Nos últimos anos, a sigla ESG se consolidou como prioridade nas agendas corporativas. Mas junto com o avanço das boas práticas ambientais, sociais e de governança, surgiram também condutas que tentam se apropriar desse discurso de forma indevida — prática conhecida como greenwashing. Trata-se de estratégias de marketing que criam uma falsa impressão de responsabilidade ambiental por parte das empresas.
Segundo Thiago Armigliato Maroli, sócio do NHM Advogados, é fundamental compreender que o greenwashing pode se configurar como uma prática enganosa mesmo sem uma previsão legal específica. O avanço das práticas ESG torna urgente esse debate, principalmente diante dos riscos de enganar o consumidor ou comprometer a governança da empresa. "No direito brasileiro, a prática de greenwashing ("lavagem verde") não possui tipificação específica, mas considerando a atual relevância das práticas ESG - ambientais, sociais e governança, especialmente a sustentabilidade, quando uma empresa, genericamente falando, pois a abrangência é bem maior, promove a si, seus produtos ou serviços com base em omissões ou falsas afirmações a atributos ambientais, greenwashing, esta pode induzir o consumidor ao erro e citada prática poderia ser caracterizada como "publicidade enganosa", proibida pelo Código de Defesa do Consumidor (CDC), ou ainda ferir regras de governança e gerar desdobramentos e sanções por órgãos reguladores, como CVM, em caso de empresas listada e CADE, quando a prática fere a livre concorrência".
Uma empresa pode ser responsabilizada mesmo que a intenção não tenha sido enganar?
Daniela Vlavianos, sócia do Poli Advogados & Associados, chama atenção para o fato de que, do ponto de vista jurídico, a intenção nem sempre é determinante. Ela destaca que, nas relações de consumo, o dever de veracidade é objetivo e independe de dolo. "No âmbito do CDC, a responsabilidade por publicidade enganosa é objetiva, ou seja, independe de dolo ou culpa (art. 12 e 14 do CDC). Basta que a mensagem tenha potencial de induzir o consumidor a erro. Do mesmo modo, o princípio da boa-fé objetiva impõe o dever de veracidade e lealdade nas relações de consumo e de mercado, o que significa que mesmo alegações ambientais realizadas de forma imprudente ou sem respaldo técnico podem gerar responsabilidade civil, administrativa e até penal (por crime contra as relações de consumo - art. 67 do CDC)".
Como o Direito Empresarial e o Direito do Consumidor tratam casos de marketing enganoso relacionado à sustentabilidade?
De acordo com Daniela Vlavianos, tanto o Direito Empresarial quanto o Direito do Consumidor oferecem bases sólidas para coibir práticas enganosas envolvendo sustentabilidade. Ela ressalta que há previsão legal para proteger o consumidor e responsabilizar empresas por informações falsas, inclusive em aspectos ambientais. "O Direito do Consumidor, por meio do CDC (art. 6º, III; art. 31; art. 37), assegura ao consumidor o direito à informação adequada e clara sobre os diferentes produtos e serviços. A publicidade deve ser verdadeira e não pode induzir o consumidor a erro, sendo considerada enganosa toda comunicação que contenha qualquer forma de inverdade ou omissão relevante, inclusive em aspectos ambientais. O Direito Empresarial, por sua vez, considera o dever de diligência e de transparência dos administradores, conforme o art. 153 da Lei das S.A., podendo ensejar responsabilização civil e administrativa por informações falsas ou enganosas no mercado, inclusive perante a CVM, se houver impactos em ações e valores mobiliários".
Quais os principais riscos jurídicos que empresas correm ao fazer alegações ambientais sem respaldo técnico?
A respeito dos desdobramentos práticos, Thiago Armigliato Maroli alerta que os riscos não se limitam à imagem da empresa, envolvem investigações, sanções e até responsabilizações criminais. "Infrações podem gerar desdobramentos jurídicos nas mais diversas esferas, como risco reputacional, investigações e sanções pela CVM (e até mesmo SEC - para empresas listadas nos EUA), em caso de divulgação de informação falsa a investidores, investigações e sanções pelo CADE, a exemplo de práticas de concorrência desleal e multas administrativas de órgãos ambientais e de defesa do consumidor, em caso de comprovada infração, para citar alguns dos riscos".
Complementando essa visão, Daniela Vlavianos reforça que os riscos são múltiplos e envolvem tanto a esfera cível quanto administrativa e penal.
"Os principais riscos jurídicos envolvem ações civis públicas por parte do Ministério Público ou entidades legitimadas, com pedidos de indenização por danos morais coletivos e obrigação de fazer ou não fazer; processos administrativos no PROCON, com aplicação de multas e obrigações de retratação; responsabilização cível por concorrência desleal, inclusive por empresas concorrentes; autuações por órgãos ambientais se a conduta envolver irregularidades ambientais reais; risco reputacional, que pode se traduzir em perda de valor de mercado, inclusive com impacto nas ações e no relacionamento com stakeholders; e eventual responsabilização penal, a depender do conteúdo das declarações e do dano causado".
Já existem precedentes relevantes no Brasil ou no exterior envolvendo greenwashing?
