A deportação foi um dos temas mais debatidos por Donald Trump durante sua campanha para a reeleição à presidência dos EUA. No dia 24 de janeiro de 2025, um voo com 88 brasileiros deportados partiu da cidade de Alexandria, no estado da Virgínia, com destino ao Aeroporto Internacional de Confins, em Belo Horizonte (MG).
O que aconteceu no voo com os deportados?
Segundo nota do Ministério da Justiça e Segurança Pública do Brasil à imprensa, o voo precisou realizar um pouso de emergência na noite de quarta-feira (24), em Manaus (AM), devido a problemas técnicos.
O ministro da Justiça e Segurança Pública, Ricardo Lewandowski, informou ao presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, sobre uma tentativa das autoridades dos Estados Unidos de manter cidadãos brasileiros algemados durante o voo de deportação para o Brasil. Por orientação de Lewandowski, a Polícia Federal recepcionou os brasileiros e então determinou às autoridades e representantes do governo norte-americano a imediata retirada das algemas.
Quais são os direitos dos deportados nessa situação?
Além da questão das algemas, diversos deportados relataram problemas com a polícia de imigração. Em entrevista ao jornal Metrópoles, eles descreveram a experiência vivida durante o voo de retorno ao Brasil.
Apesar da situação delicada, há pouquíssimos recursos cabíveis para os deportados nessa condição. Segundo Larissa Salvador, advogada de imigração e CEO da Salvador Law, será difícil que os deportados consigam entrar com medidas legais contra o que ocorreu no voo.
"Não existem provas e, além disso, muitos deles estavam sendo deportados por terem cometido a infração de cruzar a fronteira ilegalmente. Judicialmente falando, não há nada que eles possam fazer de forma efetiva contra o governo americano pelo que dizem ter acontecido no avião."
Daniel Toledo, advogado da Toledo e Advogados Associados, ainda traz a questão da soberania do comandante, o que certamente torna ainda mais inviável o processo por parte dos deportados. "Se trouxermos esse caso para análise nos Estados Unidos, acho muito difícil que considerem essa situação como violência ou algo semelhante. Lembrando que quem manda dentro da aeronave é o comandante. Se ele decidiu realizar um pouso ou desligar o ar-condicionado por questões de segurança, essa é uma decisão soberana."
Por que as autoridades deportaram os brasileiros?
Durante quase toda a campanha de Donald Trump, o atual presidente dos Estados Unidos abordou o tema da deportação. Em seu discurso de posse, no dia 20 de janeiro, ele mencionou o assunto. "Toda entrada ilegal será imediatamente impedida, e iniciaremos o processo de devolução de milhões de imigrantes ilegais a seu país de origem."
De acordo com informações fornecidas pelo governo federal, os 88 brasileiros deportados pelos Estados Unidos haviam entrado ou tentado entrar no país de maneira ilegal.
Apesar do discurso rígido, o número de voos com imigrantes deportados em janeiro ficou abaixo da média do último semestre e foi menor do que o mesmo mês em 2024. Segundo dados compilados das autoridades migratórias e obtidos pela CNN, houve 109 voos de deportação de imigrantes ao longo de janeiro. Após a posse de Trump, realizaram-se 44 voos de deportação. A maioria dessa quantia, 65 voos, ocorreu durante a gestão anterior de Joe Biden, do Partido Democrata.
Por que está acontecendo essa onda de deportação?
O discurso de Trump sobre imigração está sendo motivado, principalmente, pela onda de crimes que alguns imigrantes têm cometido em solo americano. Em fevereiro de 2024, o venezuelano José Ibarra, 26, assassinou a estudante de enfermagem Laken Riley, 22, causando grande comoção na sociedade americana.
Segundo o que foi revelado no julgamento em novembro de 2024, o venezuelano abordou a jovem enquanto ela se exercitava no campus da Universidade da Geórgia, na cidade de Athens, e tentou violentá-la sexualmente. Quando a vítima resistiu, José Ibarra a espancou até a morte. O imigrante já tinha acusações prévias e antecedentes por dois delitos menores, incluindo o furto de produtos em um supermercado nos Estados Unidos. O caso levou políticos conservadores a se mobilizar. Eles afirmaram que, se tivessem detido e deportado o agressor por suas acusações anteriores, a vítima ainda estaria viva.
A ala conservadora propôs a Lei Laken Riley, que obriga o Departamento de Segurança Nacional (DHS, na sigla em inglês) a deter imigrantes irregulares que, após serem presos por roubo, furto e delitos semelhantes, sejam mantidos sob custódia. Donald Trump sancionou a lei em 29 de janeiro de 2025.
Larissa Salvador, advogada de imigração, afirma que essa é uma situação emocionalmente difícil para os imigrantes. "O que fere o sentimento das pessoas é entender que criaram essa medida para atingir imigrantes criminosos que cruzaram a fronteira e continuam cometendo crimes aqui. Porém, o efeito colateral disso é que, se você for uma pessoa de bem, mas entrou no país ilegalmente e, por acaso, estiver no lugar errado na hora errada, pode acabar sendo deportado junto com os demais."
Como funciona o processo de deportação?
A deportação é um processo realizado para forçar a saída de estrangeiros do país, devido à imigração irregular ou crimes cometidos dentro do país. O processo pode demorar e ser realizado de forma coletiva.
Toledo explica como funcionam os tipos de processo de deportação. Segundo ele, o imigrante pode recorrer para permanecer no país, a menos que as autoridades não o tenham detido a menos de 100 milhas da fronteira ao tentar entrar ilegalmente.
