A TV Análise promoveu na última quinta-feira (13/11), um debate sobre os desafios da gestão de pessoas e clima organizacional no mercado jurídico. O programa Análise Advocacia recebeu Lina Eiko Nakata, pesquisadora e professora da FIA Business School, especialista em gestão de pessoas, liderança e diversidade, para uma conversa mediada pelos jornalistas Alexandre Secco e Silvana Quaglio, sócios fundadores da Análise Editorial.
O episódio abordou a complexidade do RH moderno e como ferramentas de pesquisa de clima podem ajudar escritórios de advocacia a entender melhor suas equipes e criar ambientes mais produtivos.
A evolução do RH
O programa contextualizou como as transformações sociais, tecnológicas e geracionais têm redesenhado o papel do setor de Recursos Humanos. O que antes era restrito a processos burocráticos e de registro hoje se tornou uma área estratégica para o desenvolvimento de pessoas e para a competitividade das organizações — incluindo os escritórios de advocacia.
Alexandre Secco abriu o debate confessando sua surpresa com a complexidade do tema. "Eu me deparei com tantos conceitos, com tantas ideias: gestão de pessoas, RH, geração X, etarismo... Fiquei realmente muito impressionado com a complexidade que esse assunto adquiriu hoje", afirmou.
Lina Nakata explicou a transformação do setor. "Se a gente olha para décadas atrás, o RH não existia, ele era o DP, que veio da área contábil. Ou seja, as pessoas eram só números a serem pagos. E hoje em dia isso mudou", disse a professora, destacando que nos últimos 20 anos as empresas passaram a posicionar o RH de forma mais estratégica.
Liderança como principal desafio
Na sequência, o debate avançou para um dos temas mais sensíveis na gestão contemporânea: a formação e o desenvolvimento de lideranças. Estudos recentes mostram que, em diferentes setores da economia, líderes pouco preparados impactam diretamente turnover, produtividade e clima organizacional.
Segundo a especialista, os principais desafios enfrentados pelas empresas hoje estão relacionados à liderança. "Quando a gente olha para os três principais desafios do RH, dois deles estão relacionados à liderança. Um deles é sobre a formação da atual liderança, e o outro é formação das futuras lideranças", revelou Lina.
Para ela, entender a jornada do colaborador é fundamental. "Nem sempre as empresas entendem o que é necessário para as pessoas. Como é que a gente cria um ambiente que é propício para aprendizagem, que é propício para produtividade?", questionou.
As particularidades dos escritórios
O programa também tratou das especificidades da estrutura organizacional dos escritórios de advocacia — um ecossistema marcado por alta autonomia dos sócios e pela existência de núcleos de trabalho muito distintos entre si. Essa dinâmica traz desafios extras para quem busca consolidar uma cultura comum e medir a percepção interna.
"Um escritório é feito de vários escritórios. O sócio da área X é um escritório dentro do escritório; o sócio da área Y, da mesma forma. Isso forma várias ilhas", explica Alexandre Secco.
Lina Nakata pontuou que essa fragmentação não é exclusiva da advocacia. "Isso também aparece nas outras empresas. Imagine uma empresa de pesquisa em que cada um está no seu laboratório com demandas próprias", comparou, explicando que as pesquisas de clima conseguem trazer essa segmentação e gerar diagnósticos específicos para cada área.
Metodologia adaptada ao contexto brasileiro
Durante o programa, Lina Nakata apresentou a pesquisa "Lugares Incríveis para Trabalhar", desenvolvida pela FIA. A ferramenta se diferencia por sua adaptação à realidade das empresas brasileiras, considerando desde as especificidades das leis trabalhistas até as dinâmicas culturais locais. A cada ano, o instrumento é atualizado para incorporar temas emergentes — em 2025, por exemplo, foram incluídas questões sobre o uso de inteligência artificial e seu impacto na percepção de segurança no emprego pelos trabalhadores.
"Nós conseguimos, todos os anos, atualizar a ferramenta para que seja precisa e adequada para mensurar o clima organizacional nas empresas brasileiras", afirmou a coordenadora da pesquisa.
A metodologia utiliza 42 assertivas que abrangem desde gestão e comunicação até questões de ESG, diversidade e inclusão, podendo ser respondidas por qualquer tipo de empresa — públicas, privadas ou do terceiro setor. Um diferencial importante é o benchmark setorial, que permite comparações com organizações de perfil similar. "O benchmark vale mais do que a própria pesquisa. Aplicação da pesquisa qualquer um pode fazer, mas a comparação com o todo, comparação geográfica, comparação com o setor... isso é relevante porque a gente vai comparar uma mão de obra similar, desafios similares entre si", destacou Lina.