Thiago Armigliato Maroli afirma que a questão do greenwashing já vem sendo enfrentada por órgãos reguladores no Brasil e no mundo. Ele cita casos concretos e recentes que evidenciam a seriedade com que o tema tem sido tratado em diferentes jurisdições. "O tema tem ganhado relevância global, abrangendo desde investigações no CONAR (referente a propaganda no Brasil) a multas milionárias em outros países. Exemplificando, podemos citar casos nos Estado Unidos, como o ocorrido em 2024 onde a Comissão de Valores Mobiliários (SEC) - a CVM americana - acusou a Invesco Advisers, Inc. de fazer declarações enganosas sobre a porcentagem de ativos sob gestão de toda a empresa que integravam fatores ambientais, sociais e de governança (ESG) nas decisões de investimento. A consultora de investimentos registrada em Atlanta concordou em pagar uma multa civil de US$ 17,5 milhões para resolver as acusações da SEC. Na Alemanha, em que o DWS (Deutsche Bank) também foi objeto de investigação e sanção no ano anterior, com desdobramentos tanto na SEC, como na Alemanha; e Austrália, com especial referência a prática de greenwashing, onde em 2024, o Tribunal Federal ordenou que a Vanguard Investments Australia pagasse uma multa de AU$ 12,9 milhões por fazer alegações enganosas sobre critérios de exclusão ambiental, social e de governança (ESG). Esses critérios foram aplicados a investimentos no Fundo de Índice de Títulos Agregados Globais Ethically Conscious da Vanguard".
Existe alguma regulação em curso no Brasil ou no exterior que visa coibir o greenwashing?
Daniela Vlavianos observa que, apesar de o Brasil ainda não contar com uma lei específica sobre o tema, há avanços normativos em andamento, tanto aqui quanto no exterior. Ela destaca a importância de diretrizes claras para tornar a comunicação ESG mais responsável. "No Brasil, embora ainda não haja uma lei específica sobre greenwashing, há iniciativas legislativas em trâmite, como o PL nº 572/2022, que pretende tipificar o greenwashing como infração administrativa e estabelecer critérios claros para alegações ambientais. A Resolução CVM nº 59/2021 também avançou ao estabelecer diretrizes para fundos ESG, exigindo comprovação das práticas sustentáveis alegadas. No exterior, a União Europeia aprovou a Diretiva sobre Alegações Ambientais (Green Claims Directive), que impõe critérios objetivos para comunicações ambientais e proíbe alegações genéricas sem verificação técnica. Os EUA, por meio da Federal Trade Commission (FTC), também têm reforçado as "Green Guides", que orientam o mercado sobre práticas aceitáveis. Esses movimentos indicam uma tendência global de endurecimento regulatório contra o greenwashing".
Como o setor jurídico pode contribuir para evitar o greenwashing dentro das empresas?
Na visão de Thiago Armigliato Maroli, o setor jurídico tem papel estratégico na prevenção do greenwashing. Sua atuação preventiva e integrada às áreas de ESG é essencial para garantir que a comunicação corporativa esteja em conformidade com a realidade e a legislação. "A atuação do jurídico pode variar bastante a depender da estruturação e organização de cada empresa, mas algumas práticas podem ser bem-vindas, como integrar as áreas de ESG da empresa, exigir laudos técnicos ou estudos semelhantes, respeitando as boas práticas do setor, de forma a mitigar a exposição a riscos, implantar controles ESG de modo que o divulgado pela empresa estejam respaldados em práticas reais, e até mesmo auxiliar no treinamento de executivos e funcionários chave, visando o respeito às boas práticas de governança e ambientais e atuação do compliance".
Quais cuidados as companhias devem tomar ao comunicar ações ambientais ou práticas ESG?
Daniela Vlavianos aponta que a transparência e o respaldo técnico são elementos indispensáveis para evitar o greenwashing. Ela recomenda práticas claras e documentadas, com alinhamento entre discurso e ações concretas. "As empresas devem basear suas alegações em dados técnicos verificáveis; manter registros e relatórios de auditoria ambiental que respaldem as ações divulgadas; evitar termos genéricos como "verde", "ecológico", "sustentável" sem contextualização concreta; revisar minuciosamente relatórios de sustentabilidade antes da publicação; alinhar a comunicação com o efetivo desempenho ambiental e social da empresa; submeter campanhas publicitárias à área jurídica antes da veiculação; e observar normas internacionais de relato, como GRI Standards e princípios do Pacto Global da ONU, para garantir aderência às melhores práticas e evitar riscos de responsabilização".
A pressão por ESG está gerando mais responsabilidade real ou apenas mais "maquiagem verde"?
Para Thiago Armigliato Maroli, há um movimento positivo de responsabilização real, mas ele reconhece que a popularidade do ESG também abriu espaço para práticas oportunistas e de difícil verificação. "A abrangência do tema requer uma análise ponderada. A atual relevância das práticas ESG tem gerado real responsabilização por práticas de greenwashing, a exemplo de multas milionárias recentemente aplicadas em outras jurisdições, especialmente a companhias e fundos em setores regulados, que têm trazido seriedade ao tema, mas por outro lado a abrangência do tema e sua relevância ainda abrem margem para atuações menos criteriosas sob o "manto" do ESG, dada a dificuldade de uma avaliação real e criteriosa, seja por investidores, ou consumidores, por exemplo".
Daniela Vlavianos complementa ao afirmar que a maturidade das empresas é um fator determinante. Embora muitas estejam avançando, ela ressalta que a falta de critérios uniformes ainda permite o uso indevido do discurso sustentável. "A pressão por ESG tem produzido avanços concretos em diversas empresas, especialmente aquelas com governança corporativa mais madura e exposição internacional. Contudo, o aumento de exigências regulatórias e de mercado também tem estimulado práticas oportunistas, caracterizadas pela chamada "maquiagem verde". A ausência de critérios uniformes e fiscalização efetiva favorece a proliferação de discursos sustentáveis desconectados da realidade operacional. Por isso, cresce a relevância do papel dos órgãos reguladores e do controle social, inclusive com a atuação de investidores e consumidores atentos a indicadores objetivos. A responsabilização judicial e administrativa por greenwashing é um importante instrumento para diferenciar empresas comprometidas de práticas meramente cosméticas".