Como empresas brasileiras pretendem driblar tarifaço de Trump | Análise
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Como empresas brasileiras pretendem driblar tarifaço de Trump

A nove dias da vigência da tarifa de 50% dos EUA, empresas correm para mitigar seus efeitos

23 de July 20h

A recente imposição de uma tarifa de 50% sobre produtos brasileiros por parte do governo dos Estados Unidos, anunciada por Donald Trump e com previsão de entrada em vigor para 1º de agosto de 2025, acendeu um alerta vermelho no cenário do comércio exterior brasileiro. A medida, que visa taxar "todas e quaisquer exportações brasileiras enviadas para os Estados Unidos", além das tarifas setoriais já existentes, representa um desafio significativo para as empresas que dependem do mercado americano, o segundo maior parceiro comercial do Brasil.

O impacto potencial é vasto, abrangendo desde o agronegócio até setores de alta tecnologia. A justificativa de Trump para a tarifa, que inclui críticas ao sistema judicial brasileiro e à relação com o ex-presidente Jair Bolsonaro, adiciona uma camada de complexidade política a uma questão já economicamente sensível.

Impactos e setores mais afetados pelo tarifaço

Com a entrada em vigor do tarifaço se aproximando, empresas brasileiras de diversos setores já iniciam análises internas para mensurar o tamanho do impacto em suas operações. Embora a medida afete todas as exportações de forma ampla, alguns segmentos estão particularmente expostos devido à forte dependência do mercado norte-americano.

Rodrigo Giraldelli, CEO da China Gate e especialista em comércio exterior, destaca que o tarifaço será "bastante prejudicial nas relações comerciais entre Brasil e Estados Unidos". Giraldelli ressalta que produtos como os do agronegócio, ferro, aço e petróleo se tornariam menos competitivos, levando os EUA a buscar outros fornecedores. "Isso afeta diretamente a balança comercial brasileira", afirma.

Setores como carne bovina, café, aeronaves, ferro, aço e petróleo estão na linha de frente dos mais afetados. A Embraer, por exemplo, exporta mais de 60% de suas aeronaves para os EUA, e cerca de 70% das vendas de ferro e aço têm o mercado americano como destino. "Reorganizar essa estrutura não é simples nem rápido", explica Giraldelli, apontando para a dificuldade de encontrar um mercado com a mesma capacidade de compra que os Estados Unidos.

Estratégias para mitigação do tarifaço

Diante desse cenário, empresas brasileiras e seus assessores jurídicos buscam ativamente estratégias para minimizar os danos. Luis Guilherme Gonçalves, advogado e sócio da BT7 Partners, aponta para a reorganização das cadeias produtivas e comerciais. Uma das possibilidades é exportar para países com acordos comerciais preferenciais com os EUA, como México ou Chile, e realizar ali um processo adicional de industrialização. "Desde que atendidas as regras de origem aplicáveis, os bens podem adquirir o status de produto originário deste país intermediário, o que poderia reduzir ou eliminar a tarifação adicional ao ingressarem nos EUA", explica Gonçalves.

João Henrique Gasparino, diretor executivo na Nimbus Tax, complementa com outras vias jurídicas, como os "pedidos de exclusão de tarifa" junto ao United States Trade Representative (USTR) e o uso de "regimes aduaneiros especiais nos EUA", como as Foreign-Trade Zones, que podem diferir ou reduzir o imposto. A reengenharia de classificação e origem, revisando o Harmonized Tariff Schedule e realocando parte da produção para países como México ou Canadá para se beneficiar do Acordo Estados Unidos-México-Canadá, também são opções.

Marcelo John, advogado do escritório Schiefler Advocacia, enfatiza a importância de medidas contratuais e comerciais. A revisão de cláusulas contratuais com clientes no exterior, buscando gatilhos de renegociação ou rescisão, é crucial. "Muitos contratos de exportação preveem mecanismos para lidar com variações imprevisíveis das condições pactuadas. São as chamadas cláusulas hardship", afirma John, que permitem o reajuste de preços ou até o cancelamento do contrato em caso de onerosidade excessiva.

Reestruturação e novos mercados

O tarifaço também pode incentivar uma reestruturação fiscal e societária das empresas brasileiras. Luis Guilherme Gonçalves, advogado e sócio da BT7 Partners, menciona a "constituição ou aquisição de fábricas em países com acordos preferenciais com os EUA" e a formação de "joint ventures ou parcerias industriais nesses países". A mudança de centros de distribuição internacionais e a revisão do planejamento tributário internacional também são consideradas.

Rodrigo Giraldelli, CEO da China Gate, observa um "movimento crescente de atenção a novos mercados e estratégias logísticas alternativas". No entanto, ressalta que muitas empresas estão em fase de observação, aguardando os desdobramentos políticos. "A busca por novos mercados ainda está em fase inicial e cautelosa", afirma.

Riscos e efeitos colaterais do tarifaço

Do ponto de vista jurídico, o tarifaço pode gerar uma série de riscos e efeitos colaterais. Luis Guilherme Gonçalves, da BT7 Partners, alerta para "reações retaliatórias de outros países, inclusive do Brasil", o que pode gerar um ambiente de instabilidade tarifária. Ele também aponta para o "risco de desvio de comércio artificial", que pode ser questionado em auditorias alfandegárias.

Marcelo John, da Schiefler Advocacia, reforça que o tarifaço representa "riscos sistêmicos para o regime de comércio internacional". Ele prevê um "enfraquecimento das normas da OMC" e uma possível "espiral de retaliações", que pode levar a uma guerra comercial aberta. John também sugere que a medida pode levar à "alteração de alianças comerciais no longo prazo", com o Brasil buscando estreitar relações com o mercado asiático.

João Henrique Gasparino, da Nimbus Tax, destaca o aumento na procura por consultoria jurídica especializada em comércio internacional. "Escritórios de trade law relatam alta de 30% a 50% nas consultas", afirma, principalmente sobre reclassificação tarifária, regras de origem e uso de Foreign-Trade Zones.

Perspectivas e próximos passos

O cenário atual exige cautela e planejamento estratégico. Rodrigo Giraldelli, da China Gate, orienta seus clientes a "manterem o diálogo ativo com seus parceiros comerciais, especialmente com os importadores americanos, para que juntos encontrem soluções viáveis". Ele sugere que "eventuais alternativas para o desenvolvimento de novos mercados podem ser exploradas, desde que com prudência".

O governo brasileiro, empresários e senadores estão preparando uma "última cartada" para tentar evitar a aplicação do tarifaço. Há discussões sobre a criação de um fundo privado temporário para dar crédito a empresas ou setores afetados.

Luis Guilherme Gonçalves, advogado e sócio da BT7 Partners, conclui que o cenário reforça a necessidade de "planejamento estratégico, abarcando a análise detalhada sobre as questões fiscais, jurídicas, aduaneiras, financeiras e logísticas". Ele enfatiza a importância de buscar assessoria técnica especializada antes de qualquer reestruturação, para garantir segurança jurídica e competitividade internacional.

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