se a possibilidade de responsabilização dos administradores pelos atos praticados em nome da entidade que representam.

De outra banda, exercer a administração de uma companhia implica necessariamente assunção de riscos na tomada de decisões, com vistas a maximizar seu fim social: o lucro!

Ilan Goldberg discorre sobre a arte de administrar uma sociedade:

"A administração de uma sociedade requer a tomada de decisões constantes, necessita de certo apetite pelo risco, porque é justamente tomando-o que se encontram boas oportunidades. Que administrador, por mais cauteloso que seja, não se viu obrigado a decidir de forma considerada arriscada para proteger os interesses da sociedade? Num ambiente social considerado de risco - a chamada sociedade de risco - estudada por tantos filósofos e sociólogos há tempos - esse elemento passa a ser de fato comum, com o qual os administradores devem se acostumar e, assim, passar a conviver."[1]

A possibilidade de ser responsabilizado por contrair obrigações, mesmo tendo praticado atos regulares de gestão, causaria um imenso vácuo na cadeira de administração das companhias, ou até mesmo tolhendo e engessando a capacidade decisória do administrador talentoso.

Com vistas a essa delicada relação entre tomada de decisões, assunção de riscos, coleta de informações, cautela, diligências, conflitos, interesse da companhia, interesse dos acionistas, entre outros tantos deveres e direitos do administrador, o Legislador pátrio tratou de regulá-la por meio dos artigos 153 a 159 da Lei nº 6.404/76, a Lei das Sociedades Anônimas.

A análise da responsabilização pessoal do administrador de uma sociedade anônima será o objeto desse sucinto estudo, apresentando-se, ainda, uma forma de garantir que eventuais prejuízos causados a companhia e/ou a terceiros sejam reparados sempre que tais atos foram praticados em harmonia com a Lei e com as normas estatutárias.

A ADMINISTRAÇÃO DAS SOCIEDADES ANÔNIMAS.

Segundo o artigo 138 da Lei das Sociedades Anônimas (LSA), a "administração da companhia competirá, conforme dispuser o estatuto, ao conselho de administração e à diretoria, ou somente à diretoria".

O caput do dispositivo citado apresenta dois sistemas de administração de uma sociedade anônima:

  • sistema monista, por meio do qual a companhia é administrada exclusivamente pela diretoria, sendo esse órgão essencial para todos os tipos de sociedades anônimas; e,
  • sistema dualista, por meio do qual a administração é partilhada entre a própria diretoria e um conselho de administração, sendo esse sistema obrigatório exclusivamente nas companhias abertas e de capital autorizado ou for uma companhia de economia mista.

Desfaz-se, portanto, a equivocada e muito comum impressão de que os acionistas necessariamente são os administradores de uma sociedade anônima e, portanto, passíveis de responsabilização pelos atos praticados em nome da companhia.

Para se estabelecer a responsabilidade dos administradores, é necessário, ainda, estabelecer a distinção entre diretoria e conselho de administração.

O conselho de administração, nos termos dos artigos 140 e 142 da LSA, tem uma função deliberativa, orientando de forma geral os negócios da companhia e fiscalizando a atuação dos diretores.

Utilizando-se das palavras de Ana Frazão:

"Tradicionalmente, diz-se que o Conselho de Administração insere-se entre a Assembleia Geral e a Diretoria, porque, quando de sua criação, assumiu obrigações privativas dos dois órgãos. Não cabe ao Conselho representar a companhia, não podendo em nome dela contrair obrigações de qualquer espécie; sua função é de planificação e fiscalização da diretoria, a quem incube, de maneira privativa, a representação externa da sociedade."[2]

Ainda, segundo Paulo F. C. Salles de Toledo:

"A ‘orientação geral dos negócios’ é função emblemática do conselho de administração. A este órgão cabe traçar o norteamento da atividade da empresa, incumbindo-lhe ‘formular a política empresarial, definir objetivos, aprovar planos e orçamento anuais e plurianuais’. Em outras palavras, aqui o conselho de administração mostra-se como órgão de supervisão. Não será demais lembrar, a propósito, que, em outros sistemas jurídicos, ele é chamado de conselho de supervisão (por exemplo: conseil de surveillance, no direito francês, e aufsichsrat, no direito alemão)."[3]

