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Venda de decisões judiciais: veja quais são os 14 tribunais acusados

Operações em tribunais de diversas regiões do Brasil investigam esquemas de venda de decisões judiciais, envolvendo magistrados, advogados e empresários

25 de April 12h

Sisamnes, Injusta Causa, Tris in Idem, entre outros. Nos últimos anos se tornou cada vez mais comum ouvir tais nomes nos noticiários. Por trás de títulos que soam quase literários, revelam-se operações que investigam um dos mais graves sintomas de crise no sistema judiciário brasileiro: a venda de decisões judiciais.

Espalhadas por diferentes estados e tribunais, essas ações apontam não apenas para práticas criminosas de magistrados e servidores, mas também levantam questões profundas sobre a credibilidade da Justiça e os riscos penais que envolvem os beneficiários desses esquemas.

Envolvimento empresarial

Entre as investigações sobre venda de decisões judiciais, algumas esbarraram diretamente em interesses empresariais. Deflagrada em novembro de 2019, a Operação Faroeste apurou um esquema no Tribunal de Justiça da Bahia (TJ-BA) em que sentenças judiciais eram negociadas para favorecer a grilagem de terras no oeste baiano. Empresários do setor agropecuário estão entre os investigados por supostamente financiar decisões que lhes garantiam a posse ou a regularização de grandes áreas de terra.

No Tocantins, a Operação Máximus, iniciada em agosto de 2024, apura crimes de corrupção ativa, exploração de prestígio e lavagem de dinheiro no Judiciário estadual. As investigações apontam para a atuação de empresários que teriam participado de um esquema voltado à obtenção de decisões judiciais favoráveis mediante pagamento indevido, em benefício próprio ou de terceiros.

Já a Operação Sisamnes, em curso no Distrito Federal, Mato Grosso e Pernambuco, investiga a venda de decisões judiciais envolvendo magistrados, advogados, lobistas e empresários. A operação tem como foco principal a prática de corrupção e organização criminosa dentro do Judiciário, com indícios de que decisões estavam sendo direcionadas em troca de vantagens financeiras.

Tribunais investigados

Diversas operações investigam tribunais em todo o Brasil por envolvimento em esquemas de corrupção e venda de decisões judiciais. Entre os tribunais investigados, destacam-se o STJ, no qual a Operação Siamneses apura a venda de decisões por assessores e lobistas; o TJ-MT, que também é alvo da mesma operação e da Operação Sisamnes, que investiga corrupção em tribunais federais e estaduais; o TRF-1, sob investigação da Operação Habeas Pater por concessão indevida de habeas corpus; e o TRT-RJ, na qual a Operação Tris in Idem apura venda de decisões trabalhistas. Outras operações, como a Injusta Causa, que investiga o TRT-BA, e a Última Ratio, que foca no TJ-MS, também revelam fraudes no âmbito judicial. O TJ-BA é outro envolvido na emblemática Operação Faroeste, que apura a venda de sentenças e grilagem de terras.

Já o TJ-SE é alvo da Operação Caneta Azul, que investiga a venda de decisões por desembargadores, enquanto o TJ-MA é investigado pela Operação 18 Minutos, que apura desvios financeiros com decisões suspeitas. O TJ-TO, na Operação Máximus, e o TJ-SP, com a Operação Churrascada e a histórica Operação Anaconda, também são investigados por fraudes judiciais. O TJ-CE é alvo de múltiplas operações, como a Expresso 150, Cappuccino e Cardume, que apuram a venda de habeas corpus, enquanto o TJ-DF e o TJ-PE estão sob investigação na Operação Sisamnes. No total, 14 tribunais estão sendo investigados por práticas corruptas envolvendo a manipulação de decisões judiciais.

Implicação penal

Fabyola En Rodrigues, sócia da área de Investigações Corporativas, focada nas práticas de Penal Empresarial e de Compliance do Demarest Advogados, e professora da FGV, explicou as implicações penais que os envolvidos em tais crimes podem ter. "A venda de sentenças e decisões judiciais implica em uma vantagem indevida obtida por um funcionário público em razão de desvio de função e ato de ofício. Logo, claramente para quem oferece ou promete a vantagem indevida, o crime é o de corrupção ativa previsto no artigo 333 do Código Penal. E um funcionário público que solicita ou recebe, direta ou indiretamente a vantagem indevida, comete o crime de corrupção passiva previsto no artigo 317 do CP".

"Outros tipos penais podem ser identificados, a depender das peculiaridades, como crime de concussão - quanto a exigência por parte do funcionário público da vantagem indevida, previsto no art. 316 do Código Penal, o crime de tráfico de influência previsto no art. 332 do Código Penal quando ocorre a solicitação, exigência da vantagem indevida, ou ainda o crime de organização criminosa, caso seja possível comprovar o envolvimento de mais de quatro pessoas de forma estruturada com distribuição de funções, previsão no art. 1º da Lei 12.850/2013", acrescentou Fabyola.

Já sobre a eficácia da legislação brasileira em relação a esses casos, Fabyola afirmou que a legislação tem se mostrado eficaz. "No julgamento da AP 470, conhecida como "Caso Mensalão", o Supremo Tribunal Federal estabeleceu importantes precedentes sobre crimes contra a administração pública, especialmente quanto à caracterização da corrupção em esquemas complexos e à valoração probatória em delitos de difícil comprovação, ampliando o entendimento sobre "vantagem indevida", reconhecendo que não se limita a valores monetários, podendo incluir benefícios políticos, favores e outras vantagens não pecuniárias".

Fabyola também apontou como a mudança no entendimento sobre a prova indiciária tem se tornado um fator relevante em investigações de corrupção. "Outro aspecto foi a mudança de entendimento para valoração da prova indiciária, quando robusta e convergente, sendo considerada suficiente para a condenação em crimes de corrupção, dada sua natureza oculta".

Cautela nas empresas

De acordo com a sócia do Demarest, é essencial que as empresas adotem uma abordagem cuidadosa em relação aos riscos associados ao relacionamento institucional. "Toda empresa deve ter mapeamento de riscos voltados à relacionamento institucional, de modo que consultores, intermediários, ex-agentes públicos sejam devidamente tratados como risco, em razão do contato próximo a funcionários públicos".

Fabyola também ressaltou a importância de ter uma estrutura sólida para lidar com essas situações. "Assim no caso de uma suspeita ou evidência, a empresa teria dado início a uma apuração interna e a comprovação da robusta estrutura de governança, compliance poderia ser usada como ferramenta de defesa".

Impacto na credibilidade

Segundo Fabyola, a exposição desses casos demonstra a eficácia das investigações no combate à corrupção. "O aumento na divulgação de investigações sobre venda de decisões judiciais é muito positivo, uma vez que demonstra que toda e qualquer pessoa pode ser investigada e punida. Quanto mais houver divulgação, maior será a conscientização de toda a população e novas denúncias poderão ser apuradas".

"A credibilidade existe diante da transparência no sistema apuratório", destacou Fabyola.

No entanto, Fabyola observou que o impacto nas empresas envolvidas nesses casos tende a ser mais danoso do que no setor público. "Os impactos reputacionais para as empresas envolvidas são sempre muito danosos, ainda mais se forem multinacionais sujeitas a sanções internacionais".

Diante disso, Fabyola enfatizou a importância de uma resposta estratégica por parte das empresas. "É importante que a empresa apresente uma postura transparente perante a mídia, atuando juntamente com uma equipe de gestão de crise, integrada por um interlocutor que demonstre que está investigando e colaborando com as autoridades, a fim de que os possíveis envolvidos sejam responsabilizados".

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