Parceria para ampliar diagnóstico no setor jurídico
O encontro também marcou o anúncio de uma colaboração entre a Análise Editorial e a FIA Business School para expandir a aplicação da pesquisa no mercado jurídico brasileiro. A iniciativa busca criar um diagnóstico mais robusto sobre clima organizacional em escritórios de advocacia, setor que vem passando por um processo de profissionalização e adoção de práticas corporativas de gestão.
Silvana Quaglio destacou o alinhamento entre as duas instituições. "A Análise Editorial surgiu há 20 anos com um propósito, que é basicamente identificar e reconhecer boas práticas no mercado. Foi no mercado jurídico que nós encontramos mais espaço para trazer o nosso trabalho de reconhecimento", afirmou a jornalista.
Lina Nakata explicou o interesse da FIA em ampliar sua base no setor. "Nós queremos ampliar a nossa base. Para a gente é muito rico que mais empresas participem, porque cria competitividade nesse benchmark. Temos também advocacias que participam conosco, e gostaríamos muito de ampliar para esse setor", disse a pesquisadora.
A participação na pesquisa é gratuita para escritórios e empresas com no mínimo 50 colaboradores, e o processo é totalmente confidencial. As inscrições já estão abertas no site, e a aplicação deve ocorrer até junho de 2026.
O mito do ambiente perfeito
Outro ponto explorado foi a idealização — muitas vezes equivocada — de que bons ambientes de trabalho devem ser sempre leves, harmônicos e sem tensões. O debate destacou que diferentes profissões operam sob pressões intensas e que ambientes saudáveis não são necessariamente livres de desafios, mas sim coerentes com as expectativas e necessidades dos colaboradores.
Em um momento de sinceridade, Secco confessou seu ceticismo inicial com rankings de melhores empresas para trabalhar. "Eu via 'grandes empresas para trabalhar' com um certo 'bicho-grilismo'. Eu convivo com alguns escritórios que têm ambientes, de certa forma, ácidos, porque são tensos, lidam com questões muito importantes, as pessoas vivem num ambiente de estresse muito grande", relatou.
A professora esclareceu o ponto. "Aqui o que a gente enfatiza é que quem responde é o próprio funcionário. Nem todos os lugares são para todos. As pessoas entram nas empresas porque têm expectativas de crescer, de dinheiro, de autonomia, de várias coisas. À medida que a empresa compreende quais são as expectativas e consegue atender — mesmo que parcialmente — as pessoas vão se adaptando", explicou Lina.
Remuneração não é tudo
A conversa também abordou os fatores que influenciam a permanência e a satisfação dos profissionais. Embora o salário siga sendo um componente essencial, a visão contemporânea aponta para um conjunto mais amplo de variáveis, como reconhecimento, autonomia, propósito e possibilidades de desenvolvimento. "Ganhar bem faz uma empresa um lugar incrível para trabalhar?", provocou Secco.
Lina foi direta: "Remuneração e benefícios não é o que faz uma empresa ser atraente, mas ela cresce, ela se intensifica quando a gente pergunta 'por que você fica?'". A pesquisadora destacou ainda que o pagamento maior não necessariamente traz mais satisfação. "O que importa é o quanto ele é justo para aquilo que as pessoas trabalham", concluiu.
Profissionalização do setor
Por fim, o episódio destacou um movimento crescente de amadurecimento dos escritórios de advocacia, que começam a incorporar práticas de gestão típicas do ambiente corporativo. Cultura organizacional, employer branding e visão de longo prazo passam a integrar a agenda dos sócios, que buscam modernizar estruturas até então tradicionais.
Silvana Quaglio observou que o mercado jurídico está em transformação. "Existe uma preocupação hoje em dia com questões de empresa mesmo, de cultura, de desenvolver uma cultura única para o escritório."
Alexandre Secco concordou: "É um setor nosso que está caminhando — não com a velocidade que eu imagino que deveria, mas caminha — para uma profissionalização que começa a pensar de fato em RH, começa a pensar de fato em marca, começa a pensar de fato em perpetuar aquele negócio".
A íntegra do programa está disponível no canal TV Análise no YouTube.

