A transformação do departamento jurídico da Claro é um dos cases mais expressivos de gestão de contencioso corporativo no Brasil. Em nove anos, a operadora reduziu sua base ativa de 240 mil para 64 mil processos, cortou custos com indenizações em 75% e evitou mais de 1,3 milhão de novas ações judiciais. O resultado acumulado impressiona: R$ 3,9 bilhões de impacto positivo no resultado da companhia.
Durante apresentação na Fenalaw 2025, Paulo Viveiros, diretor jurídico da Claro, detalhou a estratégia que permitiu essa virada. A receita combina ruptura cultural — reconhecer que passivo judicial não é problema exclusivo do jurídico —, uso intensivo de dados e inteligência artificial, gestão rigorosa de indicadores e, principalmente, a adoção de uma visão financeira como bússola para decisões processuais. O executivo foi direto: "Se eu não tivesse feito a transição de uma visão exclusivamente jurídica para uma visão financeira, eu provavelmente não teria sobrevivido".
Da crise ao case de sucesso: números que impressionam
Em 2016, a Claro desembolsava R$ 63 milhões anuais apenas com indenizações judiciais. Nove anos depois, a projeção para 2025 é encerrar o ano com R$15,4 milhões — uma redução de 75% nos custos. Os números, apresentados por Paulo Viveiros, diretor jurídico da Claro, durante a Fenalaw 2025, revelam uma das transformações mais expressivas no contencioso corporativo brasileiro.
A base ativa de processos caiu de 240 mil para 64 mil ações. O número de processos entrantes despencou de 223 mil para 45 mil ao ano. No acumulado, o projeto gerou R$3,9 bilhões de redução no impacto da Demonstração do Resultado do Exercício (DRE), R$3,4 bilhões em pagamentos evitados e R$677 milhões em custos mitigados com acordos.
"Costumo dizer que esse é um quadro que pretendo levar pro resto da minha vida, porque resume a trajetória de muitas pessoas que trabalharam e conseguiram atingir um resultado bastante expressivo", afirmou Viveiros.
O problema não é (só) do jurídico
A principal virada estratégica, segundo o executivo, foi reconhecer que o passivo judicial não é responsabilidade exclusiva da área jurídica. "É claro que o jurídico tem um protagonismo nisso extremamente relevante, mas você precisa mexer na companhia toda", explicou.
A Claro, maior grupo de telecomunicações da América Latina, com 87 milhões de acessos móveis, 10 milhões de assinantes de banda larga e presença em todos os 5.570 municípios brasileiros, estruturou um modelo de governança que envolveu todas as diretorias da empresa. O projeto foi liderado pelo próprio presidente da companhia, com acompanhamento semanal e prestação de contas mensal em comitê executivo. "Chega uma hora que o jurídico precisa dizer: 'Ou começamos a olhar essa questão como algo multiárea dentro da organização, ou não vamos conseguir sair disso.'", relatou Viveiros.
Dados como alavanca estratégica
O segundo pilar da transformação foi transformar o jurídico em fonte de inteligência de negócios. A área passou a fornecer dados estratégicos para toda a organização: número de processos por mês, produtos que mais geram litígios, principais áreas envolvidas, padrões de recorrência e perfil dos demandantes. "O jurídico é uma fonte muito rica de dados. Onde entra ação? O que está causando a ação? Quais são os produtos que geram problema? Porque, se você não tem dados, se não tem informação, fica muito mais difícil saber por onde começar", destacou o diretor.
A empresa desenvolveu painéis de indicadores detalhados, com informações por localidade, área causadora, classificação de processos, desembolsos, percentual de ganhos e perdas, e performance por escritório. "Quem entra lá no jurídico da Claro acha que entrou errado no financeiro ou na área de inteligência", brincou Viveiros.
Tecnologia e inteligência artificial como aliados
A transformação digital foi fundamental para viabilizar a operação em escala. A Claro implementou captura automática de processos, triagem por inteligência artificial, identificação antecipada na distribuição e arquivamento automatizado.
"Quem não está fazendo isso precisa ficar preocupado, porque já tem muita coisa andando. Não dá para você ter cada vez mais complexidade no judiciário, volume, diversidade de um país — cada estado é um judiciário —, você precisa de inteligência artificial e automação de processos", alertou o executivo.
