O processo de licenciamento para exploração de petróleo na Foz do Amazonas avançou no último mês, com a aprovação, pelo Ibama, do Plano de Proteção e Atendimento à Fauna Oleada (PPAF). A medida reacendeu o debate sobre os impactos ambientais e legais da atividade na chamada margem equatorial, região que compreende áreas entre o Amapá e o Rio Grande do Norte.
Reconhecida como uma das regiões mais biodiversas do planeta, a Foz abriga recifes de corais, manguezais, espécies migratórias e comunidades tradicionais. A possibilidade de perfuração de poços em águas profundas expõe um impasse central: como viabilizar a exploração de recursos energéticos sem comprometer a preservação ambiental?
Licenciamento ambiental: o que falta para a autorização?
A recente aprovação do PPAF pela Petrobras representa um avanço no processo, mas não encerra o trâmite. De acordo com Édis Milaré, jurista e sócio do Milaré Advogados, "a aprovação do Plano de Proteção e Atendimento à Fauna Oleada (PPAF) é um passo importante, mas não garante a licença de exploração. O IBAMA e a Petrobras ainda realizarão uma simulação in loco das ações de resposta a emergência, a Avaliação Pré-Operacional (APO)."
O plano faz parte do Plano de Emergência Individual (PEI) da Petrobras e está inserido no processo de licenciamento para exploração de poço de petróleo em águas profundas na margem equatorial. Segundo Milaré, "o PPAF é relevante, assim como a simulação a ser feita, porque permitirão ao IBAMA avaliar questões relacionadas à eficiência dos equipamentos, a agilidade na resposta, o cumprimento dos tempos de atendimento à fauna previstos e a comunicação com autoridades e partes interessadas, em casos de emergência."
Ele explica ainda que os próximos passos incluem "análise complementar de impacto ambiental, especialmente sobre correntes marinhas e dispersão de óleo; audiências públicas com comunidades locais e povos indígenas; efetiva aprovação de planos de emergência e contenção de vazamentos; avaliação técnica final do Ibama, que pode incluir exigências adicionais; e decisão política e institucional, considerando o posicionamento de outros órgãos como o Ministério do Meio Ambiente e o Ministério de Minas e Energia."
Debate sobre a Licença Ambiental Especial (LAE)
Entre os elementos em discussão no cenário político está a proposta da Licença Ambiental Especial (LAE), prevista no PL 2.159/2021. A ideia é acelerar o licenciamento de projetos considerados estratégicos para o país, com um prazo máximo de um ano para análise.
De acordo com Milaré, "a finalidade dessa modalidade de licença seria estabelecer um procedimento mais célere e simplificado, para projetos considerados prioritários pelo governo federal, com prazo máximo de um ano para análise e emissão da licença. Com isso, espera-se superar entraves e burocracias na implantação de projetos de infraestrutura relevantes ao país."
No entanto, ele alerta para os riscos: "A LAE também vem sendo objeto de críticas, na medida em que tal licença poderá ter um caráter político, o que caberá ao Poder Executivo determinar o que é prioritário e, portanto, sujeito à LAE. Além disso, há preocupação de que o interesse político ou econômico se sobreponha aos critérios ambientais que devem ser observados em um licenciamento ambiental."
Ele também aponta preocupações de natureza legal, ambiental e política: "sobre a constitucionalidade dessa modalidade de licença, considerando os critérios de avaliação de impactos ambientais preconizados pela CF, no artigo 225, e na hipótese de afetar direitos de comunidades indígenas; se simplificação do processo pode vir a reduzir a profundidade da análise dos impactos dos empreendimentos, aumentando o risco de danos irreversíveis a ecossistemas frágeis; e pode gerar conflitos entre órgãos ambientais e setores econômicos, além de afetar a imagem internacional do Brasil em relação à proteção ambiental."
Riscos ambientais associados à Foz do Amazonas
A região onde a Petrobras pretende atuar é altamente sensível do ponto de vista ecológico. Milaré explica que "a região é rica em sua biodiversidade, sobretudo marinha, com ecossistemas de recifes de corais de água turva, manguezais e áreas de reprodução de espécies."
Segundo ele, os principais riscos incluem: "vazamentos de óleo, com difícil contenção devido às correntes marítimas complexas; impacto sobre espécies endêmicas e migratórias, como peixes-boi, tartarugas e aves marinhas; contaminação de áreas pesqueiras, afetando comunidades ribeirinhas e indígenas; [e] danos a recifes e habitats bentônicos, ainda pouco estudados."
Desenvolvimento econômico e proteção ambiental: é possível equilibrar?
A busca por equilíbrio entre desenvolvimento e sustentabilidade é um dos maiores desafios nesse tipo de projeto. Para Milaré, "o equilíbrio entre desenvolvimento e preservação ambiental é sempre um tema complexo, porque é extremamente desafiador encontrar um modelo ideal que contemple a proteção dos recursos naturais e sua exploração."
Ele sugere uma abordagem integrada, com "zoneamento ecológico-econômico (ZEE) para definir áreas de exploração e conservação; investimentos em tecnologias de baixo impacto e monitoramento ambiental contínuo; participação ativa das comunidades locais na tomada de decisões."
Como exemplo internacional, ele cita a Noruega: "modelo de exploração com forte regulação ambiental, e o uso de fundos soberanos para reinvestir os lucros do petróleo em energias renováveis e bem-estar social." Mas pondera que "a própria Noruega é alvo de críticas, pois é um dos maiores exportadores de petróleo do mundo, o que gera emissões indiretas nos países que consomem esse petróleo. Assim, é acusada de violação do Acordo de Paris."
O dilema da transição energética
Milaré comenta o impasse entre metas climáticas e segurança energética: "De fato, de um lado há quem defenda que, em razão das metas climáticas assumidas pelo Brasil, a exploração de novas reservas de petróleo na Foz do Amazonas estaria em conflito com os compromissos de redução de emissões e transição energética, conforme o estabelecido no Acordo de Paris e a meta de neutralidade de carbono até 2050.
Ele também apresenta a visão contrária: "de outro lado, a posição da Petrobras e membros do governo é no sentido de que a atividade petrolífera poderia financiar a transição energética, gerando recursos para investimentos em fontes renováveis. Além disso, a exploração desse recurso garantiria mais segurança energética ao país e evitaria a necessidade de importação de petróleo pelo Brasil."