Entrou em vigor no último mês de julho, a Lei nº 15.177/2025 estabelece que, a partir deste ano, 30% das cadeiras dos conselhos de administração de sociedades empresárias de grande porte deverão ser ocupadas por mulheres. O texto reserva 30% desse percentual a mulheres negras ou com deficiência. Modelos adotados por países como Noruega, França e Itália inspiram a medida, que marca a equidade de gênero e pode gerar impactos além da governança corporativa, influenciando outros setores.
Um avanço concreto
Para Juliana Kakimoto, regional legal & compliance director - Latam da Knight Therapeutics Brasil e líder do grupo Jurídico de Saias, a legislação representa mais do que um marco simbólico: "Diversas pesquisas já demonstraram que conselhos diversos geram melhores decisões, maior inovação e mais retorno financeiro. Essa cota é um ponto de partida para a construção de uma governança mais representativa e alinhada com os desafios da atualidade".
Segundo ela, a presença feminina nas cadeiras mais altas deve ampliar o peso de temas como ESG, reputação e impacto social nas estratégias corporativas. Mas alerta: "Não basta abrir a porta, é preciso garantir espaço e participação plena, investindo na preparação e na mentoria dessas lideranças e removendo barreiras estruturais, especialmente para mulheres negras, LGBTQIA+ e de outras interseccionalidades".
Base jurídica e alinhamento internacional
A sócia do KLA Advogados e cofundadora do SER.A.CEO, Flávia Marcílio, destaca que a lei está em sintonia com o art. 3º da Constituição, a jurisprudência do STF e marcos regulatórios como a Lei das Estatais (13.303/2016), a Lei das S.A. (6.404/1976) e a Resolução CVM 80/2022. "Além de corrigir um desequilíbrio histórico, a cota alavanca a governança, estimula lideranças mais plurais e potencializa resultados sustentáveis".
Flávia cita estudos do Instituto Europeu para a Igualdade de Gênero (EIGE) e da MSCI, que mostram que conselhos diversos se reúnem mais, avaliam melhor riscos e integram fatores ESG com mais consistência.
Cotas de gênero em conselhos pelo mundo
- Noruega — pioneira na adoção de cotas, exige desde 2008 que 40% dos assentos em conselhos de empresas públicas e privadas sejam ocupados por mulheres. O descumprimento pode levar à dissolução da empresa. Hoje, o país mantém um dos índices mais altos de representatividade feminina no mundo corporativo.
- França — a Lei Copé-Zimmermann, de 2011, estabeleceu a meta de 40% de mulheres em conselhos de empresas com mais de 500 funcionários ou faturamento acima de € 50 milhões. Em 2023, a França alcançou 45,3% de participação feminina, segundo o European Institute for Gender Equality.
- Itália — adotou em 2011 a Lei Golfo-Mosca, que prevê cotas progressivas até atingir 33% de mulheres em conselhos. O país aumentou a participação de 7% para mais de 36% em dez anos, segundo dados da OCDE.
- Espanha — desde 2023, grandes empresas devem garantir 40% de mulheres nos conselhos até 2026, sob pena de restrições em contratos públicos.
- Alemanha — implementou em 2021 a obrigatoriedade de pelo menos uma mulher em conselhos de empresas listadas e de capital aberto com mais de três integrantes.
Estudos da MSCI mostram que empresas com maior diversidade de gênero em conselhos apresentam retorno sobre patrimônio líquido 36% superior à média. Já o EIGE aponta que conselhos mais plurais realizam mais reuniões, têm melhor gestão de riscos e integram fatores ESG com mais consistência.
Impacto no setor jurídico
Apesar de a norma não ser obrigatória para escritórios de advocacia ou entidades de classe, especialistas acreditam que ela deve servir como referência. Hoje, mesmo sendo maioria na advocacia, as mulheres seguem minoria entre sócias e lideranças. "Escritórios que desejam ser percebidos como modernos, éticos e socialmente responsáveis devem acompanhar esse movimento", afirma Juliana.
Para Flávia, a medida pode inspirar mudanças práticas: "A lei pode servir de impulso para que o setor jurídico rompa barreiras estruturais e adote políticas de diversidade mais consistentes."
O risco do cumprimento formal
Um dos principais desafios, segundo Flávia, é evitar que a cota se torne apenas cumprimento burocrático: "É essencial assegurar participação efetiva em comitês estratégicos, processos seletivos transparentes, programas de capacitação e métricas de accountability, como tempo de fala, participação em decisões e equidade remuneratória."
Ela também destaca a importância de aplicar o princípio da dupla materialidade. Demonstrando como a diversidade impacta não apenas o valor financeiro, mas também o impacto social.
Efeito cascata nas empresas
A expectativa é que a lei gere mudanças que ultrapassem os conselhos, chegando a cargos executivos e operacionais. Experiências internacionais mostram que cotas no topo da hierarquia incentivam a formação de um pipeline de liderança feminina em outros níveis.
"Conselhos mais diversos pressionam positivamente toda a organização, revisando práticas de recrutamento, promoção e desenvolvimento. A equidade precisa ser transversal, não restrita ao topo", conclui Juliana.
5 pontos-chave da Lei nº 15.177/2025
- Cota obrigatória — Estipula que 30% das vagas nos conselhos de administração de sociedades empresárias de grande porte sejam ocupadas por mulheres, além disso, 30% dessas vagas ficam destinadas para mulheres negras ou com deficiência.
- Revisão periódica — Prevê monitoramento por indicadores públicos e revisão da lei a cada 20 anos, reforçando seu caráter evolutivo e adaptável.
- Referência institucional — Alinha-se a princípios constitucionais (como o art. 3º), à jurisprudência do STF, e regulações como a Lei das Estatais (13.303/2016), a Lei das S.A. (6.404/1976) e a Resolução CVM 80/2022.
- Impacto além das empresas — Embora voltada a empresas de capital aberto e estatais, pode influenciar escritórios de advocacia e entidades de classe a adotarem políticas de equidade de gênero.
- Efeito cascata esperado — A expectativa é que a diversidade nos conselhos gere pressão interna para mudanças mais amplas: programas de mentoria, recrutamento equitativo e promoção de liderança feminina em outros níveis hierárquicos.