A diretoria, por seu turno, é o órgão ao qual caberá, nas palavras de Modesto Carvalhosa, citado por Ana Frazão na mesma obra, "tanto o exercício da gestão, que corresponde ao poder de decidir a respeito dos negócios sociais, quanto a representação, que se refere ao poder de manifestar externamente a vontade social".[4]

Apesar de existirem controvérsias acerca da função prática do conselho de administração no Brasil, as atribuições desse conselho e da diretoria apontam, prima facie, para a ausência de responsabilidade do conselho quanto eventuais atos de gestão.

Considerando-se essa premissa, a análise proposta neste artigo estará limitada exclusivamente à responsabilidade dos administradores da sociedade anônima, na qualidade de diretores.

A RESPONSABILIZAÇÃO DO DIRETOR.

Estabeleceu-se, até este ponto, que:

  • os administradores das sociedades anônimas são capazes de contraírem obrigações em nome da sociedade, visando o benefício da companhia;
  • a manifestação externa da vontade social se dá por atos praticados por seus administradores;
  • a diretoria é um órgão essencial para a administração da sociedade anônima, qualquer que seja sua espécie.

Significa dizer que não há que se falar em administração da sociedade anônima sem a existência de uma diretoria constituída, composta por pessoas físicas: os diretores.

O diretor é, em última análise, o administrador da sociedade anônima; é o responsável pelos atos necessários desenvolvimento do objeto social da companhia. E essa responsabilidade não decorre da relação contratual havida entre o diretor e a companhia, mas sim da Lei:


"Art. 158. O administrador não é pessoalmente responsável pelas obrigações que contrair em nome da sociedade e em virtude de ato regular de gestão; responde porém, civilmente, pelos prejuízos que der causa, quando proceder:
I - dentro de suas atribuições ou poderes, com culpa ou dolo;
II - com violação da lei ou do estatuto."[5]

Analisando o artigo transcrito, Sérgio Campinho define a natureza da responsabilidade do diretor:

"...a responsabilidade civil dos administradores não é de índole contratual. Não decorre do inadimplemento de uma obrigação contratual ou da infração de um contrato. A responsabilidade deriva da prática de um ato ilícito extracontratual, caracterizado pela violação de um dever legal. A responsabilidade é, pois, ex lege ou aquiliana."[6]

Antes de nos debruçarmos sobre as hipóteses em que o administrador da sociedade anônima pode sofrer a responsabilização, necessário identificar quais são os atos regulares de gestão, apontados por Sergio Campinho como deveres legais do administrador.

Os atos regulares de gestão são aqueles praticados pelo administrador no interesse da companhia, observando-se os deveres de diligência e lealdade.

O dever de diligência é tratado pela LSA em seu artigo 153, verbis:


"O administrador da companhia deve empregar, no exercício de suas funções, o cuidado e diligência que todo homem ativo e probo costuma empregar na administração dos seus próprios negócios."

O administrador de uma sociedade anônima, especificamente o diretor, tem o dever praticar seus atos de administração com interesse e cuidado, de forma sempre urgente, mediante uma busca minuciosa e investigação profunda. E isso porque está ele administrando ativos que não lhe pertencem, ainda que seja ele o único controlador, o acionista majoritário ou, até mesmo, o minoritário.

Em suma: é dever do administrador qualificar-se, informar e se informar, vigiar, investigar...

Uma vez que a atividade empresarial, qualquer que seja ela, apresenta algum risco, em maior ou menor intensidade, o administrador negligente não deterá condições de avaliar com precisão os riscos aos quais a sociedade está submetida, agravando esses riscos.

Como se verá adiante, o agravamento desse risco como decorrência da negligência do administrador terá impacto determinante na contratação de apólice de seguro D&O.

Quanto ao dever de lealdade que, segundo António Menezes Cordeiro, é o preceito fundamental, "sendo certo que dele decorre, no essencial, todo o resto"[7], não carece de maiores digressões, na medida em que ou leal se é ou não é.

