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Golpe do 'falso advogado': Vazamento, cobranças indevidas, e mais

A escalada do "golpe do falso advogado" preocupa instituições da advocacia brasileira e tem impacto direto sobre a credibilidade da profissão. Criminosos utilizam dados reais de processos para se passar por advogados e exigir pagamentos indevidos, explorando vulnerabilidades do sistema judicial e fragilizando a confiança dos clientes

5 de September 13h19
(Imagem: Análise Editorial/Reprodução)

Uma das fraudes que mais cresce no Brasil tem como alvo tanto advogados quanto cidadãos comuns: o golpe do falso advogado. Criminosos se passam por advogados usando dados reais de processos judiciais. Eles convencem vítimas de que têm direito a indenizações e exigem pagamentos antecipados para liberar valores. Os golpistas sofisticam o esquema e exploram informações detalhadas do sistema judiciário. Ele já gerou milhares de denúncias e levou a OAB a criar estruturas específicas de combate.

"Os criminosos costumam se valer de dados públicos, constantes de processos judiciais, como nome, número de inscrição e até fotos de redes sociais, para criar perfis falsos e se passarem por advogados", explica Ana Tereza Basilio, presidente da OAB-RJ.

As denúncias crescem de forma exponencial e já somam milhares de casos no país. A estratégia dos criminosos expõe vulnerabilidades do sistema judicial e dados sensíveis. A OAB registrou 6.513 ocorrências de golpes até abril de 2025, segundo dados oficiais. Muitas vítimas, porém, deixam de denunciar por constrangimento após pagamentos indevidos.

Impacto na advocacia e medidas de combate

A proliferação dessa modalidade de fraude tem levado diversas seções da OAB a adotar medidas preventivas. Em abril, a OAB SP criou uma cartilha, que pode ser consultada pela população com dicas sobre como proceder para evitar cair no golpe ou o que fazer se for vítima de um. A OAB SP também criou uma força-tarefa para reunir provas, atender a advocacia e orientar os profissionais afetados.

A OAB-RJ, seguiu os passos da seccional paulistana e lançou uma cartilha e criou uma comissão especial para orientar advogados e a sociedade contra o golpe do falso advogado, fraude que já acumula centenas de denúncias no estado.

Os golpes têm repercussões não apenas para as vítimas, mas também para escritórios que têm sua identidade indevidamente usada. "Recebemos relatos de terceiros que foram contatados por supostos representantes do nosso escritório, em situações que não correspondiam à nossa forma de atuação", relata Ariane Vanço, sócia-diretora de Compliance da Nelson Wilians Advogados, que teve as identidades do escritório e de seus colaboradores usadas para aplicar o golpe em clientes.

Ela reforça o impacto institucional: "Casos de falsidade ideológica e uso indevido da identidade de advogados afetam não apenas os escritórios envolvidos, mas também a percepção social sobre a advocacia. Isso reforça a necessidade de atuação conjunta da OAB e das autoridades para combater práticas fraudulentas e proteger os cidadãos".

O modus operandi dos estelionatários

A sofisticação do golpe do falso advogado reside na precisão dos dados utilizados pelos criminosos. Criminosos têm se passado por advogados ou funcionários de escritórios de advocacia utilizando dados reais e detalhados das vítimas para cobrar taxas judiciais de cidadãos relacionados a processos em andamento.

Ao contatar a vítima, o farsante descreve os dados do processo do cliente e informa que ele tem uma indenização a receber, mas que, para isso, é necessário fazer um depósito em uma determinada conta bancária. A estratégia explora uma vulnerabilidade psicológica específica: a esperança de receber uma indenização combinada com informações detalhadas que conferem credibilidade ao golpe.

"Os golpistas se apresentavam como advogados ou colaboradores da equipe, oferecendo supostos serviços jurídicos e solicitando pagamentos antecipados. Em alguns casos, usaram documentos falsificados e canais de comunicação fraudulentos para dar aparência de legitimidade às abordagens", revela Ariane.