A tecnologia permitiu identificar padrões — como petições idênticas do mesmo advogado para o mesmo cliente — e direcionar processos sem chance de êxito direto para a esteira de acordos. O sistema também passou a capturar citações e intimações automaticamente, acelerando o tempo de resposta.
Gestão estratégica
A relação com escritórios parceiros foi profissionalizada. Cada banca passou a ter uma página de indicadores própria, com acompanhamento de performance, comparação entre pares e análise de qualidade de subsídios fornecidos pela empresa.
"O escritório é nosso sucesso. E quando o escritório dá certo, funciona bem, a gente também acaba sendo reconhecido, porque quem escolhe os escritórios acaba sendo a empresa. O seu sucesso é o meu sucesso", afirmou Viveiros. A Claro também investiu em melhorar a qualidade dos subsídios fornecidos aos advogados, reconhecendo que "o escritório também não faz milagre".
Um dos pontos mais contundentes da apresentação foi a análise crítica sobre recursos judiciais. "Me ajuda a explicar para o acionista que eu fui condenado em cinco mil, recorri e paguei sete. Se você me ajudar a explicar isso, eu recorro. Até hoje ninguém conseguiu", provocou o diretor.
A mensagem é clara: com o princípio da sucumbência e demais custos, só vale recorrer quando há chance substancial de êxito. O foco passou a ser resultado financeiro, não volume de defesas.
Acordo como estratégia, não derrota
A empresa conseguiu reduzir significativamente o ticket médio de acordos — para metade do valor das condenações médias. A estratégia passa por análise criteriosa de cada caso, identificando processos sem viabilidade de defesa e abreviando o desgaste com o cliente.
"Às vezes a questão é muito mais sobre o desgaste que houve com o cliente do que o dinheiro. É melhor abreviar esse sofrimento do que ficar prorrogando e levando isso adiante", ponderou Viveiros.
A companhia também passou a analisar toda documentação juntada pelos autores, incluindo comprovantes de residência e endereço, para identificar inconsistências.
Além da redução quantitativa, a Claro aumentou em 16 pontos percentuais seu índice de improcedência — ou seja, passou a ganhar muito mais processos. A melhoria veio da combinação entre subsídios mais qualificados, escolha estratégica de batalhas e uso de dados para definir teses por tribunal.
O conselho de quem sobreviveu
Ao final da apresentação, Viveiros deixou um recado direto para os advogados corporativos. "Se eu pudesse dar apenas um conselho: advogado tem que ter visão financeira. Uma das coisas que a gente precisa evoluir muito na advocacia é a visão financeira."
O executivo explicou que nas reuniões mensais de prestação de contas ao presidente, nunca foi questionado sobre teses jurídicas ou artigos de lei aplicados. "Nunca me perguntaram qual foi a tese que eu usei. Querem saber qual foi a entrega deste mês e se foi melhor do que o mês passado ou que o ano passado. Caso não tenha sido, buscamos entender o motivo, sempre focando numa visão que vai além do jurídico."
Para Viveiros, a transição de uma "visão exclusivamente jurídica para uma visão financeira" foi determinante para sua sobrevivência na liderança do jurídico. "O meu desafio não é ensinar Direito para ninguém, eles sabem. O meu desafio é sensibilizar essas pessoas, porque elas precisam ter uma visão financeira."
Lições replicáveis
Embora o case seja de uma gigante de telecomunicações com 48 mil colaboradores diretos, os princípios são aplicáveis a empresas de diversos portes:
- Passivo judicial é problema de toda a empresa, não só do jurídico;
- Dados e indicadores são essenciais para decisões estratégicas;
- Tecnologia e IA não são mais opcionais;
- Resultado financeiro deve guiar decisões processuais;
- Acordo bem negociado é estratégia, não fracasso;
- Recurso tem custo — e precisa de análise matemática;
- Escritórios parceiros precisam de gestão e indicadores claros.
A transformação da Claro demonstra que jurídicos de alta litigiosidade podem, sim, gerar valor mensurável para o negócio — mas isso exige mudança cultural, investimento em tecnologia e, principalmente, disposição para encarar números além dos códigos.

