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Blockchain: Entenda a revolução silenciosa no Direito empresarial

Muito além das criptomoedas, o blockchain emerge como um pilar silencioso de transformação no Direito empresarial, podendo redefinir a segurança jurídica, eficiência operacional e a forma como negócios são conduzidos no Brasil

15 de August 11h26

Enquanto a atenção do público se volta para a Inteligência Artificial, outra revolução tecnológica avança de forma quase invisível, mas com impactos profundos no mundo corporativo: o blockchain. Antes visto como um recurso restrito ao universo das criptomoedas, ele agora sustenta operações críticas de autenticação, registro e validação de dados em setores estratégicos, incluindo o jurídico. Em 2025, essa tecnologia já está integrada a sistemas nacionais como o e-Notariado e o Pix, moldando um novo paradigma para transações empresariais, contratos e gestão de ativos.

No Direito empresarial, o blockchain não é mais promessa, mas realidade — e com potencial ainda inexplorado. Ao oferecer registros imutáveis, rastreabilidade completa e automação por meio de smart contracts, ele reduz burocracias, amplia a segurança e cria novas possibilidades de negócio.

O que é blockchain e como funciona

O blockchain é um sistema de registro digital distribuído e seguro, que funciona como um "livro-razão" compartilhado. Diferente de bancos de dados centralizados, ele é mantido por uma rede de computadores independentes, que validam e armazenam cada informação de forma criptografada. Cada conjunto de registros forma um "bloco", e esses blocos são encadeados cronologicamente, criando um histórico imutável.

O funcionamento se baseia em três pilares: 

  • Descentralização: eliminando a dependência de um único intermediário; 
  • Transparência: permitindo que todos na rede autorizada acompanhem o histórico;
  • Imutabilidade: garantindo que dados registrados não possam ser alterados sem detecção. Essa integridade é mantida por algoritmos criptográficos e mecanismos de consenso, como proof of work ou proof of stake.

Na prática, contratos, ativos financeiros ou documentos registrados em blockchain tornam-se confiáveis, rastreáveis e resistentes a fraudes. Essa combinação de segurança e auditabilidade tem atraído o mercado jurídico e empresarial, tornando-se uma infraestrutura crítica muito além das criptomoedas.

Segurança e eficiência jurídica

A tecnologia blockchain está se consolidando como uma força transformadora no cenário jurídico empresarial brasileiro. Longe de ser uma fase experimental, ela já integra a infraestrutura de autenticação e segurança de diversas operações no país, prometendo revolucionar a forma como contratos são firmados, ativos são registrados e transações são verificadas. Gabriel Bulhões, sócio do Gabriel Bulhões Advocacia Criminal & Investigação Defensiva, exemplifica essa realidade ao mencionar o e-Notariado, sistema que digitaliza atos notariais, e o próprio Pix, que utilizam essa tecnologia nos bastidores para garantir autenticidade e segurança. 

Essa visão é corroborada por Marcelo de Castro Cunha Filho, advogado do Machado Meyer e especialista em blockchain. Ele destaca a importância crescente da blockchain no cenário jurídico empresarial, afirmando que a tecnologia já é uma realidade, embora com vasto espaço para crescimento. Para Marcelo, a blockchain agrega eficiência, confiabilidade e auditabilidade aos processos corporativos.

Automação com smart contracts

Os contratos inteligentes (smart contracts) representam a evolução lógica do blockchain no campo contratual. Tratam-se de programas de computador autoexecutáveis, com regras predefinidas, que se concretizam automaticamente quando as condições são cumpridas, eliminando a necessidade de intervenção humana ou de terceiros.

Gabriel Bulhões explica como a tecnologia pode ser aplicada. "Na prática jurídica, um exemplo que estudo desde o mestrado é o uso de contratos inteligentes para registrar provas físicas e digitais, integrando até mesmo sistemas de IoT (Internet das Coisas) para garantir custódia e autenticidade. O desafio é que o Direito precisa se adaptar. A tecnologia é neutra: ela executa o que foi programado, sem preferências ou margem para interpretações subjetivas. Se o objeto do contrato não for ilícito, não cabe imputar responsabilidade a quem escreveu o código pelo simples cumprimento das condições programadas."