Apesar disso, como sói acontecer com a legislação brasileira, que comumente traz em seus dispositivos preceitos morais que não deveriam serem escritos, o Legislador entendeu por bem apontar no artigo 155 da LSA um rol dos atos que são vedados ao administrador judicial, sob pena de caracterização de infringência ao dever de lealdade.

Se por hipótese, a Assembleia Geral se deparar com a necessidade de escolha entre um administrador negligente e um desleal, a escolha do primeiro seria muito menos nociva à companhia.

A assertiva do parágrafo anterior tem origem no ensinamento de André Tunc, que considera o dever de lealdade como sendo o mais importante entre os deveres fiduciários do administrador:

"Os administradores são pessoas às quais os acionistas confiam o futuro da sociedade. Eles devem se apresentar dignos dessa confiança. (...) Se considerarmos o dever que lhes incumbe, de respeitar os limites do estatuto da sociedade e assim como os limites de seus poderes, dever que não representa normalmente problemas, o seu dever enquanto que fiduciário tem dois aspectos fundamentais: o dever de diligência (duty of care) e o dever de lealdade (duty of loyalty). É esse último que é o mais importante. Os administradores, em suas decisões, não devem considerar que os interesses que lhes são confiados não são seus. Eles devem evitar mesmo ao máximo possível as situações de conflitos de interesses."[8]

Os atos praticados pelo administrador sem a observação do dever de lealdade, assim com aqueles praticados com negligência, também terão impacto na contratação de apólice do seguro D&O, como se observará a seguir.

A LSA fixou, portanto, quais as hipóteses em que o administrador de uma sociedade anônima pode ser responsabilizado pessoalmente pelos atos praticados em nome da sociedade: quando age com negligência (culpa) ou com deslealdade (dolo).

A fim de mitigar os prejuízos decorrentes de erros e omissões do administrador, o mercado segurador passou a oferecer às companhias um seguro que convencionou-se chamar de Seguro D&O (Directors and Officers Liability Insurence, ou Seguro de Responsabilidade Civil para Diretores e Executivos).

O SEGURO D&O

A fim de classificar corretamente o Seguro D&O faz-se necessário, inicialmente, reparar um equívoco causado pela tradução do nome dessa modalidade de seguro, eis que não se trata de um seguro que tem como causa apenas o risco de perdas e danos a terceiros.

O seguro de responsabilidade civil, tratado pelo artigo 787 do Código Civil, tem como objetivo garantir o pagamento de perdas e danos devidos pelo segurado a terceiros, preservando o patrimônio desse segurado. O interesse, portanto, é preservar o patrimônio do segurado.

O Seguro D&O, de seu turno, tem como causa a responsabilidade do administrador, contratado para proteção da companhia - tomadora do seguro - contra atos de gestão.

E, mais que isso, o Seguro D&O possui coberturas atípicas e que não possuem relações com perdas e danos causados a terceiros, tutelando garantia dirigida aos próprios administradores e oferecendo cobertura para riscos relacionados a dívidas de diversas naturezas (trabalhistas, fiscais, ambientais, ...).

Trata-se, portanto, de um seguro multirriscos e sua classificação como seguro de responsabilidade civil apresenta-se, no mínimo, como inapropriada.

A responsabilidade do diretor e o Seguro D&O

Viu-se que o diretor de uma sociedade limitada não é responsável pelas obrigações que contrair em nome da sociedade, desde que pratique atos regulares de gestão, seja leal e diligente, se qualifique, informe e se informe-se, vigie, investigue, cuide para que seus comandos também seguissem o mesmo princípio da lealdade por si adotado.

Apesar de diligente e leal, o administrador também está suscetível a erros e omissões que podem causar prejuízos à companhia e a terceiros.

Contudo, o Seguro D&O não se presta a proteger o patrimônio do administrador e/ou da companhia de prejuízos decorrentes da prática de atos regulares de gestão, na medida em que atos praticados com diligência e lealdade não são caracterizados como ilícitos civis passíveis de cobertura securitária.

