Legal Design e Visual Law: A revolução que o Direito brasileiro precisa | Análise
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Legal Design e Visual Law: A revolução que o Direito brasileiro precisa

Rui Caminha e Paulo Henrique Rodrigues defendem que a comunicação acessível é o caminho para diminuir conflitos e aproximar o cidadão da lei na Fenalaw 2025

24 de October 17h30

Em uma sexta-feira de casa cheia na Fenalaw 2025, trouxe o painel "Legal Design e Linguagem Simples na Comunicação Pública: Construindo Pontes com a Sociedade" à tona uma discussão que promete transformar radicalmente a prática jurídica brasileira nos próximos anos: a necessidade urgente de tornar o Direito compreensível para quem realmente importa — o cidadão.

Rui Caminha Barbosa, fundador e CEO da Vitta | Visual Law, e Paulo Henrique Rodrigues Pereira, professor doutor da Faculdade de Direito da USP e Secretário Nacional do Consumidor (Senacon), conduziram o painel e apresentaram dados, cases práticos e uma visão histórica que desafia o status quo da comunicação jurídica no país.

A anomalia histórica: quando o Direito deixou de ser para todos

Com a perspectiva de um historiador do Direito, Paulo Henrique fez uma provocação inicial: a complexidade do Direito moderno é, na verdade, uma anomalia histórica. "Os advogados são treinados para escrever mal. Os juristas são treinados para escrever mal. Entra na faculdade escrevendo bem, sai escrevendo mal", afirmou o secretário.

Segundo Paulo Henrique, desde o Código de Hamurabi — exposto em pedra no centro das vilas para que todos pudessem compreender as regras — até o Direito Romano, onde arautos proclamavam as novas leis em frente ao fórum, a lógica sempre foi a mesma: "Direito funciona quando as pessoas entendem o que se espera delas".

O case que comprova

Se a teoria histórica impressiona, os dados práticos apresentados por Rui Caminha são ainda mais contundentes. O CEO da Vitta Visual | Law revelou no painel um case da operadora TIM, que enfrentava uma avalanche de 12.000 processos mensais.

"80% dessa demanda estava relacionada a um aspecto: falta de compreensão do contrato", revelou Rui. O problema ficou tão evidente que o então presidente da companhia, o italiano Pietro Labriola, decidiu fazer um teste: foi a uma loja da TIM contratar um plano de telefonia. A conclusão do de Pietro foi a seguinte: "Eu não tenho a menor ideia do que eu estou contratando — e sou o presidente da companhia".

A partir desse diagnóstico, a TIM implementou uma profunda reformulação de seus contratos, aplicando princípios de linguagem simples e visual law. Os contratos não perderam sua validade jurídica, mas ganharam clareza e acessibilidade. O resultado? Uma redução significativa da judicialização e das condenações que custavam milhões à empresa. Foi identificado que o problema não era jurídico — o contrato era "juridicamente perfeito" — mas comunicacional.

A Lei de Linguagem Simples: o Estado como maior cliente

Em um timing perfeito, dois dias antes da palestra, a Câmara dos Deputados aprovou a Lei da Linguagem Simples, que tramitou por 6 anos e agora aguarda sanção presidencial. A lei obrigará todos os órgãos federais a utilizarem comunicação acessível e clara com os cidadãos.

Para os advogados e escritórios presentes, a mensagem foi clara: trata-se de uma oportunidade de mercado gigantesca. "O Estado não tem capacidade para sozinho atender toda essa demanda que vai existir", alertou Rui. "Às vezes a gente não tá observando uma coisa que tá na nossa frente: o gigantismo dessa oportunidade para advogados e advogadas que saibam entender este momento."

Paulo Henrique confirmou a dimensão do desafio: "Precisaremos de muita gente capacitada para fazer essa transformação acontecer. E ela vai acontecer, porque é necessária."

A nova estratégia da Senacon

Durante o painel, o Secretário Nacional do Consumidor anunciou uma mudança de paradigma na atuação da Senacon. "Eu não quero mais fazer da Secretaria uma indústria de multas e punições", declarou Paulo Henrique. "Eu quero que o mercado nos ajude a mudar as práticas e nos ajude a educar a sociedade."

