Escravidão contemporânea: veja as 745 empresas na lista suja | Análise
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Escravidão contemporânea: veja as 745 empresas na lista suja

Mais de 65 mil pessoas foram resgatadas de condições análogas à escravidão nos últimos 30 anos

14 de May 18h15

Embora a Princesa Isabel tenha abolido a escravidão em 13 de maio de 1888 com a assinatura da Lei Áurea — data que segue sendo comemorada até hoje —, em 2025, empresas ainda são denunciadas por trabalho análogo à escravidão.

Segundo dados divulgados pelo Ministério do Trabalho e Emprego em janeiro de 2025, mais de 65 mil pessoas foram resgatadas de condições análogas à escravidão nos últimos 30 anos. Somente em 2024, 2.004 trabalhadores foram retirados dessa situação por meio de ações promovidas pelo Ministério.

A "lista suja" do trabalho escravo

Para denunciar e expor os nomes dos empregadores — e de suas respectivas empresas — envolvidos com trabalho análogo à escravidão, existe a chamada ‘lista suja’. Criada em 2004, essa iniciativa é atualizada semestralmente. Sua divulgação chegou a ser suspensa entre 2014 e 2016, até que o Supremo Tribunal Federal (STF) reconheceu a constitucionalidade do documento.

Na última atualização, 155 novos nomes foram incluídos na "lista suja", totalizando 745 empresas e empregadores. Entre os denunciados, dez empresas se destacam pelo alto número de pessoas resgatadas:

  • S&S NASCIMENTO SERVICOS E TRANSPORTES LTDA - 212 trabalhadores resgatados
  • FENIX SERVICOS ADMINISTRATIVOS E APOIO A GESTAO DE SAUDE LTDA - 210 trabalhadores resgatados
  • AGRO PECUARIA NOVA GALIA LTDA - 138 trabalhadores resgatados
  • CONSORCIO CONSTRUTOR LINHA VERDE - 110 trabalhadores resgatados
  • SOUZAPAIOL VASCONCELOS INDUSTRIA E COMERCIO CIGARRO DE CIGARROS DE PALHA LTDA - 116 trabalhadores resgatados
  • RAFAEL ROSA ZANDONADI - 80 trabalhadores resgatados
  • MARCIO AREDA VASCONCELOS - 84 trabalhadores resgatados
  • MARCOS ROGERIO BOSCHINI - 84 trabalhadores resgatados
  • RAUL ALVES ROBERTI - 70 trabalhadores resgatados
  • APARECIDO DA SILVA SERVICOS RURAIS - 57 trabalhadores resgatados

Geralmente, cada nome permanece na lista por dois anos. Contudo, uma portaria publicada em junho de 2024 estabeleceu que as autoridades podem retirar empresas e empregadores antes desse prazo ou, em alguns casos, nem sequer incluí-los.

Para isso, é necessário que firmem um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC), no qual se comprometem a indenizar as vítimas em, no mínimo, 20 salários mínimos. Além disso, devem investir em programas de assistência a trabalhadores resgatados. Veja a lista completa com os 745 nomes

A importância da "lista suja" no combate à escravidão contemporânea

Maria Helena Autuori, sócia-fundadora do Autuori Burmann Sociedade de Advogados e eleita Mais Admirada no anuário ANÁLISE ADVOCACIA, na especialidade trabalhista, afirma que a "lista suja" é um instrumento legítimo e eficaz de responsabilização indireta, com efeitos práticos relevantes para a sociedade.

Segundo a advogada, as empresas flagradas explorando trabalhadores em condições de escravidão contemporânea estão sujeitas a diversas consequências. Além da inclusão na "lista suja", o que compromete o acesso a crédito e incentivos fiscais, as empresas também podem ser responsabilizadas em ações civis públicas e trabalhistas, com condenações ao pagamento de indenizações por danos morais e coletivos. Na esfera penal, os responsáveis podem ser processados com base no artigo 149 do Código Penal, estando sujeitos a penas de reclusão e multa.

Aloizio Lima, sócio da área trabalhista do Lefosse — escritório eleito Mais Admirado no anuário ANÁLISE ADVOCACIA na especialidade trabalhista — segue a mesma linha. Segundo ele, o cadastro tem papel relevante na política pública de combate ao trabalho análogo à escravidão, especialmente por seu efeito reputacional. Contudo, ele traz um ponto importante para reflexão.

"É importante observar que a inclusão nesse cadastro decorre de procedimento administrativo, com base em critérios objetivos, e não pressupõe necessariamente a comprovação de dolo ou participação direta dos representantes legais da empresa", destaca Aloizio.

O papel do Direito contra a escravidão contemporânea

Ainda segundo Aloizio, deve-se interpretar a legislação atual sobre a escravidão contemporânea não como permissiva, mas como um conjunto normativo que enfrenta limitações de aplicação em determinados contextos.

Repercussão em casos envolvendo celebridades

Em outubro de 2024, a mídia nacional noticiou que a "lista suja" incluiu Emival Eterno da Costa, o cantor Leonardo. A razão foi que a fazenda dele, que possui cerca de mil hectares e é avaliada em R$ 60 milhões, utilizava trabalho análogo à escravidão.

Segundo relatório do Ministério Público do Trabalho, a fazenda do cantor abrigava seis funcionários que pernoitavam em uma casa abandonada, sem água potável ou banheiro. Para dormir, os trabalhadores utilizavam camas improvisadas com tábuas de madeira e galões de agrotóxicos.

Apesar de os nomes permanecerem na "lista suja" por até dois anos, uma decisão judicial retirou o nome do cantor da relação. De acordo com a defesa do artista, na época da fiscalização, a fazenda estava sob a responsabilidade de terceiros, sem ligação direta com ele. Ainda assim, Leonardo pagou as multas "para evitar qualquer discussão", e arquivaram o caso após os pagamentos.

Segundo a sócia-fundadora, a repercussão de casos que envolvem artistas é expressiva, contribuindo para colocar o tema em evidência e ampliar o debate sobre o que caracteriza a condição de trabalho análogo à escravidão no contexto jurídico brasileiro. Contudo, ela faz um alerta.

"É fundamental que a abordagem midiática seja técnica e responsável. A mera exposição de nomes, sem a devida apuração e sem o respeito ao devido processo legal, certamente induz a conclusões precipitadas. A visibilidade é válida, mas deve estar ancorada em análise jurídica criteriosa, com observância ao contraditório e à ampla defesa", alerta Maria.

Quais cuidados devem ser tomados pelas empresas

Para evitar denúncias relacionadas à trabalho escravo, Aloizio destaca a importância da inclusão de cláusulas contratuais específicas que prevejam exigências mínimas de conformidade trabalhista por parte das empresas, com transparência e a possibilidade de rescisão em caso de descumprimento.

Maria, por sua vez, afirma que esse tipo de risco pode ser evitado com uma cultura empresarial pautada por governança eficaz e gestão preventiva. "Isso certamente envolve a implementação de políticas de compliance, realização de auditorias para monitoramento da cadeia produtiva, capacitação de lideranças para identificação e correção de desvios de conduta, e a manutenção de canais de denúncia com resposta ágil e efetiva."

A sócia-fundadora ressalta que, nos setores com alta incidência de terceirização ou atuação em áreas rurais, as empresas devem redobrar a atenção. "A identificação de pontos críticos e o controle rigoroso sobre parceiros e fornecedores são medidas indispensáveis. Empresas que adotam práticas consistentes de prevenção e monitoramento inegavelmente reduzem o risco de responsabilização por irregularidades e fortalecem sua segurança jurídica e reputacional."

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