Gerações no Direito: como a diferença de idade afeta a interação nos escritórios? | Análise
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Gerações no Direito: como a diferença de idade afeta a interação nos escritórios?

Édis Milaré, Felipe Galea e Milena Feldens compartilham suas experiências sobre como a maturidade, ou a falta dela, pode impactar o ambiente de trabalho

14 de September de 2023 18h07

"Pouco importa venha a velhice, que é a velhice? Teus ombros suportam o mundo e ele não pesa mais que a mão de uma criança", diz um dos versos do poema "Os ombros suportam o mundo", de Carlos Drummond de Andrade. O poeta descreve a passagem do tempo como algo que só se percebe ao atingir a maturidade. Essa maturidade pode ser facilmente compartilhada no mercado jurídico, onde a faixa etária tem pouca interferência, sendo comum que jovens convivam frequentemente com os mais velhos e vice-versa. No entanto, qual é o impacto dessa diversidade geracional dentro dos escritórios brasileiros?

Segundo censo da OAB Nacional, no Brasil, existem mais de 1,2 milhão de advogados, com a faixa etária predominante entre 26 e 40 anos, contabilizando cerca de 615 mil registros. Milena Moscoso Feldens, sócia do CMT Adv, é uma dessas jovens profissionais.

Nascida em junho de 1984, a carioca Milena sempre conviveu com pessoas mais velhas, mesmo na infância. Ela preferia companhias mais maduras, até mesmo em suas amizades, e para ela, essa convivência sempre foi muito natural.

Os pontos que mais destaca nas pessoas mais velhas com quem compartilhou o dia a dia durante a infância e juventude são a leveza e a paciência. Entre referências familiares, professores e profissionais, Milena conta que ainda recorre a uma gestora que a orientou em um trabalho anterior quando precisa de alguma orientação.

Mesmo acumulando experiências positivas, Milena já sentiu olhares de julgamento ao longo de sua carreira. Ela relata que as mulheres ainda sofrem mais com desconfiança por parte dos clientes. No entanto, a competência sempre fala mais alto. "Sabe o que deveriam desconsiderar na hora que vão contratar um advogado mais novo? Preconceitos".

Um pouco mais velho, Felipe Galea, sócio do BMA, tem uma ascendência jurídica. Seu bisavô e avô foram desembargadores, e sua mãe é advogada. Quando criança, ele costumava brincar entre os papéis espalhados no escritório da família. O diploma de advogado chegou para Galea em 2003, e contrariando os desígnios familiares, decidiu seguir na área do direito empresarial. A emoção de iniciar a carreira sem saber onde ela terminaria era o combustível para a determinação do novo advogado da família.

A interação de Galea com pessoas mais velhas extrapolou os muros da família de magistrados quando, no penúltimo ano da faculdade, já como estagiário do BMA, começou a se reportar a Luiz Fernando Fraga, um dos sócios-fundadores da banca.

Sua relação com o então chefe serviu como uma "ponte de aprendizado" profissional e, principalmente, de humildade, característica rara em estudantes de direito, de acordo com Galea. "É incrível a afinidade que se gera [entre estagiário e advogado]. Você já sabe como o outro está pensando mais ou menos. Então, quando não tem muito tempo para protocolar uma petição, um contrato, por exemplo, ele já vem com a sua cara. Tem gente que eu treinei, e quando recebo um documento para analisar, parece que fui eu quem fez."

Para os mais novos, o advogado do BMA orienta: capricho e determinação são essenciais para quem deseja ingressar em um escritório atualmente. Quando bem aproveitado, o trabalho entre advogado e estagiário adquirem uma conexão fina que se confundem positivamente.

Consciente que agora pode inspirar novos advogados, Galea não nega responsabilidades, ele sabe bem que é observado pelos mais de 100 estagiários do BMA, e assim como já teve referências, se tornou uma: "Eu falo para eles que a postura já é observada e sei que os mais de 100 estagiários nos observam".

Ao ser chamado de professor, Édis Milaré ainda fica ruborizado. O advogado considera o título uma gentileza por parte dos colegas mais jovens, apesar de ter lecionado por muitos anos e continuar envolvido no curso de pós-graduação da PUC-SP. Depois de um breve período atuando como advogado, ele construiu uma carreira sólida no Ministério Público de São Paulo, onde se aposentou como procurador de justiça, e há 27 anos está na linha de frente de seu escritório.

Pode-se afirmar que Édis conviveu com pessoas de diferentes idades desde sua infância. Seus pais, sem qualquer ligação com o meio jurídico, o criaram em meio a nove irmãos. De acordo com censo da OAB Nacional, citado anteriormente, os recém-formados até 25 anos compõem uma taxa de registro menor, com menos de 10% do total, totalizando apenas 70,8 mil advogados catalogados. Por outro lado, há 250,4 mil profissionais com 60 anos ou mais.

Durante a faculdade, ele e outro colega foram apadrinhados pelo distinto José Abolafio. Em longas conversas semanais, Édis colhia conselhos e aprendizados. Os principais temas discutidos entre mestre e aluno eram o tratamento que um advogado deve dispensar dependendo do caso. Abolafio enfatizava que a paciência deveria ser a principal guia, especialmente em questões relacionadas à família.

Édis seguiu os passos do professor Abolafio. Em seu escritório, o Milaré Advogados, ele chegou a criar a 'Escola Milaré', focada em auxiliar estagiários e advogados recém-formados. "No último curso, foram cinco meses, e além dos docentes que são os advogados da casa, trazemos procuradores de justiça, técnicos da CETESB - somos especializados em meio ambiente -, e outros magistrados. Isso permite que eles tenham noção do que vão enfrentar daqui pra frente."

Questionado sobre uma habilidade essencial que um jovem deve ter para ingressar em um escritório importante como o seu, Édis foi categórico ao afirmar que uma boa redação é inegociável. No entanto, ele mesmo admite que colocar no papel aquilo que pensa foi um desafio e tanto. Atualmente, para se manter na "ponta dos cascos" com a escrita, ele lê muito, principalmente matérias jurídicas.

Quando o assunto é aprimoramento, Édis revela que às vezes seus colegas contemporâneos não estão dispostos a abandonar os hábitos antigos, e isso o perturba mais do que os rompantes da juventude. "A gente tem que manter a mente aberta para sempre assimilar as novidades, né?", termina indagando.

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