A crescente preocupação global com as questões ambientais, sociais e de governança tem transformado o panorama corporativo, impulsionando empresas de diversos setores a repensarem suas operações e estratégias. O setor jurídico não permanece alheio a essa onda de transformação. Longe de ser uma mera tendência passageira, a sustentabilidade emerge como um imperativo estratégico, capaz de redefinir a competitividade e a relevância dos escritórios de advocacia no mercado.
Nesse contexto, escritórios de advocacia estão começando a incorporar práticas sustentáveis que, por muito tempo, foram vistas como exclusividade do setor empresarial. A adoção de energia solar, o reuso de água, a compensação de carbono e a digitalização de processos são exemplos de iniciativas que não apenas contribuem para a preservação ambiental, mas também se traduzem em diferenciais competitivos. A experiência de bancas que alcançaram o status de carbono zero, serve como um farol, demonstrando que a sustentabilidade pode ser aplicada de forma concreta e mensurável na rotina jurídica, gerando impactos positivos tanto para o planeta quanto para o próprio negócio.
O avanço da sustentabilidade no jurídico
O setor jurídico brasileiro tem testemunhado um avanço significativo na incorporação de práticas de sustentabilidade, impulsionado tanto por políticas públicas quanto pela crescente demanda do mercado. A temática ambiental, antes periférica, agora se integra de maneira transversal nas estratégias de desenvolvimento, refletindo-se em diversas normativas e ações voltadas ao desenvolvimento sustentável. Essa evolução não é um fenômeno isolado, mas sim o resultado de um amadurecimento legal e de uma conscientização crescente sobre a importância da responsabilidade socioambiental.
Édis Milaré, sócio fundador do Milaré Advogados, destaca a trajetória legislativa que pavimentou o caminho para a sustentabilidade no Brasil.
Ele ressalta que a noção de sustentabilidade no ordenamento jurídico brasileiro remonta à Lei 6.803/1980, que estabeleceu diretrizes para o zoneamento industrial em áreas críticas de poluição, e foi aprimorada pela Política Nacional do Meio Ambiente. Além disso, Milaré aponta o minissistema brasileiro de processos coletivos como um marco indutor da sustentabilidade, colocando o Brasil em posição de vanguarda na tutela dos direitos transindividuais, como o meio ambiente.
Do marketing verde ao diferencial competitivo
Por muito tempo, a adoção de práticas sustentáveis no ambiente corporativo foi apenas "marketing verde", uma estratégia para melhorar a imagem sem um compromisso profundo com a causa ambiental. No entanto, essa realidade tem mudado drasticamente. A sustentabilidade deixou de ser um adereço para se tornar um pilar estratégico, um verdadeiro diferencial competitivo que atrai clientes e talentos, e que impacta diretamente a viabilidade e o sucesso dos negócios.
Rafael Guimarães, sócio do Medina Guimarães Advogados — banca que recentemente alcançou o status de carbono zero — compartilha a transição de seu escritório de uma visão inicial de marketing para uma prática essencial.
Ele relata que a motivação para investir em sustentabilidade surgiu de uma experiência profissional em 2010, ao tentar comercializar créditos de carbono para um cliente. Essa vivência levou-o a uma pós-graduação em Mudanças Climáticas, onde se deparou com a urgência da questão ambiental e a necessidade de o próprio escritório ser ambientalmente correto para poder orientar seus clientes. "Daí em diante foi estudo e prática para dentro do escritório", conclui.
Viabilidade financeira e retorno
A implementação de práticas sustentáveis em escritórios de advocacia, como a instalação de energia solar, o reuso de água e a compensação de carbono, frequentemente levanta a questão da viabilidade financeira. Muitos gestores se preocupam com os custos iniciais e o tempo necessário para obter retorno sobre o investimento. Contudo, a experiência de escritórios pioneiros demonstra que, embora haja desafios, os benefícios financeiros e operacionais podem ser substanciais, transformando o que antes era visto como despesa em economia e eficiência a longo prazo.