Posto a miúde, o ato regular de gestão exclui a responsabilidade indenizatória do administrador, nos exatos termos do caput do artigo 158 da LSA. Se não há responsabilidade indenizatória, não há que se falar em cobertura securitária.

Como amplamente demonstrado linhas atrás, a responsabilidade do administrador exsurge quando os prejuízos são causados por atos praticados com culpa (negligência, imprudência ou imperícia) ou dolo, ou ainda, quando o administrador viola a Lei ou as disposições estatutárias.

Essa diferenciação entre atos do administrador praticados com culpa o dolo, ou seja, a diferenciação entre a violação do dever de diligência e de lealdade respectivamente, é fundamental para estabelecer a linha de corte capaz de expor quais as infrações são beneficiadas pela cobertura securitária e quais não são.

A regra básica que deve ser adotada para estabelecer a cobertura abrangida pelo Seguro D&O é: a culpa é amiga do Seguro D&O; o dolo é inimigo do Seguro D&O.

Entrementes, necessário destacar que as violações às disposições legais e/ou estatutárias serão sempre vista como dolo e, por isso, não há que se falar em cobertura para atos praticados pelo administrador que viola essas disposições.

Uma vez constatado que o prejuízo foi causado por negligência do administrador, que por qualquer motivo deixou de observar este ou aquele risco do ato praticado, presume-se que o ato foi praticado em benefício da companhia, não havendo em sua conduta nenhum elemento que caracterizasse sua intenção em se beneficiar do tal ato.

E por qual motivo são excluídos da cobertura securitária os danos causados por atos dolosos do administrador? A resposta é bastante simples e remonta ao um dos princípios do direito securitário: o dolo caracteriza agravamento intencional do risco segurado.

As modalidades de dolo próprias do Seguro D&O

O ato praticado deliberadamente pelo administrado com a intensão de se beneficiar ou de beneficiar terceiros em detrimento da companhia implica agravamento intencionalmente o risco, como dito brevemente no parágrafo anterior.

A contratação do Seguro D&O prevê modalidades próprias de dolo, que afastam a cobertura securitária. São elas:

  • vício volitivo, caracterizado pela contratação de apólices que não correspondem à realidade dos riscos, contendo informações inverídicas ou incompletas, impossibilitando a companhia seguradora de avaliar corretamente o risco e efetuar o cálculo atuarial para fixação do prêmio;
  • conduta que agrava ou modifica substancialmente o risco segurado, como é o caso do insider trading ou o descumprimento de disposições legais ou estatutárias;
  • descumprimento de deveres diversos, como por exemplo deixar de noticiar o sinistro, impedir o salvamento de bens sinistrados, entre outros;
  • fraude contra o seguro ou, tecnicamente, conduta deflagradora do sinistro, com o fim exclusivo de obter a indenização securitária.

Culpa lata dolo aequiparatur?

É incontestável que atos dolosos do administrador excluem a cobertura securitária porque essa conduta gera um agravamento intencional do risco segurado. Frise-se, agravamento intencional.

Nada obstante a presença da intenção do administrador de agravar o risco, muito se tem discutido sobre a equiparação da culpa grave ao dolo como embasamento jurídico para afastar a cobertura securitária. Mas, a culpa grave pode ser equiparada ao dolo?

Em se tratando de reparação civil, aos olhos da vítima, as consequências advindas da culpa grave ou do dolo são praticamente as mesmas.

Sob o tema, Ilan Goldberg assevera que:

"Sob o ponto de vista das consequências da conduta gravemente culposa ou dolosa para a vítima, não há muito o que comentar. A lesão provavelmente será enorme e a responsabilidade civil determinará que a indenização seja paga pelo lesante em atenção ao princípio da restitutio in integrum, pouco importando o grau de culpa ou o dolo para fins de exame dessa temática."[9]

Regido pelos artigos 1.432 e seguintes do Código Civil de 1916, o contrato de seguro poderia ser considerado nulo quando o risco decorresse da prática de atos ilícitos pelo segurado (art. 1.436), admitindo-se como causa para nulificação do contrato de seguro o dolo e a culpa.