O acesso a dados processuais detalhados tem gerado questionamentos sobre possíveis vazamentos no sistema judiciário. No caso do golpe do falso advogado, uma recomendação é solicitar informações de quem está do outro lado da linha e fornecê-las ao sistema ConfirmADV, plataforma da OAB, que usa dados do Cadastro Nacional dos Advogados para verificação da autenticidade de advogados.

O Tribunal de Justiça também alerta para a técnica hacker Caller ID Spoofing, em que os criminosos utilizam recursos tecnológicos para falsificar o número que aparece no identificador de chamadas, ampliando ainda mais a sofisticação das fraudes.

Respostas institucionais

Diante do aumento das fraudes, a OAB tem criado estruturas específicas de combate. No Rio de Janeiro, além da cartilha e da comissão especial, a OAB-RJ também montou um grupo com 52 delegados na Corregedoria para receber e encaminhar denúncias. Em agosto, uma operação conjunta resultou em prisões em seis estados, incluindo o Rio de Janeiro.

"A cooperação entre OAB, Ministério Público e Polícia Civil tem sido fundamental para responsabilizar os envolvidos e proteger advogados e cidadãos", afirma Ana Tereza Basilio.

Escritórios também têm reforçado protocolos. Segundo Ariane, o Nelson Wilians passou a monitorar com mais frequência o uso indevido de sua marca, intensificou campanhas nas redes sociais e orientou clientes sobre canais oficiais de contato.

Responsabilização e lacunas jurídicas

A questão da responsabilização tem gerado debates jurídicos complexos. O advogado real não tem qualquer culpa nos casos do golpe do falso advogado, a não ser que se produza provas em sentido contrário. O grande problema se dá pelo fato de os estelionatários terem tamanha facilidade para obter dados e documentos relativos a processos judiciais.

Em alguns casos, a Justiça tem responsabilizado instituições financeiras por falhas de segurança. Um banco foi condenado a restituir R$ 1.150 a um cliente que caiu no golpe do "falso advogado" no através do WhatsApp. A sentença reconheceu falha na segurança do banco por permitir uma movimentação atípica.

Perspectivas e tecnologia

"A segurança digital é hoje uma prioridade institucional do sistema OAB", afirma Ana Tereza. Entre os avanços tecnológicos, ela destaca que "a Carteira Digital da OAB, desenvolvida pelo Conselho Federal, vem sendo aprimorada com recursos como autenticação biométrica e PIN pessoal, fortalecendo a segurança das credenciais profissionais e oferecendo uma alternativa confiável para a identificação de advogados em ambientes digitais".

A segurança digital tornou-se prioridade institucional. A OAB aposta em ferramentas como o ConfirmADV, que permite verificar a autenticidade de advogados, e na evolução tecnológica do sistema processual. "Com a migração do TJRJ para o EPROC, que tem mais recursos de proteção, acreditamos que o número de golpes será reduzido", afirma Ana Tereza.

A presidente da OAB-RJ é otimista quanto ao futuro: "Para os próximos anos, o compromisso é seguir investindo em educação digital, ferramentas tecnológicas e cooperação institucional, sempre com o objetivo de proteger a advocacia e reforçar a confiança da sociedade na atuação profissional".

Para Ariane Vanço, o episódio deixa lições sobre os riscos da digitalização: "Embora tenha trazido eficiência, a digitalização ampliou os riscos de fraude e falsificação. É fundamental investir em tecnologia, mas também em conscientização — advogados, clientes e a sociedade precisam estar atentos para identificar golpes e adotar práticas de prevenção".

O combate ao golpe do falso advogado representa um desafio multifacetado que envolve questões de segurança de dados, regulamentação de plataformas digitais e educação preventiva. À medida que os criminosos aprimoram suas técnicas, a resposta institucional precisa evoluir na mesma velocidade. Essa resposta deve combinar tecnologia, regulamentação e conscientização pública para proteger advogados e clientes.

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