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Como empresas de saúde podem evitar processos por erro médico

Entre janeiro e maio de 2025, foram registrados 37.170 novas ações judiciais deveridas de falhas assistenciais no setor da saúde

29 de August 18h21

Dados recentes divulgados pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) revelam um cenário preocupante na judicialização da saúde no Brasil. De janeiro a maio de 2025 o número de novos processos relacionados a falhas na assistência de saúde foi de 37.170. O volume de ações que aguardam julgamento é bem maior, com 153.993 casos pendentes. No mesmo período, 31.119 processos foram concluídos.

O panorama de 2025 segue uma tendência de alta já observada no ano anterior. O número de processos por falhas assistenciais no país teve um salto impressionante em 2024, chegando a 74.358 casos, o que representa um aumento de 506% comparado aos 45.948 processos registrados em 2023.

Gargalos que viram processos

Desde fevereiro de 2024, o CNJ alterou a terminologia de "erro médico" para "falhas assistenciais de saúde", o que, segundo a instituição, aprimora a captação dos casos e pode, em parte, explicar a variação estatística. Contudo, Eric Nahum, sócio da Lacerda Diniz Machado e eleito Mais Admirado no anuário ANÁLISE ADVOCACIA, ressalta que essa mudança é apenas um dos múltiplos fatores que impulsionam o fenômeno.

Na visão do especialista, que atende às demandas do setor de saúde do escritório, a maior acessibilidade à judicialização e os gargalos estruturais do sistema de saúde contribuem significativamente para o aumento dos litígios, para além do mero crescimento das falhas médicas.

Receituário contra ações judiciais

Para Eric Nahum, a elaboração de protocolos com validade jurídica e viabilidade assistencial é fundamental para que as clínicas consigam mitigar o risco de processos. Ele recomenda que essas instituições sigam alguns requisitos essenciais:

  • Base Científica e Regulatória Atualizada: Atuação com diretrizes clínicas e protocolos, como o PNSP/RDC 36/2013, que estejam atualizados e embasados em evidências científicas.
  • Juridicidade e Exequibilidade: Comunicação clara, com a definição de atores responsáveis, monitoramento de indicadores, e evidências de treinamento e auditoria.
  • Gestão Documental: Controle contínuo dos documentos, incluindo versões, logs, assinaturas eletrônicas e rastreabilidade no Registro Eletrônico de Saúde.
  • Consentimento Informado Robusto e Contextual: Comunicação transparente que forneça informações compreensíveis sobre riscos e alternativas, além de um registro tempestivo. Este ponto é reiterado pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ) ao tratar do dever de informação e do valor probatório do prontuário.
  • Ciclo de Melhoria Contínua: A implementação de um comitê clínico jurídico, com revisão pós incidente e a elaboração de learning reports. Isso torna o protocolo defensável em juízo e aplicável à beira-leito, reduzindo o risco técnico e consumerista.

UTIs de Processos

Segundo o CNJ, em 2024 revela uma disparidade significativa na judicialização da saúde entre os setores público e privado. O sistema público de saúde acumulou 10.881 registros por danos morais e 5.854 por prejuízos financeiros. Em contraste, a rede privada registrou 40.851 processos por danos morais e 16.772 por danos materiais.

Para Henderson Fürst, sócio do Chalfin Goldberg Vainboim Advogados e responsável pela área de direito da saúde do escritório desde 2022, algumas áreas concentram riscos maiores de processos. "Na alta complexidade hospitalar, como UTIs e oncologia, qualquer falha ou atraso gera repercussões graves e judicialização imediata. Na saúde suplementar, as negativas de cobertura certamente continuam sendo uma das principais fontes de litígio, especialmente em terapias de alto custo."

Ele complementa que os procedimentos eletivos e estéticos também testemunharam uma explosão de demandas. Esse aumento é impulsionado pela alta expectativa dos pacientes, pela sensibilidade em relação ao resultado estético e pela baixa regulação do setor.

As áreas de Obstetrícia e Neonatologia também permanecem críticas. Segundo o sócio, isso se deve tanto à carga emocional dos casos quanto à necessidade de documentação minuciosa em tempo real. Na visão de Fürst, essas áreas compartilham um ponto em comum: "todas elas combinam alto impacto clínico e fragilidade na comunicação com o paciente ou familiares."

Existe espaço para melhoria?

Apesar do aumento da judicialização na área da saúde, especialistas avaliam que o desafio vai além do número de processos. Para o sócio do Chalfin Goldberg Vainboim Advogados, banca eleita Mais Admirada no anuário ANÁLISE ADVOCACIA, as soluções para conter a alta de processos no setor passam por medidas que trazem mais clareza e previsibilidade às instituições de saúde. "Hoje, a distinção entre a responsabilidade individual do médico e a responsabilidade institucional do hospital ou clínica é tratada de forma inegavelmente confusa. Isso gera decisões desiguais e insegurança", afirma Fürst.

Segundo o sócio do Chalfin Goldberg Vainboim Advogados, a falta de clareza leva as pessoas a confundirem desfechos negativos, mesmo que sigam protocolos clínicos e a saúde baseada em evidências, com erros assistenciais. A primeira medida, portanto, seria diferenciar essas situações.

Além disso, o advogado também aponta que a criação de padrões de segurança do paciente, aproximando os parâmetros nacionais dos internacionais, e a implementação de indicadores para medir a qualidade assistencial são urgentes. Ele também defende o fortalecimento de mecanismos de mediação e conciliação pré-processual, para que as pessoas possam resolver conflitos antes de entrarem com uma ação judicial. Outro ponto considerado fundamental é o avanço nas regulações para novas tecnologias, que também ganharam espaço na área da saúde.

A solução para a crescente judicialização na saúde, segundo os especialistas consultados, reside na adoção de medidas estruturais. Clareza na definição de responsabilidades, adoção de protocolos clínico-jurídicos e a criação de padrões de segurança do paciente são caminhos para ajudar na redução de litígios. No entanto, enquanto não implementarmos essas medidas, a tendência é que os números continuem a crescer.

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