Quando se analisa a questão sob a óptica do contrato de seguros no Código Civil em vigor, observa-se que o tratamento legal para as consequências da conduta culposa grave e o dolo é bastante distinto.

Diz o artigo 762 na nova Lei Civil, verbis:


"Nulo será o contrato para garantia do risco proveniente de ato doloso do segurado, do beneficiário, ou de representante de um ou de outro."

O dispositivo transcrito no parágrafo anterior traçou a linha de corte para o tratamento do dolo especificamente no contrato de seguro, preenchendo a lacuna deixada pela locução ato ilícito do citado artigo 1.436 da Lei revogada.

A nulificação do contrato de seguro se dá, portanto, apenas pela prática de ato ilícito doloso, não havendo absolutamente nenhuma menção na Lei Civil em vigor sobre a culpa e seus graus.

Feitas essas considerações, torna-se essencial retornar ao tema abordado no item 3 deste artigo, revisitando a rígida distinção entre os deveres de diligência e lealdade do administrador.

Novamente, Ilan Goldberg traz à luz a resposta para a questão:

"As violações ao dever de diligência não trarão benefícios ou vantagens aos administradores; muito ao contrário, resultarão apenas em problemas (e. g. perda de bônus, possível demissão, críticas à sua reputação, etc.). O administrador negligente prejudica a si mesmo. Por outro lado, o administrador desleal age dessa forma para obter benefícios e vantagens; aproveita-se de oportunidade negocial dirigida à sociedade, compra ou vende ações às vésperas da divulgação de fato relevante (insider trading), compete com a sociedade na qual desempenha as suas funções de maneira oportunista. O administrador desleal pode lucrar muito e, conforme for, até mesmo decretar a quebra da sociedade.
Por mais grave que seja a culpa do administrador, ela jamais será equiparada ao dolo."[10]

Em sentido contrário, defende-se a equiparação equivocada entre culpa grave e dolo com base na Circular SUSEP nº 553/17, que em seu artigo 3º equipara expressamente a culpa grave ao dolo, mas remete ao Judiciário ou às câmaras de arbitragem a definição do que é culpa grave.

A posição do órgão regulador se mostra descabida, diante da conjugação dos artigos 158 da LSA e 726 do Código Civil. Todavia, ao analisar a questão sob o fundamento da autonomia privada dos sujeitos de um contrato de Seguro D&O, pode-se admitir juridicamente a cobertura ou a exclusão dos riscos decorrentes da culpa grave, cabendo às partes e, em última instância, ao Judiciário, estabelecer quais atos serão considerados culpa grave.

A antecipação dos custos de defesa.

Como visto, o Seguro D&O é espécie de seguro que extrapola a simples cobertura da responsabilidade civil do administrador, devendo ser visto como um seguro multirriscos.

Uma das coberturas que pode ser prevista neste tipo de seguro é a antecipação dos custos de defesa do administrador em demandas que tem como objeto atribuir a ele a responsabilidade pelo ato ilícito praticado, seja com culpa ou dolo.

Mas, o dolo nulifica o contrato de seguros. Então, o administrador que sofre demanda indenizatória ajuizada pela companhia, por exemplo, com o objetivo de obter ressarcimento de danos causados pela prática de ato doloso, perde o direito à antecipação dos custos de defesa?

A discussão chegou ao Judiciário, adotando-se o entendimento de que a discussão judicial para caracterização de ato doloso ou culposo impõem antecipação dos custos de defesa; ao final, reconhecido o dolo, a seguradora pode exigir a devolução dos valores relativos ao tal adiantamento:

"... apesar de toda reprovabilidade da conduta do autor em não agir com diligência que lhe cabia nas suas funções de Diretor-Presidente na época do fato, não restou configurado pelo Extrato de Sessão de Julgamento do PAS supramencionado, de que o autor teria agido com dolo ou culpa grave, a ponto de caracterizar a exclusão do risco da cobertura do seguro, ante os termos cláusula V da apólice.
Além disso, verifica-se que da decisão da CVM cabe recurso ao Conselho de Recursos do Sistema Financeiro Nacional, estando ainda em curso, é o que se extrai da consulta realizada no sítio eletrônico da CVM. (...)
Sendo certo que, caso reste configurado em algum momento, o dolo ou culpa grave por parte do autor, que a seguradora proceda com os meios cabíveis que lhe cabem a perseguir o ressarcimento do valor dispendido a título de cobertura, é o que se extrai da cláusula 6.4 [do contrato de seguro]..."[11]

Segundo entendimento Jurisprudencial, há, pois, que se prestigiar a presunção de inocência do administrador, antecipando-lhe os custos de defesa, mesmo havendo suspeita da prática de ato doloso.

