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Gestão documental: a fronteira invisível que afasta investidores

Plataformas digitais ganham espaço como aliadas para mitigar riscos enquanto falhas na governança podem reduzir valuation, travar due diligence e afastar investidores em operações de M&A

5 de September 16h30

No dinâmico e por vezes implacável cenário das fusões e aquisições (M&A), onde cifras bilionárias mudam de mãos e o futuro de empresas é redefinido, existe uma ameaça silenciosa, quase invisível, capaz de desestabilizar as mais promissoras negociações: a gestão documental deficiente. Longe de ser uma mera formalidade burocrática, a organização e a precisão dos documentos corporativos emergem como um pilar fundamental que sustenta ou derruba a confiança dos investidores, determinando o sucesso ou o fracasso de operações estratégicas.

Em um mercado brasileiro de M&A que, apesar de aquecido, ainda enfrenta desafios significativos, a ausência de uma governança documental robusta se traduz em riscos tangíveis. Certidões desatualizadas, informações inconsistentes ou a simples falta de rastreabilidade podem não apenas atrasar processos, mas desvalorizar ativos e, em casos extremos, inviabilizar transações que levariam anos para serem construídas. Dessa forma, a gestão documental tornou-se a fronteira invisível que, se negligenciada, afasta investidores e compromete o valor intrínseco das empresas.

Impacto das falhas documentais

O mercado de fusões e aquisições no Brasil demonstra um vigor notável, com movimentações expressivas que, apenas nos primeiros quatro meses do ano, atingiram R$56,5 bilhões em 537 operações, segundo relatório da TTR Data. Esse cenário de efervescência, contudo, esconde uma vulnerabilidade crítica: a gestão documental. Longe de ser um detalhe operacional, a precisão e a completude dos registros são determinantes para a saúde e o sucesso de qualquer transação de M&A.

Falhas documentais não são meros entraves burocráticos. Elas representam riscos substanciais que podem atrasar, depreciar ou até mesmo inviabilizar operações. Alexandre Pegoraro, CEO da plataforma de compliance Kronoos, compara essas falhas a "rachaduras em um prédio: muitas vezes invisíveis, mas potencialmente catastróficas". Essa analogia ressalta a natureza insidiosa do problema, que pode comprometer a estrutura de um negócio sem que os sinais sejam imediatamente evidentes.

Samuel Vilarinho, sócio do Vilarinho Advogados, reforça:

Uma pesquisa da Deloitte revela o apetite do mercado por essa estratégia de crescimento: 33% das empresas realizaram operações de M&A nos cinco anos anteriores ao levantamento, e 46% planejam fazê-lo até 2028. No entanto, a mesma pesquisa aponta que um terço das empresas que realizaram operações de M&A atingiram seus objetivos apenas parcialmente. Dentre as que não obtiveram sucesso, 43% atribuíram os desafios à precificação incorreta ou à dificuldade em avaliar esse fator. Este é um indicativo claro de como a falta de transparência e a inconsistência documental podem distorcer o valuation de uma empresa, afetando diretamente a percepção de valor e a confiança dos investidores.

Desvalorização e litígios pós-aquisição

O que pode até parecer óbvio tem gerado prejuízo considerável no país. Um valuation incorreto pode gerar consequências severas, desde o pagamento de um montante inadequado - onerando vendedor ou comprador - até expectativas distorcidas sobre o desempenho futuro da empresa adquirida. Pegoraro alerta que "um erro ou omissão grave em certidões pode reduzir o valuation de uma empresa em até 15% em negociações de médio e grande porte". Além disso, a recorrência de litígios pós-aquisição, frequentemente ligados a passivos ocultos decorrentes de certidões vencidas ou omissas, pode resultar em custos judiciais e indenizações milionárias.

A fase de due diligence, crucial para a mitigação de riscos, é particularmente vulnerável a essas falhas. A pesquisa da Deloitte aponta que 38% das empresas relataram problemas durante essa etapa, como a descoberta de questões financeiras não divulgadas, litígios pendentes, ou problemas regulatórios e de propriedade intelectual, que levaram à interrupção de suas operações de M&A. Isso sublinha a necessidade de uma gestão documental impecável, que garanta a integridade e a acessibilidade das informações desde o início do processo.

Marcus Valverde, sócio do Marcus Valverde Sociedade de Advogados, observa:

Ascensão das plataformas digitais

A complexidade do ambiente regulatório brasileiro, com mais de 5 mil cartórios e órgãos emissores, torna a gestão documental manual um processo não apenas impraticável, mas extremamente arriscado. A descentralização dos dados, a heterogeneidade entre as diferentes jurisdições estaduais e as normas locais, somadas aos prazos longos e processos burocráticos, criam um cenário propício para falhas na rastreabilidade das informações. Um levantamento interno da Kronoos revela que processos desorganizados de compliance documental podem aumentar em até 80% o custo com auditorias externas.

Nesse contexto, a frase de Pegoraro, "em um contexto de M&A, o tempo perdido é dinheiro perdido", ressoa com particular força. A ineficiência gerada pela dependência de fluxos manuais não apenas eleva os custos operacionais, mas também compromete a agilidade necessária em transações de M&A, onde o tempo é um fator crítico.

Guilherme Bruschini, sócio do Meirelles Bruschini Cunha Advogados, complementa:

A solução digital: eficiência e segurança

As plataformas digitais de certidões e gestão documental representam um avanço significativo, oferecendo ferramentas indispensáveis para um ambiente regulatório cada vez mais exigente. Por meio de sistemas integrados, essas plataformas automatizam a solicitação, consulta, validação e controle de milhares de tipos de certidões, garantindo rastreabilidade completa e armazenamento seguro em ambiente digital.

Os benefícios são tangíveis e impactam diretamente a eficiência e a redução de custos, uma vez que essas plataformas reduzem o tempo gasto em auditorias e os custos com mão de obra dedicada ao controle documental. Essa otimização não apenas libera recursos valiosos, mas também minimiza a exposição a riscos jurídicos, financeiros e regulatórios, permitindo respostas mais rápidas e assertivas.

A certificação documental, antes um gargalo, torna-se parte integrante do due diligence estratégico. Um fluxo documental desorganizado ou opaco pode ser o suficiente para afastar investidores, mas, em contrapartida, a transparência e a organização proporcionadas pelas plataformas digitais reforçam a confiança, um elemento crucial em qualquer negociação.

Como conclui Pegoraro:

Gestão documental como pilar estratégico

Para o mercado jurídico brasileiro, a mensagem é clara: a gestão documental não é um custo, mas um investimento estratégico. Em um cenário de M&A cada vez mais competitivo e complexo, a capacidade de apresentar uma documentação impecável é um diferencial que pode significar a concretização de negócios vantajosos ou a perda de oportunidades valiosas. A fronteira invisível da gestão documental, antes um obstáculo, agora se revela como um pilar fundamental para a confiança, o valuation e o sucesso duradouro no universo corporativo.

Guilherme Bruschini, sócio do Meirelles Bruschini Cunha Advogados, resume:

Ao manter certidões e registros sempre atualizados, a empresa garante transparência, reduz riscos e preserva valor de mercado.

Se o erro humano ainda gera prejuízos milionários, talvez seja hora de contar com o auxílio da tecnologia para mais um passo na evolução do Direito.

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