"Quando o imigrante é preso, ele não é expulso imediatamente dos EUA. Ele responde um processo judicial de deportação e tem direito a apresentar uma defesa, ser julgada por um juiz e receber uma ordem de deportação", esclarece Toledo.
Durante o processo, o imigrante pode optar pela deportação voluntária, onde ele compra uma passagem aérea, a apresenta em juízo e recebe autorização para sair voluntariamente. Nesse caso, a Polícia de Imigração e Alfândega dos EUA (ICE) o acompanha algemado até o avião, e remove suas algemas antes do embarque.
"A partir desse momento, a responsabilidade pela integridade física do deportado passa a ser da companhia aérea. Se o avião tiver qualquer problema, sofrer um acidente ou outra ocorrência, a responsabilidade legal recai sobre a empresa aérea", afirma Toledo.
Há também casos em que o imigrante decide não sair voluntariamente e escolhe ser deportado em um voo fretado. Segundo Toledo, esse foi o caso dos 88 brasileiros.
Como é ser imigrante ilegal nos EUA?
Larissa Salvador entende o medo pelo qual os imigrantes estão passando, já que ela foi indocumentada por cerca de dez anos. "Minha família veio para os EUA quando eu tinha onze anos. Minha mãe veio para estudar, e meu pai veio antes de nós. A situação dele era delicada, e consideramos entrar com um pedido de asilo. Quando chegamos, contratamos um advogado, mas ele não tinha profissionalismo, e não deu entrada no processo dentro do prazo."
A advogada explica que para solicitar asilo nos EUA, o prazo é de até um ano a partir da data de entrada no país. No caso dela, o advogado pegou o dinheiro de sua família e não deu entrada no processo a tempo. Por conta disso, ela e sua família ficaram indocumentados e perderam o status legal nos EUA.
Ela conta que não havia se dado conta da sua situação até os 18 anos. Nessa época, Larissa era capitã do batalhão de um programa militar e, embora fosse a melhor, não tinha como solicitar uma bolsa de estudos em faculdades particulares ou públicas.
"Naquele dia, caiu a ficha de que eu era ilegal no país. Decidi que me tornaria advogada de imigração. Costumo dizer que tudo o que fiz foi para alcançar esse objetivo. Queria fornecer informações para as pessoas que eu não tive acesso quando mais jovem", afirma a advogada.
Foi somente aos 23 anos que Larissa obteve sua primeira documentação. Nessa época, lançaram o projeto DACA, um programa que concedeu recursos para milhares de imigrantes indocumentados que chegaram ao país ainda crianças.
O que os imigrantes podem fazer?
Para os imigrantes que estão ilegais nos Estados Unidos, existem alguns caminhos possíveis para regularização. Daniel Toledo explica que a via mais comum é o casamento com um cidadão ou cidadã americanos.
Entretanto, Toledo alerta que casamentos fraudulentos, além de resultarem em deportação, também geram um processo criminal por fraude contra o país. A sentença é uma pena de pelo menos seis anos de prisão tanto para o imigrante quanto para o cônjuge. "Se o casamento for verdadeiro, pode ser um caminho viável para a regularização. Porém, se não for, pode gerar um problema ainda maior do que o inicial."
Caso o imigrante não consiga regularizar sua situação, é essencial que tenha sempre um contato de segurança. Larissa explica que esse processo é importante, pois essa pessoa de confiança deve ter uma cópia de toda a documentação do imigrante. Caso algo aconteça, então haverá alguém para entrar em contato e lidar com toda a logística da situação.
Além disso, Larissa dá um alerta importante para quem possui filhos pequenos. Ela ressalta que é fundamental que esse contato de segurança também tenha a tutela temporária das crianças, independentemente de terem nascido no Brasil ou nos EUA. Ela explica a importância desse documento:
"Conheço casos de pessoas que saíram para trabalhar, os filhos foram para a escola, mas, no meio do caminho, a polícia os parou e prendeu. Quando a criança voltou para casa, não havia mais ninguém esperando por ela. Se algo acontecer, alguém poderá buscar seu filho na escola, ir até sua casa pegar suas coisas e, se necessário, levá-lo até o aeroporto com uma permissão de viagem brasileira para que a criança possa voltar ao país e se reunir com você", explica Larissa.
Existe uma forma de deportação mais humanizada?
Segundo Miguel Negeliskii Risch, advogado especialista em imigração do escritório americano Risch Law Firm, embora seja possível buscar um caminho mais humanizado para a deportação, essa ainda é uma questão difícil de resolver. Ele afirma que, até hoje, se tenta encontrar um meio-termo entre o fenômeno imigratório e os interesses públicos, mas ainda sem sucesso.
Daniel Toledo acrescenta que, para que a política de deportação que atendesse tanto às necessidades americanas quanto às brasileiras, seria necessário um tratado internacional. Atualmente esse tratado não existe.
"Para que tal tratado fosse criado, Brasil e Estados Unidos teriam que formalizar um acordo, o que é muito difícil, pois a cultura americana é muito diferente da brasileira no que diz respeito à proteção policial. O que existem são diretrizes e referências de direitos humanos às quais muitos países são signatários, mas isso não significa que haja um tratado específico entre Brasil e Estados Unidos", pontua Toledo.
Por fim, apesar de todo esse cenário, Larissa diz que os EUA ainda têm espaço para imigrantes, contanto que estejam com a documentação em dia. "É importante lembrar que o governo americano historicamente busca atrair profissionais qualificados, que possuem formação e experiência, mas que muitas vezes não recebem o devido reconhecimento no Brasil. Os EUA querem esses profissionais", conclui a advogada.