Marcelo de Castro Cunha Filho observa que essa solução é particularmente vantajosa em negócios online, mas ainda necessita de aprimoramentos, especialmente na tecnologia dos oráculos - sistemas que captam informações do mundo físico para a blockchain. Ele ressalta que, mesmo com a automação contratual, o Judiciário mantém sua relevância, pois "ele pode não interferir diretamente na execução programada, mas pode converter prejuízos em indenizações, caso haja falhas."

Onde o blockchain já é aplicado?

As aplicações do blockchain e dos smart contracts transcendem o universo das criptomoedas, gerando impacto concreto em diversas áreas do direito empresarial:

  • Setor Financeiro: Esta é a área mais avançada na adoção, englobando fintechs e bancos tradicionais. A tecnologia possibilita a redução de custos operacionais, o aumento da segurança e a viabilização da tokenização de ativos como ações, debêntures e recebíveis. 
  • Logística e Supply Chain: O blockchain permite um rastreamento preciso de produtos desde a origem até o destino final, garantindo transparência e combatendo desvios e roubos de carga. Cada etapa do processo pode ser registrada na blockchain por meio de um hash, assegurando a integridade da informação e a auditabilidade da cadeia de suprimentos.
  • Autenticação de Documentos e Provas Digitais: A blockchain oferece um método seguro e imutável para autenticar documentos digitalmente, garantindo sua integridade e proveniência. Gabriel Bulhões destaca que "o Judiciário já começa a reconhecer provas, físicas e digitais, registradas em blockchain, validando sua autenticidade", o que confere maior segurança jurídica a esses registros.
  • Tokenização Imobiliária: A representação digital de ativos reais em uma blockchain abre novas possibilidades para o mercado, permitindo negociações fracionadas e transparentes, o que pode democratizar o acesso a investimentos e agilizar transações.
  • Contratos Simples Online: Contratos de compra e venda com garantias de execução ou de baixo valor são exemplos de negociações que se beneficiam significativamente da automação via smart contracts, otimizando processos e reduzindo a burocracia.

Desafios regulatórios

Apesar do vasto potencial, a consolidação do blockchain e dos smart contracts no direito enfrenta desafios regulatórios consideráveis. A natureza extraterritorial das redes blockchain exige uma integração internacional de normas, e a lacuna no conhecimento técnico entre os operadores do Direito ainda se apresenta como uma barreira significativa.

Gabriel Bulhões argumenta que "a regulação deve respeitar o funcionamento natural da tecnologia, adaptando-se às suas características, e não tentando ignorá-las". Ele salienta que características intrínsecas da blockchain, como a imutabilidade de registros, não dependem da vontade humana e devem ser compreendidas e consideradas pelo Judiciário para uma aplicação justa e eficaz.

Marcelo de Castro Cunha Filho, do Machado Meyer, complementa essa perspectiva, afirmando que o desafio regulatório reside não na tecnologia em si, mas na forma como ela é utilizada. Ele explica que "quando é empregada para transacionar valores monetários ou representar valores mobiliários, entram em jogo regulações específicas — do Banco Central e da Comissão de Valores Mobiliários (CVM)", o que demanda um olhar atento das autoridades reguladoras para cada caso de uso.

Adaptação de escritórios e empresas

Para escritórios de advocacia e departamentos jurídicos corporativos, a incorporação de blockchain e smart contracts em suas rotinas é um caminho inevitável. A adaptação pode ser iniciada com a exploração de soluções prontas disponíveis no mercado, como sistemas para gestão de pagamentos, controle de tarefas e armazenamento seguro de documentos em blockchain.

Gabriel Bulhões aconselha: 

"O importante é dar os primeiros passos e experimentar, incorporando gradualmente essas ferramentas à rotina".

Em termos de segurança jurídica, a blockchain oferece uma estrutura criptografada e distribuída, altamente resiliente a fraudes e ataques cibernéticos, superando os modelos tradicionais. Marcelo de Castro Cunha Filho conclui que "em redes públicas e amplamente distribuídas, essa combinação de descentralização e criptografia forte garante que registros sejam imutáveis e confiáveis", proporcionando um nível de segurança e transparência sem precedentes.

A revolução silenciosa do blockchain e dos smart contracts no direito empresarial já está em curso. Compreender suas nuances, aplicações e desafios é fundamental para advogados e executivos jurídicos que desejam se manter na vanguarda e garantir a segurança e eficiência de suas operações em um futuro cada vez mais digitalizado.

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