CONCLUSÃO

A vida empresarial, mormente no Brasil, está inserida em um cenário de riscos e incertezas que exigem daqueles quantos que são alçados aos cargos de diretores criatividade e, muitas vezes, agressividade na condução dos negócios da companhia que administram.

Qualquer decisão oferece risco de maior ou menor grau. O receio do administrador de ser responsabilizado pessoalmente pelas decisões tomadas em benefício da companhia pode engessar a administração por diretores talentosos, na medida em que não atuar pode ser tão ou mais prejudicial do que atuar sob algum tipo de risco.

A LSA confere ao administrador probo, diligente e leal o escudo capaz de permitir a prática de atos regulares de gestão livre das amarras de ver seu patrimônio e sua imagem denegridas por eventuais prejuízos causados à companhia e/ou a terceiros.

Mas, até mesmo o mais diligente dos administradores pode praticar atos de gestão e incorrer em erro por negligência, imprudência ou imperícia; ou seja, pode praticar ato ilícito por culpa. Nesse caso, a companhia tem a opção de garantir esse risco por meio da contratação de Seguro D&O, mitigando e, até mesmo, eliminando o prejuízo.

Ao administrador desleal restam as responsabilizações cível e/ou criminal, com todos os rigores da Lei.

BIBLIOGRAFIA

__________ Lei nº 6.404/76 (Lei das Sociedades Anônimas).

CAMPINHO, Sérgio. Curso de Direito Comercial Sociedade Anônima. 3. ed. Saraiva Educação São Paulo: 2018.

ULHOA COELHO, Fabio. Lei das sociedades anônimas comentada / Ana Frazão ... [et al.]; coordenação Fabio Ulhoa Coelho. Rio de Janeiro: Forense, 2021.

ULHOA COELHO, Fabio. Tratado de direito comercial. Relações Societárias. Mercado de Capitais / coordenação Fábio Ulhoa Coelho.

GOLDBERG, Ilan. O contrato de seguro D&O. São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2019.

CORDEIRO, Antonio Menezes. Da responsabilidade Civil dos Administradores de Sociedades. Lisboa: Lex, 1997.

TUNC, André. Le droit américain de Société anonymes. Paris: Economica, 1985.

____________________________

[1] O contrato de seguro D&O / Ilan Goldberg - 1ª ed. - São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2019 - pág.165/166

[2] Lei das sociedades anônimas comentada / Ana Frazão ... [et. Al.]; coordenação Fábio Ulhoa Coelho - Rio de Janeiro: Forense, 2021 - pág. 738

[3] In Tratado de direito comercial. Relações Societárias. Mercado de Capitais / coordenação Fábio Ulhoa Coelho - pág. 214

[4] Op. Cit. - pág. 738

[5] Lei das Sociedades Anônimas - grifou-se

[6] Op. Cit. - pág. 953 - grifou-se

[7] CORDEIRO, Antonio Menezes. Da responsabilidade Civil dos Administradores de Sociedades. Lisboa: Lex, 1997. - pág. 494

[8] TUNC, André. Le droit américain de Société anonymes. Paris: Economica, 1985 - pág 130. - grifou-se

[9] Op. Cit. - pág. 454 [10] Op. cit. - pág 457 [11] TJ-RJ - APL: 00271826020178190001, Relator: Des(a). JAIME DIAS PINHEIRO FILHO, Data de Julgamento: 04/05/2021, DÉCIMA SEGUNDA CÂMARA CÍVEL, Data de Publicação: 06/05/2021