A nova abordagem propõe substituir o modelo Estado punidor versus empresa adversária por parcerias que promovam educação do consumidor. "Em vez de aplicar uma multa que vai entrar no tesouro, eu quero que as companhias nos ajudem com propagandas, peças publicitárias e vídeos que possam esclarecer as pessoas", explicou o secretário.

O exemplo dado foi a crise recente das bebidas adulteradas. "Cada 10 sugestões que eu recebo, oito ou nove são: 'Paulo, precisa fazer uma cartilha para que as pessoas identifiquem bebidas falsas'. Gente, alguém aqui já leu uma cartilha de alguma coisa? Isso não funciona. A gente precisa achar soluções reais, sair do formalismo que nos aprisiona e que não traz soluções."

A questão da judicialização excessiva

Com um dos maiores índices de litigiosidade do mundo, o Brasil enfrenta um sistema judiciário sobrecarregado. Para Paulo Henrique, a linguagem clara é parte essencial da solução.

"A maioria das pessoas vai para uma ação judicial porque se sente injustiçada, porque acha que aquela regra não foi apresentada para ela, não foi esclarecida", analisou. "Muitas vezes, quando as coisas são esclarecidas, as pessoas abrem mão daquilo. Se a gente conseguir comunicar melhor quais são as regras, o que você espera daquela pessoa e o que ela pode esperar de você, eu não tenho nenhuma dúvida que os índices de litigiosidade serão menores."

O secretário destacou que essa realidade é ainda mais evidente no Direito do Consumidor, onde milhões de contratos são celebrados diariamente. "No mundo do consumidor, talvez seja o mundo em que isso é mais verdade, porque aqui nós estamos falando de milhares, milhões de pessoas que estão fazendo contratos o tempo todo, contratos que são complexos e que precisam ser esclarecidos."

De oportunidade à um imperativo

Para Rui, profissionais do Direito precisam enxergar a linguagem simples e o legal design não como uma "infantilização" do Direito, mas como uma ferramenta técnica e uma oportunidade de diferenciação profissional.

"Ainda é um diferencial que você pode oferecer para o seu cliente. Daqui a alguns anos, isso vai ser um imperativo e vai ser um padrão, vai deixar de ser um diferencial", alertou o CEO da Vitta Visual | Law.

A urgência da adaptação foi reforçada por Paulo Henrique: "Isso vai ser quase mandatório para o mercado reduzir esses índices de litigiosidade. De certa forma, é um caminho inevitável. O Direito teria que voltar a isso sob pena de não conseguir funcionar."

Revolução a caminho

Ao encerrar sua participação, Paulo Henrique fez uma previsão:

O secretário projetou um futuro próximo e drasticamente diferente: "Provavelmente em 10 anos a gente não vai lembrar como era o Direito hoje, porque ele vai ser muito diferente. Quem souber se adaptar a isso vai ter muita chance de disputar esse mercado, porque ele vai se transformar de forma muito rápida e muito acelerada."

Rui Caminha concordou e fez um paralelo histórico: "Parece que estamos dando uma volta. Depois de uma etapa de complexificação do Direito, voltamos à figura do arauto — mas agora nas redes sociais, na comunicação instantânea. É uma demanda da sociedade por uma comunicação que seja inteligível a ela."

Ao final do painel, ficou claro que a linguagem simples e o legal design não são modismos passageiros ou tentativas de "simplificar demais" o Direito. São, na verdade, um retorno às origens da função social do Direito: ser compreendido por aqueles que devem segui-lo.

Com a Lei de Linguagem Simples, o case da TIM e a mudança da Senacon, o cenário está pronto. Uma revolução jurídica milenar se aproxima com a transformação digital. Advogados, juízes e promotores precisam decidir: vão liderar essa transformação ou serão atropelados por ela?

Paulo Pereira, professor doutor da Faculdade de Direito da USP e Secretário Nacional do Consumidor (Senacon) (Imagem: Análise Editorial/Fenalaw)
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