"Sou uma mulher negra, uso tranças loiras, estou com uma roupa preta e atrás de mim tem um painel preto" - assim começa Ana Carolina Lourenço, advogada no contencioso cível do Machado Meyer, se autodescrevendo para um possível público que teria baixa visão e estava acompanhando a palestra "Mudança de Mindset: A inclusão da Diversidade na Cultura Empresarial", realizada no primeiro dia da Fenalaw 2022.
O tema também foi discutido por Fabiano Machado da Rosa, sócio do PMR Advocacia e Ricardo Lagreca, diretor jurídico e de relações governamentais do Mercado Livre.
De acordo com os especialistas, a sociedade é diversa e, por isso, as empresas tem o dever de se diversificar. Isso porque, carreiras e sonhos profissionais estão sendo cada vez mais impactados pelas questões sociais. No entanto, para conseguir enfrentar as mudanças necessárias para alcançar êxito na inclusão é preciso configurar a nossa mentalidade, já que a diversidade também é vista atualmente como um manifesto de justiça.
Fabiano Machado, sócio do PMR Advocacia complementa o pensamento de Ana, afirmando que "junto com justiça, a diversidade é potência. As empresas que não renovarem serão condenadas a irrelevância. Não é condenada a fechar, mas será irrelevante a sociedade, o que é muito pior".
No mercado de advocacia, em que Ana e Fabiano estão inseridos, os temas relacionados à diversidade, equidade e inclusão tem ganhado ascensão. Conforme o especial ANÁLISE ADVOCACIA DIVERSIDADE E INCLUSÃO 2022, de 884 escritórios consultados pela editora, 344 afirmaram adotar ações e políticas de DEI no último ano.
Como mudar o mindset?
Mesmo com vasta experiência no mercado, Ricardo Lagreca, diretor jurídico e de relações governamentais do Mercado Livre, compartilha que entre as empresas que já atuou, a organização é uma das com maior consciência sobre o tema.
Ele conta que começaram, de um ano e meio para cá, a montar um mapeamento, como um formulário, para ser aplicado aos escritórios que pretendem contratar. O executivo compartilha que é uma forma de deixar claro a importância do tema para a empresa. Atualmente, o escritório interessado em prestar serviço para a empresa precisa informar sobre o trabalho de diversidade realizado dentro da sua própria equipe.
Segundo o diretor, a empresa ainda não chegou em um mundo ideal e tem um caminho a percorrer. A área jurídica possui, aproximadamente, 100 colaboradores, sendo 63% mulheres. No caso de lideranças, com cargos acima de gerente sênior, o número equivale a 40%. Com relação a diversidade étnica, são 10% de pretos e pardos no departamento, sendo 9% em cargos de liderança. Já PcDs equivalem a 3% do time e profissionais LGBTQIAPN+ autodeclarados representam 15%.
Lagreca complementa dizendo que é "essencial ter consciência de todo esse processo para compreender o que precisa ser aprendido e como lidar com as situações que se apresentam".
Benefícios de uma nova cultura
Para Ana Carolina é muito importante os clientes estarem cobrando as empresas - e vice-versa - ações efetivas de diversidade, equidade e inclusão. Segundo a advogada, o teste do pescoço é a forma mais simples de identificar o quão diverso é um local de trabalho. "Se a gente está em um lugar que a gente não vê pessoas negras, pessoas trans, pessoas com deficiência, alguma 'coisa' está errada. E, principalmente, as pessoas hegemônicas precisam cobrar isso. Essa mudança de cultura vem também com o compromisso", explica a profissional.
Na visão corporativa, a profissional destaca que as empresas que não tem pessoas diversas na equipe estão perdendo, porque as empresas diversas são as mais lucrativas, devido à segurança emocional que garantem aos seus colaboradores.
Machado aproveita para citar um acontecimento histórico como exemplo, os ataques de 11 de setembro de 2001, ocorridos nos EUA. Na época, havia uma falta grave de diversidade no serviço de inteligência americana. Segundo ele, quando Bin Laden declarou guerra ao país, a análise teve uma conclusão óbvia: um homem barbudo, sentado em uma pedra, encima de uma montanha qualquer no Afeganistão não era uma ameaça à nação. No entanto, se tivesse um muçulmano(a) na equipe, a análise seria outra, principalmente, pelo fato de ter citado Maomé.
Com isso, é possível afirmar que a diversidade permite um maior conhecimento no cenário que o profissional ou empresa está. Ela traz a compreensão do mercado e faz com que escritórios de advocacia e empresas tomem melhores decisões. Além disso, atrair uma geração de milênios, que tem ciclos mais curtos, já é difícil, sem a diversidade dentro da empresa fica pior ainda a atração de jovens talentos.
O profissional conclui dizendo que o painel da Fenalaw é histórico. "Há 150 anos você não estaria aqui, nem eu, a gente ia estar colhendo café. Eu que sou motorista do meu próprio carro, uma BMW, sou confundido todo dia com o motorista, porque BMW não é um carro de negro. Há uma construção racista estrutural no Brasil e eu fico muito orgulhoso de ser confundido com o motorista, porque foi assim que meu pai me criou, sendo motorista", conta Machado.