Rafael Guimarães aborda os desafios da sustentabilidade em seu escritório. "O primeiro desafio, com certeza, é o custo. Mas temos de ter determinação", afirma. Ele detalha como o Medina Guimarães Advogados superou esses obstáculos: a compensação de carbono foi realizada cultivando uma área de um dos sócios, e a energia solar foi implementada após um projeto financeiro que demonstrou que seria uma opção mais barata a longo prazo do que a energia convencional. O reuso de água, por sua vez, foi implantado com baixo custo durante uma reforma. Guimarães destaca os impactos positivos nos custos operacionais:
O verde que cabe na rotina jurídica
O pilar "E" da sigla ESG representa a dimensão ambiental e sua aplicação no cotidiano da advocacia é multifacetada, abrangendo desde a gestão interna do escritório até a atuação consultiva e contenciosa para clientes. A integração desse pilar na governança jurídica contemporânea não se limita a grandes projetos, mas se manifesta em ações diárias que, somadas, contribuem para uma operação mais sustentável e responsável. A crise climática e a crescente demanda por uma economia de baixo carbono exigem que os escritórios de advocacia repensem suas operações e seu papel na sociedade.
Édis Milaré enfatiza que a aplicação do pilar "E" se entrelaça com a realidade particular de cada escritório, mas que todas as ações são válidas.
Milaré explica que até mudanças simples, como a adoção de medidas de economia de energia, utilizando iluminação de LED e aparelhos de baixo consumo, redução de desperdício dos mais variados materiais, reutilização de materiais, separação e gestão de resíduos e priorização de fornecedores que tenham boas práticas ambientais, já são um primeiro passo importante.
Ele também destaca o papel pedagógico da advocacia ambiental, que transcende a representação legal para atuar na conscientização e prevenção de danos, promovendo a sustentabilidade ao informar clientes e a sociedade sobre a legislação e as práticas responsáveis.
Lições do setor empresarial
O setor jurídico, por sua natureza, tende a reagir com certo conservadorismo às transformações sociais, mas a agenda da sustentabilidade tem imposto uma aceleração nesse processo. As empresas, que estruturaram suas políticas ESG mais cedo, oferecem lições valiosas para os escritórios de advocacia que buscam integrar a sustentabilidade em sua cultura e operações. A compreensão de que o escritório de advocacia é parte integrante do ambiente corporativo é fundamental para essa transição, exigindo uma consonância com as práticas ambientais que se tornaram um padrão de mercado.
Rafael Guimarães ressalta a importância de os escritórios de advocacia não estarem alheios às práticas comerciais.
Ele também aborda a questão da incorporação da sustentabilidade na cultura interna, destacando o papel dos sócios como exemplo. "O primordial, não só com práticas ambientais, é o comportamento dos sócios. É nisso que outros líderes, advogados e estagiários se espelham. Graças ao bom exemplo dos sócios, nossos líderes hoje já transmitem mais nossas ideias aos demais". Para escritórios de médio e pequeno porte, Guimarães sugere que as primeiras práticas viáveis são a compensação de carbono e a educação ambiental, seguidas, se possível, pela energia fotovoltaica e o reuso de água.
Advocacia verde: o próximo passo
A jornada rumo à sustentabilidade no setor jurídico é um caminho sem volta, impulsionado por uma combinação de imperativos éticos, regulatórios e de mercado. O exemplo de escritórios como o Medina Guimarães Advogados demonstra que a adoção de práticas sustentáveis não é apenas possível, mas também estratégica, gerando benefícios financeiros, reputacionais e de eficiência. A transição do "marketing verde" para um diferencial competitivo real reflete uma maturidade crescente do mercado, onde a responsabilidade ambiental se torna um critério de escolha para clientes e um fator de atração de talentos.
O pilar "E" do ESG, quando aplicado de forma concreta no cotidiano da advocacia, fortalece a governança jurídica e posiciona os escritórios como agentes de transformação social. As lições aprendidas com o setor empresarial e a liderança dos sócios são cruciais para que a sustentabilidade seja plenamente incorporada à cultura dos escritórios. À medida que o arcabouço regulatório se aprimora, o ambiente para a adoção de medidas de compensação de carbono se torna mais seguro e previsível, incentivando ainda mais essa evolução. O futuro da advocacia passa, inegavelmente, pela sua capacidade de se adaptar e liderar na agenda da sustentabilidade, construindo um legado de responsabilidade e inovação.