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Entenda como o tarifaço de Trump afeta multinacionais brasileiras

Nova política tarifária dos EUA gera incertezas para exportadores e abre caminho para reposicionamento global

11 de April 13h30

As tarifas comerciais impostas pelos Estados Unidos sob a liderança de Donald Trump reacenderam tensões geopolíticas e econômicas em escala global. O "tarifaço", apelido dado pela imprensa para a série de novas medidas tributárias anunciadas pelo presidente americano, afeta importações de quase todos os países do globo.

Ainda que o governo americano tenha suspendido a maioria dessas medidas na última quarta-feira (9) — com exceção daquelas aplicadas à China, que atualmente chegam a 145% — o tarifaço deixou marcas no comércio internacional e no planejamento estratégico de países exportadores como o Brasil. Economistas, juristas e especialistas em comércio exterior veem o episódio como um alerta para o novo ciclo de incertezas e reposicionamentos no tabuleiro econômico mundial.

O tarifaço e a estratégia dos EUA

A princípio, os Estados Unidos implementaram tarifas com uma alíquota generalista com base de 10%. Além disso, anunciaram tarifas específicas, como os 25% sobre o aço, alumínio, carros e peças automotivas. O governo americano ainda definiu taxas com o intuito de reduzir o déficit comercial dos EUA com seus principais parceiros econômicos, chamadas de taxas recíprocas. Estas começariam a valer a partir de 9 de abril, variando de país para país.

As taxações, definidas como "recíprocas", foram responsáveis por grande parte da preocupação global, pois basicamente serviram como uma ameaça que visava forçar outros países a diminuírem suas taxas sobre os produtos americanos, numa tentativa de proteger a produção interna do país contra a concorrência externa. Segundo Luis Ricardo Melo, economista da Microanalysis Consultoria Econômica, "o presidente Donald Trump está implementando exatamente a estratégia econômica protecionista que havia prometido". O economista ainda afirma que "a resposta do mercado foi clara: não há espaço para ações autoritárias por parte dos EUA".

A estratégia do presidente americano tem sido avaliada pelos economistas como um grande blefe, com o intuito de gerar negociações rápidas sobre as taxas de importação e exportação, buscando beneficiar o máximo possível a economia estadunidense.

"Pessoalmente, não acredito que as tarifas a serem impostas por Trump, se e quando elas acontecerem, sejam permanentes. Com o tanto de idas e vindas que o presidente norte-americano vem apresentando, é quase impossível ‘cravar’ uma aposta medianamente segura nesse sentido. Com isso, o pressuposto de tarifas permanentes, como diz a teoria econômica, está praticamente descartado e, no seu lugar, um brutal desarranjo do comércio internacional está contratado", afirma Ricardo Rodil, economista e líder do Mercado de Capitais da Crowe Macro Brasil.

Impactos imediatos sobre o Brasil

Com a suspensão temporária das cobranças, os impactos imediatos sobre o país ficam restringidos à taxa mínima de 10% e às tarifas de 25%. Porém, o clima de instabilidade é o que realmente preocupa, como destaca Marcelo Fonseca, economista e diretor de operações da HLB Brasil. "O tarifaço de Trump traz enorme incerteza aos mercados financeiros e também às relações geopolíticas. Este tipo de ambiente deprime os investimentos. Caso a guerra comercial não seja evitada espera-se retração global da economia, e o Brasil não sairá impune."

Vale ressaltar que, no curto prazo, os impactos são ambíguos. Por um lado, setores industriais podem ser pressionados pela concorrência indireta de produtos chineses desviados dos EUA. Entretanto, abre-se uma janela de oportunidade para exportadores brasileiros que passam a competir com vantagem no mercado norte-americano. Bruno Corano, economista da Corano Capital, vê um saldo positivo no momento: "É mais barato comprar produtos brasileiros do que os chineses. E isso se torna uma oportunidade para a economia brasileira". Fernando Chertman, professor de Macroeconomia da Faculdade Belavista, complementa afirmando que "empresas que enfrentam barreiras nos EUA podem buscar o Brasil como alternativa".

Já Caio Bartine, bacharel em Economia e membro do Instituto Brasileiro de Direito Tributário, alerta: "Pode sim haver oportunidades para exportadores brasileiros de commodities ou para manufaturas que substituam produtos chineses no mercado norte-americano. Mas, ainda assim, esse ganho potencial é limitado diante da magnitude da guerra comercial global, e o saldo líquido tende a ser negativo."

Adenauer Rockenmeyer, delegado do Corecon-SP, finaliza: "Caso a guerra comercial permaneça, o mundo irá formar novas alianças comerciais, alterando o mapa do comércio mundial. Dessa forma, o Brasil pode se beneficiar do comércio com a Europa e China, diante da retaliação tarifária".

Reações jurídicas e empresariais

Em meio a tanta incerteza, empresas e associações já se articulam para negociar e atuar junto ao governo brasileiro frente ao tarifaço. É o que afirma Fernando Benjamin Bueno, sócio do Demarest focado em Comércio Internacional e Defesa Comercial.

"Inicialmente, observa-se uma grande preocupação do setor industrial brasileiro com o desvio de comércio para o Brasil. Isso deverá resultar em aumento na utilização de instrumentos de defesa comercial, como antidumping, medidas compensatórias e medidas de salvaguardas. Empresas e associações já se articulam para negociar e atuar junto ao governo brasileiro para que reaja de forma inteligente às medidas americanas e, se possível, negocie sua retirada, redução ou a criação de quotas. Setores como o agronegócio e o farmacêutico acompanham de perto a edição da Lei da Reciprocidade Econômica. A lei, pendente de sanção presidencial, autoriza o governo brasileiro a responder às medidas comerciais adotadas por outros países ou blocos (tal qual a política tarifária americana) com a restrição de importações e com a suspensão acordos comerciais relativos a investimentos e direitos de propriedade intelectual."

Victor Lopes, sócio da área de Comércio Internacional da banca, complementa alertando que as tarifas elevadas podem resultar no redirecionamento dos investimentos, o que impacta diretamente a estratégia de crescimento das empresas e as decisões de M&A. "No caso do Brasil, a atração de investimentos e M&A pode ser potencializada ainda mais à medida que o país tenha habilidade para se manter neutro em guerras comerciais, implemente políticas comerciais e econômicas, e mantenha um sistema de defesa atento aos desvios de comércio."

Tarifaço: perspectivas para Brasil e EUA

Por ora, as relações bilaterais seguem instáveis, mas com margem para avanços. "O comércio global caminha para uma fase de realinhamento estratégico. As grandes potências buscarão consolidar zonas de influência econômica e tecnológica, enquanto países em desenvolvimento precisarão adotar posturas pragmáticas, ampliando parcerias múltiplas. As relações podem se fortalecer se houver alinhamento em temas estratégicos", avalia Bartine.

Apesar das incertezas, especialistas convergem em um ponto: o Brasil precisa agir com estratégia, pragmatismo e diplomacia inteligente para enfrentar o tarifaço. Como resume Rockenmeyer, "se o Brasil utilizar a estratégia correta, teremos um aumento significativo do desenvolvimento e poderemos ganhar mais espaço no ranking das dez maiores economias do mundo".

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