Sisamnes, Injusta Causa, Tris in Idem, entre outros. Nos últimos anos se tornou cada vez mais comum ouvir tais nomes nos noticiários. Por trás de títulos que soam quase literários, revelam-se operações que investigam um dos mais graves sintomas de crise no sistema judiciário brasileiro: a venda de decisões judiciais.
Espalhadas por diferentes estados e tribunais, essas ações apontam não apenas para práticas criminosas de magistrados e servidores, mas também levantam questões profundas sobre a credibilidade da Justiça e os riscos penais que envolvem os beneficiários desses esquemas.
Envolvimento empresarial
Entre as investigações sobre venda de decisões judiciais, algumas esbarraram diretamente em interesses empresariais. Deflagrada em novembro de 2019, a Operação Faroeste apurou um esquema no Tribunal de Justiça da Bahia (TJ-BA) em que sentenças judiciais eram negociadas para favorecer a grilagem de terras no oeste baiano. Empresários do setor agropecuário estão entre os investigados por supostamente financiar decisões que lhes garantiam a posse ou a regularização de grandes áreas de terra.
No Tocantins, a Operação Máximus, iniciada em agosto de 2024, apura crimes de corrupção ativa, exploração de prestígio e lavagem de dinheiro no Judiciário estadual. As investigações apontam para a atuação de empresários que teriam participado de um esquema voltado à obtenção de decisões judiciais favoráveis mediante pagamento indevido, em benefício próprio ou de terceiros.
Já a Operação Sisamnes, em curso no Distrito Federal, Mato Grosso e Pernambuco, investiga a venda de decisões judiciais envolvendo magistrados, advogados, lobistas e empresários. A operação tem como foco principal a prática de corrupção e organização criminosa dentro do Judiciário, com indícios de que decisões estavam sendo direcionadas em troca de vantagens financeiras.
Tribunais investigados
Diversas operações investigam tribunais em todo o Brasil por envolvimento em esquemas de corrupção e venda de decisões judiciais. Entre os tribunais investigados, destacam-se o STJ, no qual a Operação Siamneses apura a venda de decisões por assessores e lobistas; o TJ-MT, que também é alvo da mesma operação e da Operação Sisamnes, que investiga corrupção em tribunais federais e estaduais; o TRF-1, sob investigação da Operação Habeas Pater por concessão indevida de habeas corpus; e o TRT-RJ, na qual a Operação Tris in Idem apura venda de decisões trabalhistas. Outras operações, como a Injusta Causa, que investiga o TRT-BA, e a Última Ratio, que foca no TJ-MS, também revelam fraudes no âmbito judicial. O TJ-BA é outro envolvido na emblemática Operação Faroeste, que apura a venda de sentenças e grilagem de terras.
Já o TJ-SE é alvo da Operação Caneta Azul, que investiga a venda de decisões por desembargadores, enquanto o TJ-MA é investigado pela Operação 18 Minutos, que apura desvios financeiros com decisões suspeitas. O TJ-TO, na Operação Máximus, e o TJ-SP, com a Operação Churrascada e a histórica Operação Anaconda, também são investigados por fraudes judiciais. O TJ-CE é alvo de múltiplas operações, como a Expresso 150, Cappuccino e Cardume, que apuram a venda de habeas corpus, enquanto o TJ-DF e o TJ-PE estão sob investigação na Operação Sisamnes. No total, 14 tribunais estão sendo investigados por práticas corruptas envolvendo a manipulação de decisões judiciais.
Implicação penal
Fabyola En Rodrigues, sócia da área de Investigações Corporativas, focada nas práticas de Penal Empresarial e de Compliance do Demarest Advogados, e professora da FGV, explicou as implicações penais que os envolvidos em tais crimes podem ter. "A venda de sentenças e decisões judiciais implica em uma vantagem indevida obtida por um funcionário público em razão de desvio de função e ato de ofício. Logo, claramente para quem oferece ou promete a vantagem indevida, o crime é o de corrupção ativa previsto no artigo 333 do Código Penal. E um funcionário público que solicita ou recebe, direta ou indiretamente a vantagem indevida, comete o crime de corrupção passiva previsto no artigo 317 do CP".
"Outros tipos penais podem ser identificados, a depender das peculiaridades, como crime de concussão - quanto a exigência por parte do funcionário público da vantagem indevida, previsto no art. 316 do Código Penal, o crime de tráfico de influência previsto no art. 332 do Código Penal quando ocorre a solicitação, exigência da vantagem indevida, ou ainda o crime de organização criminosa, caso seja possível comprovar o envolvimento de mais de quatro pessoas de forma estruturada com distribuição de funções, previsão no art. 1º da Lei 12.850/2013", acrescentou Fabyola.
Já sobre a eficácia da legislação brasileira em relação a esses casos, Fabyola afirmou que a legislação tem se mostrado eficaz. "No julgamento da AP 470, conhecida como "Caso Mensalão", o Supremo Tribunal Federal estabeleceu importantes precedentes sobre crimes contra a administração pública, especialmente quanto à caracterização da corrupção em esquemas complexos e à valoração probatória em delitos de difícil comprovação, ampliando o entendimento sobre "vantagem indevida", reconhecendo que não se limita a valores monetários, podendo incluir benefícios políticos, favores e outras vantagens não pecuniárias".
Fabyola também apontou como a mudança no entendimento sobre a prova indiciária tem se tornado um fator relevante em investigações de corrupção. "Outro aspecto foi a mudança de entendimento para valoração da prova indiciária, quando robusta e convergente, sendo considerada suficiente para a condenação em crimes de corrupção, dada sua natureza oculta".
Cautela nas empresas
De acordo com a sócia do Demarest, é essencial que as empresas adotem uma abordagem cuidadosa em relação aos riscos associados ao relacionamento institucional. "Toda empresa deve ter mapeamento de riscos voltados à relacionamento institucional, de modo que consultores, intermediários, ex-agentes públicos sejam devidamente tratados como risco, em razão do contato próximo a funcionários públicos".
Fabyola também ressaltou a importância de ter uma estrutura sólida para lidar com essas situações. "Assim no caso de uma suspeita ou evidência, a empresa teria dado início a uma apuração interna e a comprovação da robusta estrutura de governança, compliance poderia ser usada como ferramenta de defesa".
Impacto na credibilidade
Segundo Fabyola, a exposição desses casos demonstra a eficácia das investigações no combate à corrupção. "O aumento na divulgação de investigações sobre venda de decisões judiciais é muito positivo, uma vez que demonstra que toda e qualquer pessoa pode ser investigada e punida. Quanto mais houver divulgação, maior será a conscientização de toda a população e novas denúncias poderão ser apuradas".
"A credibilidade existe diante da transparência no sistema apuratório", destacou Fabyola.
No entanto, Fabyola observou que o impacto nas empresas envolvidas nesses casos tende a ser mais danoso do que no setor público. "Os impactos reputacionais para as empresas envolvidas são sempre muito danosos, ainda mais se forem multinacionais sujeitas a sanções internacionais".
Diante disso, Fabyola enfatizou a importância de uma resposta estratégica por parte das empresas. "É importante que a empresa apresente uma postura transparente perante a mídia, atuando juntamente com uma equipe de gestão de crise, integrada por um interlocutor que demonstre que está investigando e colaborando com as autoridades, a fim de que os possíveis envolvidos sejam responsabilizados".